Relacionando o Irmão Alemão e o conto Bom dia, Simpatia

Analisando através de 2 obras o gênero da autoficção

Capa do livro Histórias mal contadas de Silviano Santiago

Santiago conta, em uma de suas palestras, que tudo começou com a morte prematura de sua mãe e a sua consequente dificuldade de falar com sinceridade sobre o assunto. O autor contava também que seu pai, um católico assíduo, o levava toda semana para confessar seus pecados, sobre os quais ele mentia por considerar seus erros como inconfessáveis. É dessa maneira que sua relação com o gênero de autoficção floresceu ao longo de sua vida, se transferindo logo mais para as páginas de suas obras literárias.

É nesse sentido que o conto Bom dia, simpatia, que faz parte de uma coletânea de contos chamada Histórias Mal Contadas, publicada em 2005 e que rendeu ao autor, Silviano Santiago, o segundo lugar no Prêmio Jabuti 2006, conta a história de um professor de literatura e sua trajetória profissional ao longo da vida.

A história é dividida em três momentos narrativos, marcados pela interrupção do próprio narrador no desenrolar do conto. Na primeira parte, o narrador se recorda de sua atuação como professor da Universidade do Novo México na cidade Albuquerque, Estados Unidos. Na segunda parte, o narrador se recorda da vida como estudante durante o doutorado em literatura francesa que ele fez em Paris. Na terceira parte, por sua vez, o narrador relata um acontecimento no México que, segundo ele, foi a chave para a sua verdadeira vocação como escritor. Cada um desses referidos momentos é encabeçado por um mote, sendo eles “Nada a perder. Tudo a ganhar”, “A gente engole sapo. Arrota caviar” e “A maior recompensa na vida profissional virá do acaso dum favor”, respectivamente.

O conto possui muitas das características típicas do gênero da autoficção: apesar de narrador não mencionar seu próprio nome, os fatos revelados sobre sua vida coincidem com a realidade do próprio autor, o que, por conseguinte, leva o leitor a acreditar que são a mesma pessoa. O leitor se depara com um excesso de referencialidades extratextuais, bem como o narrador declara algumas vezes ao longo da narrativa que as certas informações não são verdadeiras, o que, por sua vez, coloca em xeque os limites entre a realidade e a ficção no momento da leitura.

Para Silviano Santiago, a chamada verdade poética está em primeiro plano, em detrimento da veracidade dos fatos narrados. Toda história, por intermédio de uma mentira, revela uma verdade, que deve ser extraída pelo leitor. É dessa forma que as lacunas no texto devem ser preenchidas pela mente que o interpreta. Como exemplo, o referido autor cita Dom Casmurro (Machado de Assis, 1899), como sendo uma história mal contada por Bentinho (narrador) sobre a traição de sua esposa e uma história bem contada pelo leitor sobre o ciúme sobre doentio do narrador.

Capa do livro Irmão Alemão de Chico Buarque

Nesse mesmo sentido, Chico Buarque, que além de músico, é também escritor, permeando a ficção de realidade e a realidade de ficção, aborda a existência de seu misterioso irmão, filho de seu pai, Sérgio Buarque de Holanda, nascido na época em que morou Alemanha. A obra O Irmão Alemão, narra a busca obstinada do autor pelo irmão que nunca teve a oportunidade de conhecer, misturando fatos autobiográficos e até mesmo evidências, com histórias inventadas à base da teorização do narrador sobre eles.

Assim como em Bom dia, Simpatia, o Irmão Alemão, apresentando as características típicas do gênero autoficcional, traz à luz uma verdade poética que está além do excesso de referências e do questionamento dos limites entre a verdade e a mentira. A obra de Chico Buarque busca entender o que seus antecessores fizeram em momentos de grande dificuldade e, também, busca abordar as circunstâncias históricas do nazismo alemão e da ditadura militar.

Desse modo, as duas obras se cruzam em vários aspectos dentro de sua estrutura narrativa: um narrador em 1ª pessoa que permeia as obras com suas “buscas” a fim de dar certo significação às suas vidas, experiências em outros países misturam a realidade à ficção de maneira que o leitor conheça e passeie pela história mundial mesmo sem saber se aquilo que está sendo narrado é realmente real (este é paradoxo que transparece uma qualidade literária unívoca), além do fato de nunca podermos nos esquecer de que estamos frente a uma obra literária e não de um texto jornalístico/midiático, portanto carregado de uma linguagem poética, que passa a inundar nossas mentes com suas reflexões acerca de nossas vidas. Ou seja, estas duas obras autobiográficas com suas verdades poéticas estão além do simples mérito das palavras escritas. É a literatura a serviço de uma construção reflexiva e não de uma mera construção objetiva.

AUTORES:

Eduardo Albuquerque

Giulia Martins

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