Milton Nascimento e o Clube da Esquina (Disco, Turnê, Série Biográfica)

Lucas Henning
-Relevo, +Música
Published in
5 min readFeb 2, 2020

Aos 77 anos Milton Nascimento, e seus talentosos amigos da época de adolescência comemoram 48 anos de um dos discos mais fundamentais da música Brasileira, e extremamente reverenciado no mundo todo, “Clube da Esquina I”. Mais do que um punhado de belas e atemporais canções, esse disco pode ser considerado o retrato de uma época, mais especificamente dos amigos/cena musical de adolescência de Milton em Minas Gerais. Pelas palavras do próprio:

“Primeiro veio a amizade, depois veio a música…”

Elis e Milton em estúdio

Em 1972 Milton já tinha sido gravado por Elis Regina, tinha 4 discos lançados, e já tinha seu nome e voz reconhecidos como um símbolo da Brasilidade. O termo “world music” estava sendo amplamente difundido no mundo, e os ouvidos dos interessados em música estavam voltados para o país de Tom Jobim e da Bossa Nova. Nesse período Milton foi a Minas Gerais, a terra onde descobriu a música e a vida, e convocou os grandes amigos da época que era crooner para gravar um registro comunitário daquela cena na qual cresceu e fez parte, emprestando o seu já obtido prestígio para jogar luz sobre vários talentos com quem convivera.

Dessa galera viria o brilhante pianista e compositor Wagner Tiso, o excelente letrista Fernando Brant , e também os cantores e compositores Flavio Venturini , Beto Guedes, o excepcional guitarrista Toninho Horta, o grande letrista Márcio Borges e seu irmão caçula e um dos pilares desse registro Lô Borges, de apenas 19 anos e responsável por participar da composição e interpretação de 1/3 do disco.

Contexto do Disco

Gravado em apenas 2 canais, o que tinha disponível de recurso na época, o disco não tem uma homogeneidade de estilos, mas é possível ressaltar uma mistura de MPB, fundido como a sonoridade psicodélica do rock dos Beatles, e alguns arranjos mais rebuscados que remetem ao Jazz, por conta da formação clássica de alguns dos músicos participantes. Inclusive, alguns deles vieram a formar bandas exponencial do rock psicodélico no Brasil como Som Imaginário, O Terço, e 14 Bis.

O disco possui uma coletânea de canções que até hoje são considerados standards da música Brasileira e já foram gravadas por inúmeros interpretes. Músicas como “Tudo Que Você Podia Ser” “Trem Azul’, “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”, “Paisagem Da Janela” ,“Cais”, e “Nada Será Como Antes”

Não época o disco não teve uma recepção boa por parte da crítica, por ser considerado “experimental demais”, mas hoje em dia é uma referência de qualidade de arranjos e sonoridade, sendo considerado muito a frente da sua época.

Inclusive, é importante ressaltar que “Clube da Esquina” pode se referir tanto ao disco de 1972, quanto ao considerado “movimento cultural” de músicos e compositores mineiros que se reuniam entre 1960–1970 para compor e tocar juntos. O primeiro registro do termo foi no álbum de Milton Nascimento de 1970 chamado "Milton", onde tem a música chamada “Clube da Esquina”. Essa mesma música foi regravada de forma instrumental e com outro arranjo, no disco de 1972 e batizada como “Clube da Esquina II”.

Celebrando a História, Turnê Clube da Esquina 2019

Em 2019 eu tive o privilégio de assistir a um show da turnê celebrativa contendo o repertório do Clube da Esquina I e II, e posso dizer que assistir a esse show no teatro positivo em Curitiba, foi umas das experiências mais espirituais que eu tive na vida. Logo nos primeiros acordes suspenso de “Nada será como antes”, com aquela atmosfera sonora criada pela sensacional banda que lhe acompanhava, veio aquele tom de voz grave, sereno, aveludado, ímpar, com uma certa fragilidade em decorrência da idade, mas que carregava a força da história que ele veio pra contar: “Com sol e chuva, você sonhava…”, e nesse momento era possível ver ao redor alguns olhos marejados, inclusive os meus.

Tenho momentos ímpares para comentar a respeito desse show, sem dúvida um dos mais lindos que já presenciei, mas eu prefiro escrever mais a respeito em uma outra publicação.

O cenário era um show a parte, minimalista, apenas um painel com vários elementos, e conforme o show avançava e histórias eram contadas com apenas algumas partes do painel iluminadas para ilustrar aquele momento. Ao centro , como não poderia ser diferente, Milton Nascimento e Lô Bórges. Ele que é responsável por co-escrever boa parte do repertório do show, e parceiro constante de músicas da carreira do Milton.

Não é exagero falar que eu saí de lá com a fé renovada, principalmente a fé na amizade, a fé no amor, a fé na vida.

Em uma época em que temos os olhos mais voltados para telas luminosas do que para pessoas, e os gostos e opiniões divergem a ponto de desfazer laços criados pelo tempo, esse disco vem como um lembrete a nossa capacidade de se conectar verdadeiramente as pessoas, uma celebração a amizade. Um resgate a nossa humanidade e todos os sentimentos inerentes a ela.

Série Que Estréia no Canal Brasil

Em 2020, para comemorar o legado deixado por esse movimento tão genúino e também o final da turnê do Bituca, o Canal Brasil promove um especial de 6 episódios chamado “Milton e o Clube da Esquina”, contando um pouco da história do movimento. O especial mistura entrevistas e números musicais com participações especiais de Gal Costa, Maria Gadu, Lô Borges, Ney Matogrosso entre outros. Fora essa série, existem 2 episódios do programa “Som do Vinil” conduzido pelo Charles Gavin , dedicados exclusivamente ao Clube da Esquina.

Os Sonhos Não Envelhecem…

Se você se interessou pela história do Clube da Esquina, recomendo muito o livro escrito por Márcio Borges, "Os Sonhos Não Envelhecem", que é um mergulho extremamente descritivo e bem retratado desse grupo de amigos, do que era ouvido e tido como cultura na época, os interesses, as paixões, as referências musicais, e sobretudo a amizade.

E aí leitor, curtiu o texto? Dá uma comentada aí em baixo, compartilhe com os amigos, e/ou venha trocar uma idéia comigo, seu feedback é muito importante ;)

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