"…there goes my hero" — Taylor Hawkins | Top 6 Linhas de Bateria

Lucas Henning
-Relevo, +Música
Published in
8 min readMar 28, 2022

Talvez a forma como devemos medir o impacto de um músico sobre uma geração não é com relação as técnicas que ele exibe, quantos discos ele gravou, ou quantas bandas ele fez parte, mas se a forma dele tocar foi capaz de desenvolver uma assinatura instrumental tão poderosa a ponto de ser reconhecível em diferentes contexto. Não necessariamente os músicos mais virtuosos conseguem desenvolver um estilo próprio de tocar, pelo contrário, as vezes as limitações técnicas são o que tornam aquela proposta mais criativa e interessante.

A primeira vez que eu me lembro de ter ouvido Foo Fighters foi em meados de 2009/2010, quando tinha por volta dos 14 anos,e por incrível que pareça na época o som da banda não me chamou muito a atenção. Eu estava muito obcecado por bandas de punk rock com o discurso político e contestador mais engajado como Anti-Flag, Bad Religion, Rise Against, e os discos do Green Day que traziam esse tom. Na época a forma de ouvir música era baixando albuns em programas como Kazaa, Torrent , e comunidades no Orkut.
A internet não ajudava muito, então tinhamos que escolher com sabedoria onde iriamos gastar nossa banda.

Programas de Compartilhamento
Maior comunidade de discos do Orkut

Nessa época eu já tocava violão aaproximadamente um ano, e começei a frequentar os meus primeiros shows de rock como Face To Face, NOFX, Pennywise, e sem dúvida o instrumento que mais me chamava atenção era a bateria. Aquilo me deixava vidrado e eu sentia uma catarse emocional só de me imaginar atrás de uma bateria comandando o motor-rítmico de uma banda. Cheguei a comprar na época pares de baquetas, peguei um pedal de ferro da máquina de costura da minha mãe e ficava por horas ouvindo as músicas e tentando imaginar quais peças do instrumento estavam sendo tocadas em cada parte da música, batucando nas almofadas.
Depois de algum tempo fazendo esse exercicio de imaginação eu já era capaz de reconhecer alguns padrões de batidas que eram bem usados nas músicas que eu gostava, e durante um tempo eu tive a impressão de que o som das das bandas que eu gostava eram muito fechados no 4/4, quadradinho, chimbal /condução , caixa , e bumbo.

Foi apenas em 2011 que eu ouvi um disco do Foo Fighters que me pegou de jeito. Era o lançamento de Wasting Light, um disco recheado de músicas arrebatadoras como "Walk", "Arlandria", "Dear Rosemerie", "Rope", e "These Days" , e o que mais me deixou fitado nessas músicas era que a bateria não seguia aquela fórmula "mais qudradinha" que eu estava acostumado a ouvir. Nesse disco , a bateria não fazia apenas o ritmo e os instrumentos eram adicionados em cima, pelo contrário , ela complementava os riffs de guitarra e criava movimentos diferentes ao longo da música. As linhas de bateria desse disco me davam a sensação de que esse era o instrumento fio-condutor entre as partes mais suaves e mais pesadas de cada música, e essas partes eram costuradas de forma com que tudo fizesse sentido no final.

Foi esse disco que me fez encarar a função da bateria em uma música de uma forma totalmente diferente, ao mesmo tempo que adicionava camadas de sofisticação aquelas canções que eram incríveis.

Capa extendida Wasting Light (2011)

Sem dúvida em 2011/ 2012 foi um dos discos que eu mais ouvi no repeat a ponto de decorar boa parte dessas levadas de bateria, e não ser capaz de decifra-las de imediato , mas entender a linguagem proposta e o espaço que o instrumento poderia ocupar em uma canção.

A partir desse disco eu começei a encarar a banda com outros olhos, e como se não bastasse nesse mesmo ano saiu o documentário "Back and Forth" que contava toda a trajetória do Foo Fighters e também mostrava trechos do processo de composição / gravação das músicas no estúdio desse disco.

Capa extendida do documentário Foo Fighters (2011)

Aí foi quando eu me deparei com a figura do baterista Taylor Hawkins , e conheci parte da sua história que é contada no documentário. Antes de entrar para o Foo Fighters ele tocava junto a Alanis Morissete durante os anos 90, e foi um dos responsáveis pela sonoridade pesada do disco que transformou ela em uma das maiores artistas da época no mundo inteiro , estou falando de Jagged Little Pill de 1995.

Jagged Littel Pill — Alanis Morissette (1995) | There is Nothing Left to Lose — Foo Fighters (1999)

Em 1997 ele deixou Alanis para se juntar aos Foo Fighters a pedido do Dave Grohl, e o entrosamento dos dois foi instântaneo. Já na gravação do seu primeiro disco , There is Nothing Left to Lose de 1999, ele conseguiu imprimir toda sua personalidade nas canções.

Voltando ao documentário, umas das coisas que mais me chamou a atenção foi que eu achava que o Taylor era um baterista extremamente seguro, técnico e habilidoso em tudo o que ele executava , por ter essa sonoridade tão única e reconhecível. Pelo contrário, no documentário mostrava ele repetindo várias vezes o mesmo take, aparecia ele dizendo que se sentia inseguro de gravar aquelas canções, e depois de algumas horas quando ele retomava as sessões ele trazia elementos inesperados e gravava com uma precisão formidável.

Foi nessa época em 2011, vendo esse documenário que eu me apaixonei perdidamente pela bateria e percebi que se eu fosse algum dia estudar um instrumento formalmente seria esse, não para imitar ou tentar reproduzir o que o Taylor criava para as suas músicas, mas usar esse mesmo conceito de que a bateria poderia criar diferentes camadas e expandir o universo dinâmico das músicas para outras direções inesperadas. Ele também foi uma prova para mim que mesmo depois de anos tocando /gravando , a insegurança presente não poderia ser um fator que paralisa e te impede de arriscar e alcançar os seus objetivos.

Isso também me incentivou a começar a assumir a postura de baterista, e montar bandas onde eu tivesse espaço para desenvolver minha própria sonoridade. De 2011 para cá eu toquei com algumas bandas, estudei informalmente o instrumento ao longo dos anos, e em 2021 entrei para o Conservatório de Música de Curitiba para estudar formalmente a bateria.

Banda Stone Box Abrindo Show do Gloria em 2017 / "Eu Quero Sempre Mais" — Irá (2019), eu na bateria (link)

De 2011 até o momento eu ouvi todos os lançamentos do Foo Fighters assim como os discos anteriores, me tornei um fã incondicional da banda, e aguardava para ver os trechos de shows e apresentações ao vivo onde aparecia o Taylor tocando com uma energia incrível. Era prazeroso ver ele tocando com os olhos fechados em frente a uma multidão como se ele e o instrumento fossem uma coisa só e nada mais importasse.

Foi com muita tristeza que eu recebi a notícia que ele se foi nesse último dia 25 de Março de 2022, fiquei devastado com a notícia. O legado que ele deixa vai além do fato de ter sido baterista do Foo Fighters, e para mim se extende como um dos músicos mais criativos, carismáticos, e influentes de sua geração. Tenho certeza que ele inspirou vários jovens a se apaixonar pela bateria e escolher ela como seu instrumento, assim como me inspirou a seguir o mesmo caminho.

"… there goes my hero" — Taylor Hawkins 1972 ~ 2022

#Bonus — Top 6 Linhas de Bateria Favoritas do Taylor Hawkins

#1. Dear Rosemary— Wasting light (2011)

O que eu mais gosto nessa linha de bateria é o grove dos versos e o peso que vem no refrão. Durante os versos ele acentua as batidas no chimbal bem nos intervalos entre as duas guitarras. Na maioria das musicas o acento entra junto com outros instrumentos.

#2. Sunday Rain — Concrete and Gold (2017)

Essa é uma das minhas favoritas do Foo Fighters, justamente porque ele usa os bumbos da música no contra-tempo do chimbal, uma sonoridade que é bem característica das gravações de soul music dos anos 70. Sem contar que o Taylor canta a voz principal nessa música.

#3. Generator — There Is Nothing Left to Lose (1999)

Gosto muito das viradas dessa música e também das dinâmica que são trabalhadas em cada uma das partes dela. É uma música que mesmo sendo super melódica traz um peso surpreendente.

#4. Stacked Actors— Live At Wembley (2007)

Aqui tem um exemplo do que eu trouxe no texto acima, em que a bateria acompanha totalmente os riffs e os ataques da guitarra. Acho que é uma das músicas mais pesadas do Foo Fighters.
Aqui é possível reparar uma imensa diferença entre o volume / peso da bateria no refrão e nos versos. Essa versão do disco ao vivo deles gravado em Wembley é a versão extendida com direitos a solo de guitarra e também de bateria.

#5 Everlong — The Colour and The Shape (1997)

A versão de estúdio dessa musica foi gravada pelo próprio Dave Grohl antes do Taylor ter entrado na banda mas é impressionante a forma como ele imprimiu o jeito de tocar dele nas versões ao vivo. Eu considero essa uma das linhas de bateria mais dificeis do Foo Fighters, por ser uma das músicas mais rápidas é muito fácil perder o tempo da música e errar as entradas e viradas que acontecem durante o refrão.
Aqui podemos dizer de forma mais leiga que durante boa parte da música para cada nota tocada na guitarra , tem duas notas sendo tocadas naquele mesmo tempo na bateria. Repare que a maioria das bandas que fazem cover dessa música não tocam no arranjo original.

#6 Something From Nothing — Sonic Highways(2014)

Considero essa umas das músicas com arranjos mais legais que já ouvi de todos os tempos. A bateria ta perfeita ao arranjo da música, e as viradas são super candenciadas. É a primeira vez que o teclado aparece no Foo Fighters como instrumento principal em uma parte da música super grovada.
Perceba que a cada parte que a música avança ela vai ganhando mais corpo e vão entrando mais elementos. Eu gosto muito da volta do segundo refrão onde ao invés de fazer uma virada de bateria para conectar ao terceiro verso, a bateria dobra o tempo no grove durante apenas um campasso, dando a intenção de que música vai acelerar e na sequência volta pro verso. O final dessa música é catártico , onde a voz vai ganhando peso junto com a entrada de mais guitarras, tambores na bateria emitem um som tribal, e termina lá no ápice.

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