A Copa turbulenta do Zaire em 1974

Wladimir Dias
Revista Relvado
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3 min readDec 20, 2017

Ainda causa assombro a lembrança de que a maioria dos países africanos só conseguiu sua independência após a Segunda Guerra Mundial. Nesse sentido, os anos 60 foram os mais impressionantes, com uma avalanche de revoluções. As nações do Berço do Mundo se mantiveram distantes das competições esportivas. No que diz respeito às Copas do Mundo, exceção feita ao Egito, em 1938, chuteiras africanas só pisaram nos relvados mundiais em 1970, com o Marrocos.

Em 1974, foi a vez de a África Subsaariana ganhar seu primeiro expoente. Muito antes de países como Camarões, Nigéria ou Senegal apimentarem a maior competição de futebol do planeta, coube ao Zaire a missão de levar à disputa o peso do suor e do sangue afro.

Zaire? Sim, aquele país que, desde 1997, se chama República Democrática do Congo e que seu filho só reconhecerá quando visitar aqueles Atlas antigos, escondidos nos confins da estante do escritório. Pode ser também que em uma aula futebolístico-geográfica alguém conte a ele que Claude Makélélé nasceu no Zaire, que virou Congo, e que esse tal volantão defendeu a Seleção Francesa. Detalhes.

É também justo lembrar que, em 1966, os países africanos boicotaram a Copa do Mundo e não participaram. O motivo? Era inconcebível que um continente de tamanha grandeza, riqueza cultural e duro passado, tentando reescrever sua história, não recebesse ao menos uma credencial direta no certame. Dois anos depois, ficou resolvido que a África teria sua merecida vaga. E em 1974 ela foi pela primeira vez para as terras abaixo do Saara.

A chegada do Zaire carregou consigo um simbolismo brutal. O país bateu Togo, Camarões e Gana nas fases iniciais das eliminatórias. No triangular final, enfrentou Zâmbia e os já “experientes” marroquinos. Venceu todos os quatro jogos. Fez mais que o necessário para viajar à Alemanha. No entanto, aqueles eram tempos de caos absoluto por todo o continente africano.

Futebolisticamente, não dava para esperar muito do estreante, ainda que houvesse muita esperança no país. Quatro anos antes, Marrocos ainda conseguiu um empate. O Zaire, pobre Zaire, perdeu todas. Mas não foi batido por quaisquer equipes.

A derrota por 2 a 0 contra a Escócia foi um resultado normal; o 3 a 0 contra o Brasil algo quase a ser comemorado (em que pese a bizarra aparição de Mwepu Ilunga, que para atrasar a cobrança de uma falta da Canarinho, correu para a bola e deu um bico estratosférico nela). Nem mesmo a hecatombe que se abateu quando vieram os impiedosos iugoslavos, metendo nove bolas na meta zairense, pode ser vista como uma tragédia.

A vida real conta que membros da federação de futebol do país surrupiaram verbas que seriam destinadas aos jogadores, algo que não aconteceu uma ou duas vezes na história da bola, infelizmente. Houve muitos problemas internos. Também existem relatos de que a derrota inapelável contra a Iugoslávia foi respondida com ameaças por parte do governo do país, que considerava a performance um vexame nacional.

Subitamente, os jogadores que haviam ganhado casa e carro com a classificação foram perdendo status. Hoje, poucos são reconhecidos. Ainda assim, não há como negar o impacto positivo daquela viagem à Alemanha, como diria Ilunga à BBC, 28 anos depois: “Eu estava muito orgulhoso, e ainda estou, por representar a África Negra e Central em uma Copa do Mundo”.

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Wladimir Dias
Revista Relvado

Advogado, mestre em Ciências da Comunicação e Jornalismo Esportivo, pós-graduando em Escrita Criativa. Escrevo n’O Futebólogo e penso no Fluxo de Ideias.