A eterna luta da arte contra o resultado

Felipe Portes
Revista Relvado
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3 min readMar 31, 2018

Todo ano, no início da temporada, o torcedor se vê em um dilema dos mais recorrentes no debate esportivo: jogar bonito ou ganhar? Deixar um legado de estilo ou pavimentar um caminho vitorioso? Nem sempre é possível ter os dois.

A verdade é que ganhar vicia. E quem ganha, quer continuar assim. Mas a que custo? Existe limite para o sacrifício de filosofias em troca de taças e reconhecimento eterno? Certo é que pouquíssimos times conseguem entrar para a História sem vencer.

Dentre todos os campeões mundiais, o Brasil é aquele de quem mais se espera a manutenção de um padrão técnico e de talento, em virtude do que conseguiu no passado quando teve, por exemplo, Pelé, Garrincha, Zico, Sócrates, Falcão, Romário, Ronaldinho e Ronaldo.

E quer um torcedor mais exigente que o brasileiro? Para nós, nunca está bom. Mas há um remédio que amansa até o maior dos corneteiros: o troféu. Mal acostumados ou não, já aplaudimos equipes campeões sem brilho, sem gênios, sem padrão, mas nunca sem mérito.

Nos anos 1990, a Seleção vivia a dualidade do Tetra com a exigência de um futebol mais ofensivo, mais artístico. Na contramão disso, crescia a aprovação do método scolarista: a vitória acima de tudo, o resultado sobreposto à qualidade.

Luiz Felipe Scolari fez no Grêmio sua primeira dinastia, faturando títulos como a Libertadores, o Brasileirão e a Copa do Brasil. Seguiu no Palmeiras com o estilo autoritário, motivador, conquistando a Mercosul e mais uma vez a Copa do Brasil e a Libertadores.

De todos os elencos campeões com Felipão, não há um que dê margem para lembranças mais artísticas, com estilo memorável. Uma antítese do carrossel de Telê Santana no São Paulo. Os rivais, naturalmente, criticavam a postura e a visão do gaúcho.

Para os palmeirenses, entretanto, qualquer ideia que resultasse em taças era um grande plano. Ainda que os métodos e fins para as conquistas fossem eventualmente controversos. Por vezes, o Palmeiras encarava pilhado demais as decisões, com uma missão bem definida: fazer o estritamente necessário para vencer.

Como todas as outras filosofias (muito além da formação e das táticas), a de Felipão teve seu auge e influenciou gerações de outros treinadores. O modelo da “Família Scolari” foi legitimado com o Brasil de 2002 e posteriormente as seleções de Portugal em 2004 e 2006, ainda que sem troféus.

A noção de futebol vistoso mudou muito no Brasil em virtude disso. Os dois últimos times campeões mundiais da Seleção não eram maravilhosos, mas chegaram longe demais à base do talento geracional, da organização e da disciplina.

Scolari alcançava a glória à base do 1 a 0, do 1 a 1 fora, sempre com o regulamento debaixo do braço e sem o menor constrangimento. Mais do que qualquer inovação tática, o treinador foi alçado ao topo porque montou equipes eficientes. Ponto.

O que é arte afinal? Fazer o adversário passar 90 minutos sem ver a cor da bola? Um 5 a 0 sem resposta, um gol de bicicleta, uma pedalada, um chapéu, um gol por cobertura, uma troca de passes sem erros por cinco minutos, uma arrancada com cinco dribles, um chute no ângulo?

Ou é ganhar do rival, no último minuto, com um gol espírita e inexplicável, levantar um troféu fora de casa mediante vitória no agregado com a defesa fechando todos os espaços do ataque adversário?

Cada um tem a sua concepção do futebol ideal. Esse debate sempre vai existir, assim como discussões acerca de Scolaris e Telês, Mourinhos e Guardiolas, Cruyffs e Bilardos.

Mais Maguila do que Rembrandt, o modelo de Scolari se coloca em uma espécie de entrelugar no futebol moderno. Um espaço onde o drible é tão importante quanto o carrinho, onde a bola na área pesa tanto quanto uma tabelinha bem treinada.

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Felipe Portes
Revista Relvado

Desenhista. Estudante de Letras-PT. Adepto da autoironia. Também estou em instagram.com/draw.portes