Eu, o futebol e os comerciais da Nike dos anos 2000

Murillo Moret
Revista Relvado
Published in
3 min readMay 25, 2018
Ilustração: Dave Fikkert

12 anos

Eu não era daqueles escolhidos de primeira nas aulas de Educação Física (talvez seja por isso que passei a adolescência jogando handebol — e eu era bom mesmo –, mas isso não vem ao caso). Lembro perfeitamente, porém, que minha celebração favorita quando marcava gol no futebol era levantar os dois braços, cruzando-os acima da cabeça. A minha camisa, e isso foi levado ao outro esporte também, era a 8. Ninguém tirava essa escolha. No meu mundo, eu era Edgar Davids.

Mas bem que poderia escolher algum outro. Sei lá, Luís Figo, que levantava a bola de chaleira e metia de calcanhar pro gol. Ou o próprio Roberto Carlos, que vencia o jogo da mesma forma. Ou Hernán Crespo agarrado na grade para comemorar a eliminação do adversário.

16 anos

Havia mudado de colégio e, agora sim, conseguia jogar frequentemente. Tinha melhorado, é verdade. Só que nem queria tanto assim. A parte divertida era ficar após às aulas para brincar de freestyle. Ou Joga Bonito. Ou jaula.

Jaula.

Foi bem divertido quando juntei com outros dois amigos para formar o trio Pieds de Flamme — não consigo recordar o porquê do nome. Era 2006, mais ou menos, e nós ficávamos trocando vídeos dos comerciais da Nike. Pela TV, ainda passava aquele Brasil x Portugal, com um belo carrinho do árbitro para derrubar Ronaldinho. Pela internet, as reproduções foram incontáveis.

27 anos — ou hoje

A Nike moldou a minha idolatria pelo futebol a partir de 1998. Simples assim. Naquele ano, o mercado começava a tomar outra forma: a assinatura de Ronaldo com a empresa americana, usando a modelo Mercurial na Copa do Mundo, é vista como o modelador do que viria na década seguinte, porém, todo o entorno deste esporte começava a ser estudado — e a grana vinha de todos os lugares.

A cada dois anos, a Nike vinha com um comercial novo que direcionava meus gostos. Primeiro, o aeroporto; depois, a missão. O pico veio com o torneio secreto e, na sequência, o duelo entre brasileiros e portugueses.

Torneio secreto na jaula.

Aquele comercial era direcionado aos adolescentes. Para a Nike, de acordo com o vice-presidente de marketing à época, “eles são o futuro”. A começar com o mistério do escorpião nas propagandas e com um site sobre o torneio surpresa.

O lançamento do vídeo aconteceu em março. Trilha sonora de Elvis Presley, Eric Cantona brincando de árbitro e oito times meticulosamente escolhidos: um atleta de cada país relevante ao futebol e dois representantes asiáticos para impulsionar o mercado às vésperas da Copa do Mundo no Japão e Coreia do Sul. França e Brasil eram os países com mais jogadores porque tinham feito a final do último Mundial e nenhum alemão foi escolhido para retirar qualquer referência à Adidas na propaganda.

No fim do ano seguinte, a Nike conseguiu pela primeira vez ter mais receitas no exterior que nos Estados Unidos. Mas creio que isso pouco reflete em mim.

O que eles fizeram foi definir em mim exatamente o que queriam: representar o futebol como arte. Que os dribles mostrados em velocidade aumentada eram essenciais para o jogo bonito — quiçá até mesmo para decidir uma partida. Eu era o público-alvo de Hidetoshi Nakata, Francesco Totti, Thierry Henry, Freddie Ljungberg e Gaizka Mendieta. O impacto, bem, está no primeiro parágrafo.

Sou fruto de uma ação de marketing.

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