Futebol na era dos dados

Wladimir Dias
Revista Relvado
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3 min readApr 11, 2018

Na última quinta-feira (05), a cidade de Bilbao sediou um evento (o Bilbao International Football Summit) em que, dentre outras personalidades do mundo do futebol, foram ouvidos os treinadores Luiz Felipe Scolari, Julen Lopetegui e Roberto Martínez.

À primeira vista, há um claro choque geracional entre Felipão, um expoente da dita “velha guarda”, e a dobradinha de espanhóis que atualmente comandam as seleções de Espanha e Bélgica. Eles são técnicos renomados da nova turma, filhos de um tempo em que tudo é documentado e acessível a qualquer um.

Na era do famigerado “tatiquês”, os dados, mapas de calor, números de acerto de passes, percentuais de quilometragem percorrida, desarmes certos, faltas cometidas e movimentações feitas — para recordar apenas alguns dos temas trabalhados na linguagem corrente do futebol contemporâneo — , o que mais se tem é a aparente ideia de que a cada dia são formados milhares de especialistas no riscado.

Tal impressão, entretanto, não encontra ressonância dentre os referidos profissionais, representantes da elite do futebol mundial. Entender futebol é muito mais do que conhecer e falar sobre dados. E a razão para tal é simples: todos têm acesso.

Se, hipoteticamente, Lopetegui e Martínez se enfrentarem em uma partida, é certo que os dois conhecerão as mesmas informações antecipadamente. Assim, os dois foram taxativos ao dizer que futebol é muito, mas muito mais do que uma coletânea de números, setas, percentuais e mapas.

Por certo, nenhum deles negou a importância da informação. Felipão, por sua vez, mencionou expressamente o fato de que apreciava a forma como Louis van Gaal, que havia sido treinador do Barcelona, explorava o potencial técnico de Rivaldo, entendendo que aquela era a forma mais eficiente de o meia-atacante brasileiro atuar.

Embora tal anedota nos remeta há um tempo anterior ao que aqui se assume como a Era dos Dados, é certo que o posicionamento de Rivaldo na Copa do Mundo de 2002 foi pensado a partir das referências, vídeos e dados de suas atuações na Catalunha. Essas informações estão longe de ser inúteis.

Todavia, o que muitas das vezes parece ficar em segundo plano, é o fato de que a cientificação passa por muito mais processos do que apenas o de depuração de dados. Ela está presente nos aspectos emocionais e de gestão, muitas vezes ignorados ou tratados com preconceito.

Atualmente, sobretudo após o ocaso brasileiro de 2014, com a derrota acachapante no Mundial para a Alemanha, sempre que se refere, por exemplo, à Família Scolari, o tom é de chacota. Assim, foi interessante perceber que Lopetegui e Martínez, bastiões dos novos tempos, também fizeram ponderações a respeito da imprescindibilidade da existência de um emocional poderoso, de química de equipe e de capacidade de controle de crises.

Os espanhóis também foram enfáticos ao assumir que uma seleção nacional dificilmente será composta pelos melhores jogadores de um país, considerando-se apenas os critérios técnicos. O time precisa sempre ser pensado como coletivo. E, se uma dupla de jogadores bons joga excepcionalmente bem junta, e outra, formada por jogadores extraordinários, vai apenas bem, sempre se privilegiará a primeira.

A Família Scolari, enquanto caso específico, é um fenômeno brasileiro. Porém, como ideia não o é. Não se restringe à velha guarda e, a despeito de se tratar de elemento subjetivo, não pode continuar sendo tratada como elemento descartável ou motivo de risos.

Os dados são importantes, mas o especialista do futebol de alto nível sabe que há muito mais em causa quando se vai formar um time e, na hipótese retratada, uma seleção. Fique claro: quem disse isso não fui eu. Reflitamos.

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Wladimir Dias
Revista Relvado

Advogado, mestre em Ciências da Comunicação e Jornalismo Esportivo, pós-graduando em Escrita Criativa. Escrevo n’O Futebólogo e penso no Fluxo de Ideias.