Leões vestidos para polemizar

Murillo Moret
Revista Relvado
Published in
3 min readJan 12, 2018

Camarões chegou à final da Copa Africana de Nações sem sofrer qualquer gol. A decisão em Bamako, contra Senegal, foi decidida nos pênaltis. Naquele confronto, o que mais chamou a atenção não foi o estilo capilar do zagueiro Rigobert Song nem a cobrança perdida pelo craque El-Hadji Diouf. O uniforme usado pelos camaroneses durante a campanha disputada no Mali foi alvo de elogios e críticas, e proibido pela Fifa de ser utilizado na Copa do Mundo que começaria em alguns meses, naquele 2002.

A ideia da fornecedora Puma era levar um camiseta de jogo sem mangas para o campeonato que seria disputado na Coreia do Sul e Japão. O conceito era simples: dar mais frescor e liberdade aos atletas. Contudo, a Fifa não ficou entusiasmada e, por meio do porta-voz Keith Cooper, proibiu que a seleção usasse o uniforme na Copa porque “eles eram coletes”. Outras razões para a rejeição estavam, de acordo com a entidade, descritas nas regras do jogo — entre elas, disse-se que a camisa fugia dos parâmetros estabelecidos.

Antes, durante o torneio continental, a reação do público para com o uniforme camaronês foi dividida. Alguns torcedores estavam a favor do modelo irreverente, como noticiou a BBC, naquele mesmo ano; outros acreditavam que a seleção se afastara do futebol, pois parecia um time de basquete — e usaram os Harlem Globetrotters como exemplo. O jornalista Hegaud Ouattara, do jornal marfinense Stade d’Afrique, escreveu que o uniforme era uma falta de respeito para os fãs e adversários.

A proporção que o kit tomou foi tanta que superou a polêmica da semifinal da CAN. O preparador de goleiros de Mali, o ex-arqueiro Thomas Nkono, foi retirado de campo de forma violenta pela polícia sob acusação de ter praticado magia negra antes da partida (vencida por Camarões por 3 a 0). A repercussão da vestimenta pode ter sido maior pela boa campanha que os Leões Indomáveis fizeram para se consagrarem bicampeões consecutivos, mas, também, porque já tinham vaga garantida no Mundial e haviam conquistado a medalha de ouro nas Olimpíadas de 2000, em Sydney.

A decisão da empresa foi modificar o design original, adicionando mangas curtas na cor preta. O novo modelo, enviado à Fifa três meses antes do início da Copa, foi aceito sem pormenores, com Cooper adicionando que “sempre podia esperar algo novo de Camarões”. Para a entidade, não havia mais a necessidade de estudar se a invenção realmente estagnava a temperatura corporal ou debater sobre o aspecto estético.

Seguindo o raciocínio do porta-voz, Camarões e Puma tentaram criar outra tendência no caminho para a Copa do Mundo de 2006. Diante da Nigéria, nas Eliminatórias, a seleção testou um uniforme composto de uma peça única, que se assemelhava aos trajes de velocistas ou surfistas. As sanções, desta vez, foram mais pesadas: a Federação Camaronesa (Fecafoot) foi multada em 154 mil dólares, enquanto a equipe teve seis pontos deduzidos do torneio rumo à Alemanha.

A empresa esportiva procurou se defender legalmente, entrando com uma ação judicial contra a Fifa na corte alemã. A Puma pedia 2 milhões de euros por danos, alegando que a entidade impõe “limites incertos e regras que são abertas à interpretação”. Além disso, a empresa relatou que os uniformes foram mostrados para a Fifa e a Confederação Africana de Futebol, que deram o sinal verde. A decisão foi sacramentada depois de uma reunião com o então secretário-geral da Fifa, Jerome Champagne, que, de acordo com o assistente do chefe-executivo da Puma, “esqueceu de avisar [o presidente] Joseph Blatter”.

A Fifa optou por não retirar seis pontos dos camaroneses, porém, a classificação não veio, pela diferença de somente um para a Costa do Marfim. Desde então, os arrojados uniformes ficaram para trás.

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