O caso único de Dejan Stankovic

Wladimir Dias
Revista Relvado
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3 min readJan 11, 2018

Os anos 90 foram sinônimo de conflito nos Bálcãs. A imponente Iugoslávia, liderada com mãos de ferro pelo General Tito até sua morte, em 1980, começava a se desintegrar. Era evidente que, sem a presença de alguém capaz de se impor enquanto governante (considerando todas as conotações possíveis, positivas e negativas), isso aconteceria.

Seria quase impossível que o país conseguisse manter, harmonicamente, católicos ortodoxos, protestantes e islâmicos, com diversas etnias distintas, unidos. A prova veio com as guerras sangrentas que se seguiram e os massacres personificados na figura de Slobodan Milosevic, que defendia uma ideia de pan-eslavismo, de “Grande Sérvia”, obviamente não-aceita pelas demais nações.

Nesse tempo, o futebol local acabou ganhando páginas históricas, nem sempre felizes, é claro. Em 1992, a Iugoslávia foi banida pela Fifa da disputa da Eurocopa em virtude de seus conflitos armados, sendo substituída pela futura campeã Dinamarca. Em 1996, a Croácia disputou seu primeiro torneio europeu e, em 1998, estreou com destaque na Copa do Mundo. Já muito reduzida, nesse mesmo ano, a Iugoslávia viajou à França, contando com um camisa 20 talentoso, um certo Dejan Stankovic.

Aquele era um time com bons valores; contava ainda com Vladimir Jugovic, Dejan Savicevic, Predrag Mijatovic e Sinisa Mihajlovic, para citar uns poucos. Contudo, no caminho até o reconhecimento de seus craques, havia uma geração fabulosa de jogadores holandeses, nas oitavas de final. A derrota por 2 a 1 sinalizou a última participação em Mundiais dos iugoslavos. Mas a história não acabava ali.

Fora dos campos, a tensão persistia. Naquela altura, Croácia, Bósnia, Albânia, Eslovênia e Macedônia já haviam se desligado do braço central iugoslavo, que, com a queda de Milosevic passou a ser conhecido como Sérvia e Montenegro. À parte de todo o sangue derramado, a Iugoslávia jogou as eliminatórias da Copa do Mundo de 2002. Não se classificou.

A geração de 1998 envelhecera e a de 2006 não inspirava confiança. Mas lá estava Stankovic. E assim permaneceu até 2006, quando, já como Sérvia e Montenegro, voltou aos palcos mundiais. Na Alemanha, porém, o elenco estava rachado. Sérvios boicotavam montenegrinos e vice-versa. Não foi à toa o atropelo sofrido perante a Argentina, em um impetuoso 6 a 0. A única participação do país em Copas terminou com três derrotas e um saldo de gols de -8. O extra-campo afetou diretamente o lado desportivo, antes de mais uma — a última — dissolução.

Em 2010, já separada de Montenegro, a Sérvia foi à sua primeira Copa do Mundo, com Dejan como capitão. Porém, naquela altura, nem a vitória contra a geração alemã, foi suficiente para culminar em um bom desempenho. Mesmo com a glória diante da Alemanha, os sérvios perderam para Austrália e Gana e ficaram a ver navios, ainda na primeira fase.

Stankovic, o último remanescente da excelente geração noventista iugoslava, entrou para a história, não da forma como gostaria. É o único a ter jogado três Copas do Mundo por três seleções diferentes e não há perspectiva realista de que isso possa acontecer novamente, ao menos não em tempos pacíficos. “Estou feliz com a marca, mas preferia vencer. É bom ter estado em três Copas do Mundo, mas eu ficaria mais satisfeito com melhores resultados”, disse em 2010.

A carreira de Dejan por seleções reflete o caos vivido por sua região. Em plena cicatrização dos horrores da Guerra dos Bálcãs, a Sérvia tenta construir uma nova identidade, dentro e fora das quatro linhas.

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Wladimir Dias
Revista Relvado

Advogado, mestre em Ciências da Comunicação e Jornalismo Esportivo, pós-graduando em Escrita Criativa. Escrevo n’O Futebólogo e penso no Fluxo de Ideias.