O sonho caótico dos salvadorenhos

Wladimir Dias
Revista Relvado
Published in
3 min readDec 7, 2017

A história de El Salvador em Copas do Mundo é cercada por fatos pouco usuais. A primeira aparição, em 1970, carregou consigo problemas imensuráveis. Na oportunidade, duelos tensos com os rivais de Honduras nas semifinais das Eliminatórias da Concacaf foram o estopim para uma guerra entre os países, que durou quatro dias.

Naquela oportunidade, o futebol evidenciava a extensão do problema vivido entre as nações vizinhas. Em 1982, houve novas polêmicas, quando La Selecta deixou a Espanha marcada por uma derrota sem igual. O orgulho salvadorenho, no entanto, permaneceu intacto. Era evidente, desde o início, que El Salvador não iria muito longe na competição em solo espanhol.

Os adversários na fase de grupos pertenciam a outra classe: a começar pela Hungria, que já não representava os perigos dos anos 50 e 60, mas tinha suas qualidades. Para piorar, os outros concorrentes eram a Argentina, campeã da edição anterior e que trazia o indomável Diego Maradona; e a Bélgica, vice campeã da Eurocopa em 1980, no meio termo de uma safra interessantíssima de atletas.

Havia um porém: os oponentes de El Salvador podiam ser fortes e contar com jogadores de classe mundial, mas não tinham um Mágico. É assim que a memória faz remissão ao meia-atacante Jorge González, escondido dos grandes centros enquanto jogava pelo C. D. FAS, que vencera o campeonato local em 1981.

Logo, a Copa do Mundo se mostrou um pico alto demais para os centro-americanos. De cara, veio a maior das quedas da história da Copa do Mundo. Em Elche, húngaros e salvadorenhos se alinharam antes do jogo. Foi o único momento em que permaneceram em condições de igualdade. A própria preparação da Selecta já havia sido precária, sem qualquer conhecimento da proposta de jogo dos europeus. Isso se provou crucial para a construção do resultado. O arqueiro Luis Guevara Mora sofreu apenas três gols no primeiro tempo, nada mal. O problema foi na etapa complementar, quando aceitou mais sete tentos. Nesse sentido, o gol solitário de Ramírez Zapata parecia apenas confirmar que havia duas equipes em campo. Não foi o que aconteceu.

El Salvador, à parte do que ocorria em campo, estava em guerra civil. Consequentemente, mesmo a menor das alegrias já carregava consigo grandes proporções. Zapata comemorou o gol como se estivesse conquistando o Mundial. Aquele time tinha valor: havia também sido o vice-campeão do campeonato de seleções da Concacaf. E não fez tão feio nos outros jogos da chave: contra a Bélgica, a derrota veio por apenas um gol de diferença; frente à Argentina foram dois. A equipe que havia sido a última a chegar à Espanha, tivera dificuldades logísticas e sofria com a intromissão de um governo corrupto no esporte, apanhou por 10 a 1 da Hungria e ainda teve o que comemorar.

O Mágico González não tirou coelhos da cartola, mas se evidenciou como o grande craque de um time valente. Assim, abriu as portas da Europa para si. Na sequência da Copa de 1982, fez carreira na Espanha, sobretudo com a camisa do Cádiz. Sobre o Mundial, à revista The Blizzard, disse: “agarramos a chance de jogar a Copa do Mundo como um desafio, mas também como um prêmio por termos ido tão longe com tantas complicações”. Disse o melhor jogador da história de El Salvador, que teve carreira igualmente oscilante no futebol espanhol.

--

--

Wladimir Dias
Revista Relvado

Advogado, mestre em Ciências da Comunicação e Jornalismo Esportivo, pós-graduando em Escrita Criativa. Escrevo n’O Futebólogo e penso no Fluxo de Ideias.