O treinador acusado pelos comunistas de entregar uma vaga na Copa

Murillo Moret
Revista Relvado
Published in
4 min readFeb 16, 2018

Stefan Kovacs tinha um currículo invejável quando aceitou assumir a Romênia para levá-la ao Mundial de 1982. Vencer a Copa dos Campeões de forma consecutiva em dois anos na Holanda depois de praticamente cair de paraquedas no Ajax não foi suficiente: deixar de pontuar nos últimos três jogos das eliminatórias fizeram com que as autoridades comunistas afirmassem que ele entregou a vaga na Copa do Mundo.

A Romênia convocou Kovacs depois que o treinador falhou ao comandar a França rumo à Euro 1976. Apesar do desempenho inconsistente — seis vitórias e cinco derrotas em 14 partidas –, ele é lembrado por promover os primeiros passos da retomada francesa, com as estreias de Michel Platini, Dominique Rocheteau e Alain Giresse, além de implementar uma política de treinamentos com a criação do centro de Clairefontaine.

Ao retornar à sua pátria, Kovacs se viu desafiado pelos dois grandes campeonatos de seleções: o europeu e a Copa do Mundo. Na primeira oportunidade, não conseguiu superar a Espanha para chegar ao Mundial; depois, falhou novamente contra os espanhóis — e a Iugoslávia — no caminho do torneio continental. A chance que restava, de novo, era a Copa.

Em 9 de setembro de 1981, a Inglaterra perdeu para a Noruega, em Oslo. A derrota permitia que a Romênia, ainda assim, comemorasse a vaga se somasse dois pontos em três partidas: Hungria e duas vezes contra a Suíça — e com a vantagem de fazer dois jogos em casa. Os ingleses, em situação pior, precisavam torcer por pelo menos uma vitória dos suíços para terem chance de jogar o Mundial.

O empate em Bucareste, então, veio ante a Hungria; sem gols. A Inglaterra folgaria na 7ª rodada, quando a Romênia voltaria a atuar na capital. O técnico dos Three Lions, Ron Greenwood chegou apenas para o segundo tempo para o clássico de Manchester. Quando se acomodou no Maine Road, o sorriso estampado no rosto dizia muito: a Suíça havia derrotado os adversários diretos.

Ilie Balaci tinha feito o primeiro — de falta e “muito bonito”, segundo relatos da época –, mas os helvéticos viraram com gols de Gian Pietro Zappa e Robert Lüthi. Na ronda final, outro empate dos romenos e uma vitória inglesa diante dos húngaros levou os britânicos à Copa.

A controvérsia

Essa história é contada por pessoas e publicações diferentes, em especial o livro A Pirâmide Invertida, de Jonathan Wilson, porém, outros refutam. Em Out of the Shadows: The Story of the 1982 England World Cup Team, Gary Jordan escreveu que Kovacs foi demitido após a derrota para os suíços devido às atuações abaixo da crítica.

A Relvado conversou com o jornalista romeno Radu Baicu, que afirmou que, no país, ninguém comprova que ele era o técnico da seleção. À época, ele já estava fora, liberando o cargo para Valentin Stanescu, treinador em toda a campanha rumo à competição na península ibérica. É o mesmo comandante que aparece na base de dados das partidas da seleção húngara, Magyar Futball.

Kovacs era uma mescla de romeno, húngaro, judeu e sérvio — e a acusação de supostamente entregar a partida para sua outra nação toma forma — que não ficou rico com o esporte, tampouco teve benevolência da História. Ao assumir o Ajax, ele era uma surpresa. Apesar do bicampeonato nacional consecutivo com o Steaua Bucuresti, o treinador era o mais barato de uma lista de sucessores de Rinus Michels.

O meio-campista Gerrie Mühren acredita que o Ajax jogou ainda melhor com Kovacs porque o treinador dava liberdade aos jogadores. Com ele, a equipe holandesa conquistou tudo em duas temporadas, incluindo bicampeonatos da Europa e um Intercontinental, trucidando o Independiente em Amsterdã.

Enquanto Mühren afirma que a permissividade também foi o ponto fraco de Kovacs (o fim chegou quando o time se libertou da disciplina de ferro de Michels), o atacante Johnny Rep declara que o Ajax, simplesmente, não era imbatível — e uma queda de rendimento era normal.

Em 2010, 15 anos após a morte de Kovacs, uma enquete realizada na Romênia colocou o treinador com o quarto mais importante do futebol nacional. Ele ficou atrás de Mircea Lucescu (heptacampeão como jogador do Dinamo Bucuresti e que também ganhou títulos ao treinar o time e, posteriormente, o Rapid), Anghel Iordanescu (multicampeão pelo Steaua e técnico que levou o clube ao vice europeu em 1989) e László Bölöni (precursor de Iordanescu e campeão do continente com o Steaua).

Para Lucescu, Kovacs foi o mentor desta geração de técnicos que ficou à frente dele na enquete. “Infelizmente, as crianças de hoje não conhecem a história dele”. No fim, Kovacs foi um grande mito: colocou a mão em uma das principais rápidas dinastias do futebol, mas sua fama não se resume ao período no Ajax. A controvérsia em torno de sua passagem pelo banco da Romênia soma ainda mais ao perfil enigmático de Stefan.

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