Quando Irã e os EUA largaram as armas

Jessica Miranda
Revista Relvado
Published in
3 min readJan 9, 2018

Em Lyon, o mundo parou para ver a partida entre Estados Unidos e Irã, pela fase de grupos da Copa do Mundo de 1998. Os asiáticos venceram por 2 a 1, mas o resultado é coadjuvante perto das fissuras políticas entre as nações, que perduram até os dias atuais — Donald Trump prometeu acabar com o acordo nuclear com Irã, assinado em 2015, aplicando mais sanções econômicas ao país.

Mas a primeira vitória da seleção iraniana em mundiais poderia não ter sido esta contra os americanos. Jornalistas e torcedores locais ressaltam a safra de jogadores dos anos 80 como uma das mais talentosas já produzida, senão a maior. Mesmo assim, Pious, Alidoosti, Panjali e outros, não puderam buscar uma boa campanha para o país. Tudo começou com uma revolução.

Após quase quarenta anos sob o domínio monárquico, a população do Irã depôs, em 1979, o xá Mohammad Reza, instaurando uma república teológica, sob liderança dos aiatolás. Como representantes de um islamismo xiita, o Irã abandonou a sua postura pró-ocidental, desde então rompendo relações diplomáticas com os EUA, dando contornos dramáticos àquela disputa esportiva na França.

Mais do que a troca de governo, as consequências foram diversas, afetando o futebol. Com a crise dos reféns — episódio em que por mais de um ano militantes iranianos mantiveram americanos, na embaixada estadunidense em Teerã, sob cativeiro — , os EUA apoiaram Saddam Hussein em seu plano de invadir o Irã, em 1980, para reaver o domínio do Golfo Pérsico aos iraquianos.

A guerra entre Irã e Iraque só teve um cessar fogo em 1988. O futebol, por óbvio, ficou em segundo plano. A Federação de futebol do Irã se retirou das eliminatórias para a Copa de 1982, depois de ter se classificado de forma inédita quatro anos antes. Na qualificação seguinte, por conta do conflito bélico entre os países, a Confederação Asiática exigiu que Irã e Iraque mandassem seus jogos em territórios neutros. O Iraque aceitou e conseguiu debutar no Mundial. Já o Irã, por outro lado, se recusou sob alegação de que tais campos neutros seriam pró-Iraque e pró-Arábia Saudita — principal aliada dos EUA. O Irã não acatou a medida e acabou sendo desqualificado.

Vinte anos depois da sua estreia, lá estava o Irã novamente numa Copa do Mundo. Por mais que tenha sido eliminada na primeira fase, a sensação de bater os americanos, dado o histórico sangrento, foi um êxtase popular. O país foi à Copa da Alemanha, oito anos depois, com nova campanha discreta.

Desde 2011, o Irã é comandado por Carlos Queiroz, cujo treinador de goleiros, Dan Gaspar, em entrevista à revista The Blizzard, expressou bem a relação do povo com o futebol: “O campo representa um dos poucos lugares — talvez até o único — no qual os iranianos podem expressar suas emoções em público. Para eles, é mais do que um jogo. É um evento. Uma oportunidade de se expressarem de forma livre, de cantarem em união em estado de graça”. Esta simbiose com os torcedores está no próprio apelido da equipe: time do povo. O Team Melli disputou dez jogos em 2017, entre amistosos e qualificatórios, saindo imbatível.

Depois do Brasil, o Irã foi a segunda seleção a se classificar para a Copa da Rússia, onde atualmente joga o maior destaque do time, o atacante Serdar Azmoun (Rubin Kazan). Infelizmente o sorteio não foi favorável para a seleção: irá enfrentar Espanha, Portugal e o sedento time de Marrocos.

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