Entre cavernas e pirâmides, negro é o Ocidente.

Rennan Willian
renascencanegra
Published in
6 min readJan 20, 2018
Platão, artista desconhecido

Sempre gostei de arte. Essa minha paixão foi mais intensa na segunda metade da minha adolescência, agora jovem adulto retomei esse gosto, mas num viés mais analítico. Decidi cursar uma matéria de Filosofia na faculdade, uma matéria que se chama Estética. Descobri nessa aula que teria uma viagem longa, mas gente, que viagem! No lado político, econômico e social eu já sabia o peso da carne negra na construção da História, mas eu não tinha noção antes desse curso, não da maneira que veremos, o quão platônicos nós somos.

Ora, o que tem a ver o platonismo com o Ocidente ser negro…?
Bom, é engraçado porque no início eu fiquei assim também, mas vamos lá.

Porém, antes, gostaria de falar que não é meu intuito entrar na discussão sobre a origem da negritude egípcia e as suas complexidades históricas. Tudo isso é documentado em inúmeros livros por autores consagrados como Cheik Anta Diop, DuBois e além é claro da evidência física dessa negritude.

Rotas comerciais do Egito Antigo

Ok, agora que temos um terreno delimitado podemos prosseguir.
Citei anteriormente o Egito negro por ser justamente esse um dos principais palcos de criação e propagação artística do mundo antigo. O Egito consolidou seu poder através de uma vasta rede comercial que pasmem, passava também na Grécia. Produto das trocas comerciais é a troca cultural, fenômeno esse responsável por compartilhar modos de produzir, viver e até mesmo pensar. Assim, pela difusão de seus aspectos culturais a arte egípcia passou a se expandir e ser replicada pelos povos com quem o Egito negociava. É claro, não digo que este tenha sido o único fator a produzir semelhanças com as produções artísticas em outras partes do mundo, mas antes, as facilita. Agora, olhem isso:

Esquerda: Tríade de Miquerinos, 2570A.C / Direita: Kouros de Sounion, 600A.C

A forma como o Kouros grego foi concebido se assemelha em muito com a forma da Tríade de Miquerinos e aqui estamos citando apenas um exemplo, mas há ainda outros que uma rápida olhada no Google pode trazer à tona. Veja bem, qual a razão de bater na tecla de o Egito ser negro e ainda mostrar como a criação artística egípcia influenciou a arte da Grécia Antiga? E o Platão? Entra onde?

Agora!
Talvez a influência egípcia não seria levantada se Platão não entrasse em cena, mas entrou. E não foi uma entrada comedida, ele veio com vontade, invadindo aspectos mesmo daquilo que chamamos “vida moderna”.

Perceba, apontar aqui a semelhança da arte grega e egípcia não serve como uma nota de rodapé, não quando levamos em conta a paixão do filósofo grego pela arte antiga grega e… o que? Egípcia. Agora tudo parece mais claro (ou escuro?), e aí que começamos apontamentos.

Das contribuições de Platão para a Filosofia Ocidental, do Fedro à Alegoria da Caverna passando pelo Banquete e outros é central em sua filosofia o conceito de Idea, ou, como o nosso mundo é uma miragem do real. Essa ideia platônica se materializa quando Platão toma o Kouros como referencia enquanto Ideal e faz do Dionísio do Parthenon parte das formas de “iludisão ao se prender na suposta beleza e realidade do mundo físico”.

Platão enquanto filósofo teve e tem grande impacto ao longo da história. Suas ideias foram longe, germinando em Plotino, tocando Santo Agostinho e dando um “alô” até mesmo para René Descartes pois não se engane, em todos esses casos ainda estamos falando do binarismo platônico do Físico e do Ideal, mas com outra roupagem: “mente-cérebro”, “real-metafísico”, “céu-inferno”, “bom-mau”, escolha o seu, existem vários.

No nosso dia-a-dia as ideias do filósofo se estendem muito além do termo amor platônico. Pelo fato de ter tocado de alguma forma todos esses filósofos que foram e são tão importantes para o Ocidente se torna fácil assumir que Platão se insere na equação geral do Ocidente como divisor e não dividendo, porém, isso não é real de fato, mas faz parte de um processo que pretende nos fazer crer justamente isso: “Grécia: berço do mundo Ocidental”.

Mas espera aí! Vamos tomar só mais uma desviada, prometo que é a última.

Esquema do filósofo argentino Enrique Dussel.

Já notamos anteriormente que o mundo egípcio teve grande peso não só nas rotas comerciais afro-asiáticas, mas também, de certa forma, no desenvolvimento estético das regiões que manteve contato, dentre essas contamos a Grécia. Numa passada rápida de olhos pela história é fácil relegar ao passado antiquíssimo o Egito, os povos fenícios e ainda outros mais que tiveram impacto para a construção do mundo grego, mas isso não é de menor importância pois, de outra forma, inadvertidamente tomamos atalhos que nos levam a crer que a Grécia é o berço do mundo (ocidental), principalmente pela influência dela no Império Romano.
Desse ponto em diante tudo se transforma numa história linear que pelo contestamento e análise séria da História percebemos não fazer parte da forma como os fatos se desenrolaram de fato. A essa linearidade que visitamos aqui se dá o nome que provavelmente você já deve ter ouvido falar: eurocentricidade, ou, eurocentrismo.

Chame como quiser, mas no fim o resultado é esse: a história do mundo antigo, Ásia ou África, não tem importância maior pois não passa de uma pré-História no próprio sentido do termo, ou seja, não é contabilizado, é uma história antes da História. Todos esses aspectos “irrelevantes” do mundo culminam na criação da Grécia Antiga que por sua vez traz consigo não só a História, mas tudo.

Tal história serve um propósito ideológico de marca maior; para a Europa/Ocidente tudo e para o resto, os restos. Assim criam-se narrativas que se modulam não só de forma a invisibilizar outros povos, mas validar atos como os vistos no início do século XX.

Compreender que há uma criação ideológica que torna a Grécia/Europa o “centro” do mundo é o primeiro passo para compreender uma longa crítica que versa sobre xenofobia, invisibilidade e silenciamento. Captar ainda que o Egito não se parecia de forma alguma com a imagem hollywoodiana que nos foi vendida é absorver a ideia que esse Egito era negro e isso não deve ser esquecido. Saber disso e procurar essa verdade é em analogia, sair da caverna.

Platão era apreciador da arte egípcia, leia-se arte negra. O mundo egípcio posou para o mundo grego antigo com grande influência e não é estranho constatar que a aproximação das criações egípcias (negras) tiveram grande papel nas próprias criações do filósofo grego. Levamos adiante as ideias de Platão baseadas na solidez e permanência das estátuas egípcias e vemos seu impacto na forma de pensar de outros tantos filósofos que por sua vez tem impacto profundo no nosso mundo moderno.

Platão bebeu de fontes negras e tomou suas influências ao criar suas obras. Posteriormente outros beberam de Platão e tornaram suas próprias teorias influenciadas, ainda que “espiritualmente”, pela cria negra que tocou Platão. Ainda pensamos dualisticamente, ainda pensamos em pares de físico e ideal. Somos muito platônicos.

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