Sete coisas que nós negros queremos que os brancos entendam
O texto a seguir é a tradução de um texto originalmente criado por Erin Canty para o site Upworthy e acompanha um curta animado.
Ambos pode ser encontrados aqui.
Eu cresci em uma vizinhança branca, numa cidade branca de um estado muito branco.
Por isso muitas vezes eu sou a única negra que as pessoas conhecem.
Ser a única amizade negra é um bênção e uma maldição. Eu sou negra e amo ter amigos, mas também sou a qualquer momento uma intérprete, embaixadora, professora de História e/ou um convite aberto para a frase “não sou racista”. É muita coisa, entende o que quero dizer com maldição?
Quando eu vi pela primeira vez o curta Seu Amigo Negro eu me vi na hora. Clarmente não estou sozinha.
O curta foi pensado, escrito e narrado por Ben Passmore e é baseado num mini-quadrinho do mesmo nome. Ele é brilhante e é uma maneira incrível de examinar a relação de branquitude e racismo. Tanto o quadrinho quanto o curta são uma carta aberta do seu “amigo preto” pra você, amigo branco, sobre alienação, preconceito e o significado de ser um aliado e um bom amigo.
É engraçado, honesto e igualmente tocante e numa perspectiva pessoal ele consegue captar perfeitamente o que é ser o amigo negro para uma pessoa branca perfeitamente. Então vamos lá:
1. Você PRECISA estar desconfortável
Pode ser com algo tão simples quanto uma piada racista ou algo ingênuo como a sua tia sugerindo que você atravesse a rua quando ver um grupo de crianças negras passando. De qualquer forma se você quiser ser um bom amigo e um bom aliado você tem de se levantar e se pronunciar. Você precisa ter “aquela” conversa com as pessoas que você gosta.
Claro, não é fácil confrontar estranhos ou pessoas que você ama, mas se você não fizer infelizmente fará parte do problema. Se distanciar disso não é uma opção e ninguém disse que ser um aliado iria ser uma tarefa fácil.
2. Seu amigo negro adoraria falar algo para aquela senhora racista, mas não o fará para não ser o “preto briguento”.
“Ele sabe como esse tipo de pessoa acha que ele agirá e ele perderá antes mesmo de começar.” diz Passmore.
Pessoas negras nem sempre podem reagir da forma como bem entendem. Quando o segurança me segue numa loja, sou parada pela polícia sem razão nenhuma ou quando ficam me olhando pegar qualquer coisa em uma loja chique eu simplesmente não posso parar o que estou fazendo e gritar:
SIM, EU SOU NEGRA.
NÃO, EU NÃO SOU UMA CRIMINOSA SEU RACISTA PRECONCEITUOSO.
Pode ter certeza, eu adoraria fazer isso, mas especialmente quando há polícia ou seguranças envolvidos eu precisa ser calma, respeitosa e obediente.
É justamente nessa hora que você entra. Você, branco, precisa falar e se impor quando eu não puder. Se você não está em risco e principalmente não é considerado um risco você possui uma certa quantidade de privilégio que eu não tenho nessas situações. Use isso ao nosso favor para exigir respostas, questionar gerentes ou se as coisas ficarem realmente feias pegar o celular e começar a gravar.
3. Estamos constantemente ajustando nossas roupas, cabelos, velocidade e forma de falar para garantir o conforto branco.
Não gostaríamos, mas uma pequena mudança como colocar um gorro ou a velocidade com que checamos os bolsos pode ser a diferença entre vida e morte.
Quando eu estou no estacionamento atrás de uma mulher branca eu intencionalmente tusso ou ando fazendo barulho para que ela me perceba. Por que? Porque se não o fizer provavelmente essa senhora irá grudar a bolsinha dela junto ao corpo como se não houvesse amanhã. Isso é algo que pessoas brancas geralmente nem se dão conta, mas eu faço.
E não para aí. Para manter o conforto do privilégio branco e evitar que chamem a polícia nós intencionalmente deixamos de usar roupas que gostamos, mudamos nossa forma de falar e até deixamos nossos cabelos “mais baixos”. Nós temos que ter aquela conversa com nossos filhos sobre como o mundo nos enxerga e como reagir de forma a chegarem vivos em casa.
Não, não é justo e nós odiamos, mas enquanto as estruturas que moldam esse país foram sustentadas pelo racismo essa será nossa triste realidade. Você precisa saber disso e falar com seus amigos brancos sobre como desconstruir isso.
4. Seu amigo negro queria que você ouvisse mais que só Beyoncé. Existem mais artistas negros além de Beyoncé.
Lemonade foi incrível e isso é inegável e sim eu amo ver todos os looks magníficos dela, mas há mais artistas negros além de Beyoncé ou Rihanna. Vá além da sua zona de conforto. Ouça novos artistas e novos gêneros que talvez você não esteja tão familiarizado. Vá, prove você mesmo.
5. Falando nisso, “interpretar” negritude é realmente desconfortável.
Quando você usa aquela peruca nega-maluca ou fala usando as gírias que você aprendeu em algum rap no YouTube quando está comigo ou quando está com alguma outra pessoa negra, dói. Não é fofo nem charmoso e definitivamente não te faz parecer mais descolado ou “moderno”.
Nossa cultura e nossa herança não são fantasias que você pode usar e largar quando bem entender. Nós não somos negros quando bem entendemos, muito menos você.
6. Seu amigo negro as vezes se sente como um estranho no ninho, uma pessoa sem lar.
Ter amigos majoritariamente brancos e tentar se encaixar no estilo de vida deles pode ser realmente alienante. No processo você se sente “branco demais para ser negro” e em contrapartida, quando está com seus amigos brancos você é “negro demais para ser branco”. As vezes no fundo nós só queremos socializar.
7. Adoraríamos parar de falar sobre racismo e as ansiedades e frustrações que ele nos traz, mas no momento isso é impossível.
Nossas preocupações são reais e urgentes. Temos salários menores, morremos mais, somos mais encarcerados, temos menos acesso ao básico em saúde, somos abandonados por gestões que juraram nos proteger. A lista é exaustiva, mas precisamos falar sobre tudo isso assim como você também.
Não é como se pudéssemos desmantelar a supremacia branca e o racismo estrutural sozinhos. Nossos amigos e aliados brancos precisam se levantar e falar ao nosso favor, ter conversas difíceis, se posicionarem ao presenciar situações de racismo, discriminação e microagressões.