A cara do dono: como Jeff Bezos fez da Amazon uma gigante

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
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14 min readApr 5, 2017

*Texto publicado em 05/04/2017 — Resenha do livro “A Loja de Tudo”, de Brad Stone

Esqueça aquela ideia de escritórios totalmente abertos, onde a comida é grátis, os cachorros passeiam pelas baias, os salários e os benefícios são consideráveis e a harmonia reina entre os jovens felizes do Vale do Silício. Para começar, o lugar é outro: a cinzenta Seattle, berço do movimento grunge. A empresa em questão é sim de tecnologia, cultuada mundo afora, mas que tem como cultura a cara de seu fundador e CEO, Jeff Bezos, uma pessoa brilhante, mas implacável quando o assunto é negócios.

Bezos estudou em uma escola para superdotados e desde cedo foi estimulado a desenvolver pensamentos sobre vários assuntos, o que lhe fez uma pessoa de muito senso crítico. Formou-se em Princeton, em engenharia elétrica e ciências da computação, e foi trabalhar em Wall Street, em uma companhia que criava softwares para ajudar em operações na bolsa. Foi na D. E. Shaw que Bezos foi apresentado a muitos aspectos de gestão que moldariam seu próprio estilo; ele era estimulado a trabalhar várias horas por dia — tinha até um saco de dormir e um travesseiro, que deixava no escritório, para as ocasiões em que virava a noite. Também aprendeu a ser duro na cobrança de resultados e bastante seletivo na escolha das pessoas com quem iria trabalhar.

Foi na própria D.E. Shaw que surgiu a ideia da Amazon. David Shaw, CEO, vendo potencial no crescimento da internet (em 1994!), chamou o então jovem executivo Bezos para pensarem em oportunidades no novo mundo online, afinal, apesar de trabalharem em Wall Street, a companhia tinha vários engenheiros e programadores, e queria se estabelecer como na área de tecnologia. Uma das ideias sugeridas foi o conceito de uma “loja de tudo”. Bezos ficou interessado, pesquisou sobre o potencial da World Wide Web e decidiu arriscar. Sabia que vender tudo em uma loja seria impossível (pelo menos em um primeiro momento) e listou 20 categorias de produtos. Dessas 20, optou pelos livros. Encontrou um concorrente já em operação e decidiu testar, comprando um livro de 6 dólares, que chegou algumas semanas depois e amassado. Enxergou ali uma grande oportunidade. Recém-casado, era hora de deixar o conforto de seu apartamento em Uper East Side e mergulhar de cabeça em seu próprio negócio.

Cultura Bezos

Jeff Bezos é uma pessoa muito ambiciosa e extremamente focada nos seus objetivos. Tem uma disciplina incomum para execução, temperamento explosivo e é um workaholic nato, o que faz com que seja muito exigente com aqueles que o cercam, não economizando nos palavrões, gritos e em formas de até constranger algum funcionário, quando não concorda com alguma postura ou comportamento. É um visionário, um “poço de ideias”, muitas delas mirabolantes. Seus amigos e funcionários mais próximos dizem que, para ele, a única coisa não questionável são as leis da física; todo o restante está aberto a discussões. Essa atitude faz com que muitos o classifiquem como alguém que tem dificuldades em ouvir opiniões alheias, especialmente se estas não estiverem alinhadas com seu pensamento. Esse “poço de ideias”, muitas vezes, atrapalhou o sucesso da Amazon, criando o caos operacional. Curioso como alguém com dotes intelectuais bem acima da média pode se perder em meio a tantos estímulos ocorrendo em seu cérebro. Este caos, no entanto, nunca preocupou Bezos, que não se importava com insucessos no curto prazo. Sua visão sempre foi de longo prazo e, até começar a conseguir lucros com a empresa, os analistas duvidaram de sua capacidade de concretizar o que propagava. Erraram feio.

A personalidade do CEO se reflete na cultura da empresa. Na Amazon, por exemplo, o trabalho acima de tudo é supervalorizado e é esperado de todos os funcionários que deem o máximo, inclusive muitas vezes abdicando de finais de semana e feriados. O nível de exigência é muito elevado, estressante, e começa já na hora das contratações, chamadas cuidadosamente de “levantamento de padrão Amazon”. São esperados os melhores das melhores universidades do mundo. Uma das características desses processos é que, no meio da entrevista, perguntas malucas são feitas, como “Quantos postos de gasolina existem nos EUA?” ou “Quantos aparelhos de fax estão em funcionamento no mundo?”. Não é exigida a resposta correta, mas analisada a lógica para se chegar nela. O objetivo é perceber a habilidade de raciocínio dos candidatos diante de um problema. Bezos não se importa muito com a formação técnica desses candidatos, mas sim com suas capacidades de execução, adaptabilidade e entrega de resultados no menor tempo possível. Ele os denomina atletas e, constantemente, promove trocas entre departamentos, para tirar estes funcionários da zona de conforto.

O temperamento explosivo do fundador é replicado pelos corredores da empresa e seguido pela grande maioria dos executivos. O lema no reino Amazon é resultado e a língua oficial falada são os números. Bezos odeia quando tentam enganá-lo, portanto exige de seus subordinados que tenham sempre explicações para seus questionamentos e que formulem bem seus pensamentos antes de expô-los aos demais. Um exemplo disso é que as apresentações em power point são proibidas na empresa. Segundo o CEO, “é muito fácil se esconder atrás de tópicos”. Bezos quer que as pessoas pensem com profundidade, invistam tempo para expressar suas ideias com coerência. Por isso, exige que, ao invés de uma apresentação, os funcionários preparem narrativas em prosa de até seis páginas explicando minuciosamente seus pensamentos. Os presentes na reunião recebem este material impresso, tiram de 15 minutos a meia hora para lê-lo e, só então, inicia-se a discussão sobre o assunto.

Esta cultura agressiva divide aqueles que já passaram ou que ainda trabalham na Amazon. O índice de rotatividade, inclusive, é bastante alto para os padrões do mercado. Algumas pessoas afirmam que o período na empresa foi o mais produtivo de suas carreiras, pois trabalhavam em um ambiente desafiador, competitivo, cercados de colegas inteligentes, com constantes transferências entre departamentos, o que estimulava o aprendizado e a inovação em ritmo alucinante. Outros, no entanto, reclamavam de um local de trabalho estressante, de um excesso de burocracia (afinal Bezos é bastante centralizador), de atividades duplicadas e de uma comunicação ineficaz. A verdade é que quem se dá bem na Amazon são aqueles que se adaptam a ambientes adversos, com conflitos quase constantes. Bezos abomina o que chama de coesão social, o impulso natural de se buscar consenso. Ele prefere que seus funcionários se enfrentem em embates apoiados por números e paixão, pois “só assim se chegam às verdades”.

Obsessão pelos clientes

Desde a concepção da ideia de “loja de tudo”, a preocupação de Bezos sempre foi com melhorar a experiência de compra do cliente. Ele queria usar todo o potencial da internet para que seu cliente encontrasse um vasto catálogo de tudo que quisesse e tivesse a conveniência de receber suas compras em casa, em pouco tempo, pagando o menor valor possível. Este foco no consumidor fica claro nos seis valores fundamentais da Amazon. A “Obsessão pelo cliente” vem em primeiro lugar, seguida por Simplicidade; Propensão a ação; Propriedade; Padrões elevados de talento; e Inovação. A obsessão é tamanha que a empresa é capaz de abdicar de partes lucrativas do negócio em prol do consumidor. Um exemplo disso aconteceu quando Bezos recebeu um email de um cliente reclamando que uma newsletter com indicações de produtos eróticos (como lubrificantes) havia sido enviada para ele. O cliente dizia estar constrangido e que apenas tinha “passado” pelas páginas desses produtos. O CEO ficou furioso com aquilo e mandou fechar o serviço de ofertas por email marketing para categoria de higiene e cuidados pessoais, mesmo com esta ferramenta sendo responsável por grande parte das vendas nessas categorias.

Esta obsessão reflete diretamente em outras duas pontas do negócio: os próprios funcionários e os fornecedores. Apesar do ambiente agressivo e da cobrança constante por resultados, quem trabalha na Amazon não é recompensado com salários altos e mordomias. Ali a moderação com custos é lei (o segundo valor fundamental é justamente a simplicidade) e esta economia deve ser passada em forma de preços baixos para os clientes. Um exemplo disso é o fato de que todos os funcionários pagam estacionamento e refeições; e todos viajam de classe econômica. O próprio Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo, de vez em quando ainda pega carona no Honda da esposa para ir ao trabalho — apesar de fazer ótimo uso de sua fortuna, com propriedades deslumbrantes pelos EUA. Essa simplicidade no tratamento aos funcionários, somada ao nível de exigência extremo, trouxe problemas para a Amazon reter talentos durante certo período de tempo, como veremos mais à frente.

A outra ponta “prejudicada” pelo foco total no cliente são os fornecedores. Estes vivem uma relação de amor e ódio com a Amazon desde o início da companhia, o que já rendeu alguns processos judiciais. A cultura na empresa é de espremer ao máximo os fornecedores, especialmente os menores, para que esta economia seja passada ao consumidor no preço final. E a forma de se espremer estes “parceiros” muitas vezes não era das melhores. Aproveitando-se do seu tamanho e da enorme quantidade de pessoas que navegavam por suas páginas, a Amazon ameaçava excluir empresas e produtos do catálogo de venda e dos sistemas de recomendação se não conseguisse desses fornecedores o que queria. Também era comum vender produtos por um preço abaixo do combinado, o que por vezes afetava a reputação de determinadas marcas, que queriam manter um status. Apesar da irritação, os fornecedores não tinham muito o que fazer, afinal abrir mão de centenas de milhões de clientes não era decisão das mais fáceis.

A relação com seus concorrentes também não era amistosa. Bezos sempre teve personalidade competitiva e não poderia ser diferente com a cultura da empresa. Em inúmeras ocasiões, a gigante do comércio eletrônico baixava preços (inclusive tendo margem negativa) apenas para tirar rivais de cena ou forçar suas vendas para a própria Amazon, caso da Zappos e Diapers.com. Quando lançou o Kindle, por exemplo, estipulou o valor de 9,99 dólares por cada e-Book, o que desagradou muito as editoras (que não haviam sido informadas) e faliu inúmeros negócios físicos independentes, como livrarias de bairros. A Amazon, segundo um ex-funcionário, é inovadora, controversa, calculista e implacável.

De sobrevivente da bolha à multibilionária

Como já dito, a Amazon iniciou as atividades em 1994, em Seattle, focada no segmento de venda de livros online. A escolha pela cidade foi estratégica. A Lei tributária nos EUA dizia que impostos estaduais só precisavam ser pagos para vendas realizadas no estado de origem da empresa. Ou seja, Bezos fugiu de estados mais populosos (como California e Nova York) e optou por um menor, Washington, o que faria com que pagasse imposto estadual apenas para as vendas no próprio estado. Esta economia, como sempre, seria repassada ao cliente final, em forma de preços mais baixos.

O foco no cliente, no entanto, atrapalhou o crescimento da Amazon, especialmente na primeira década da empresa. Com milhões de dólares de investidores — levantados por títulos de dívidas e um IPO, em 1997 — e tendo na cabeça a ideia de “loja de tudo”, ela realizou uma série de compras de e-commerces segmentados, como farmácia, loja de vinhos, brinquedos… O lema era “crescer rapidamente”, só que tudo ocorria de forma desordenada, antes mesmo que a Amazon dominasse por completo seu próprio negócio de livros (ainda havia uma série de problemas com atraso de entregas, entregas erradas e logística mal feita). A grande maioria das aquisições fracassou e a empresa começou a ter grandes perdas em dinheiro, justamente no período de estouro da bolha das pontocom, no início dos anos 2000.

Em 2001, em meio a uma série de relatórios pessimistas de analistas de Wall Street e recomendações negativas quanto à compra de suas ações, Bezos percebeu que era hora de tomar uma atitude e mudar. Com o caos instaurado, o lema mudou de “crescer rapidamente” para “colocar a casa em ordem”. As palavras mais repetidas eram disciplina, eficiência e eliminação de desperdícios. Um exemplo do crescimento frenético foi que, em 1998, a Amazon tinha 1.500 funcionários; em 2000, já eram 7.600.

Assim, se iniciaram algumas medidas: cortes nos gastos com marketing (a economia foi usada para melhorar a experiência do cliente — como o frete grátis, por exemplo — e em conseguir preços menores); terceirização de algumas áreas do site (como a seção de brinquedos, que fechou parceria com a Toys ‘R’ Us) e foco nos segmentos que davam mais dinheiro, como livros, CDs e DVDs; aumento de receita fora dos EUA, como Reino Unido e Alemanha; criação de uma plataforma para que vendedores externos pudessem vender dentro do site da Amazon em troca de comissão. Esta última medida foi bastante polêmica com os fornecedores, pois permitia que qualquer pessoa ou microempresa anunciasse e vendesse produtos usados ao lado de produtos novos, o que muitas vezes fazia com que tais fornecedores perdessem vendas. A decisão, no entanto, mostrou-se correta para a Amazon, pois 15% da receita de todo o site passou a vir desta nova fonte.

Por conta dessas mudanças, em 2002 a empresa teve pela primeira vez um trimestre de lucro e em 2003 o primeiro ano lucrativo. Os analistas de Wall Street haviam sido calados e a Amazon parecia ter sobrevivido ao estouro da bolha. Bezos, contudo, não estava satisfeito, afinal seu conceito de loja de tudo ainda não era uma realidade, especialmente com as terceirizações e com a plataforma para vendedores externos. Por isso, voltou a investir em novas categorias, como vestuário e comida, trazendo novamente o caos operacional à companhia.

Como já citado, um dos grandes gargalos da operação era o atendimento de pedidos e a logística. No início dos anos 2000, Bezos contratou um jovem executivo da AlliedSignal (indústria de produtos aeroespaciais e automotivos) para assumir o posto de diretor de operações. Jeff Wilke substituiu executivos sêniores com experiência em varejo por jovens engenheiros brilhantes, que chegaram usando cálculos matemáticos e algoritmos para organizar a logística nos centros de distribuição. Wilke também aplicou o gerenciamento de processos com o método de Seis Sigma para eliminar falhas e defeitos nos processos de distribuição; instituiu regras, horários e padrões, afim de organizar o caos da operação e diminuir custos; criou um software personalizado para separar pedidos e calcular rotas mais rápidas e baratas para entrega. Com estas atitudes, o diretor de operações foi fundamental para organizar a Amazon operacionalmente, fazendo com que iniciativas como o Prime prosperassem e servissem para aprimorar a experiência dos clientes (NOTA: o Prime é um programa da Amazon, no qual o cliente paga uma assinatura anual que o permite receber qualquer encomenda em até 2 dias, sem pagar frete por isso. A princípio este benefício traria prejuízo à empresa, pois se os clientes fizessem compras simples várias vezes ao ano, o valor dos fretes certamente seria maior que o valor da assinatura. Porém, o serviço acabou estimulando os consumidores a comprar em maior quantidade e produtos diversificados, o que acabou elevando o ticket médio desses clientes e fazendo do Prime um programa lucrativo).

Apesar de ter se organizado operacionalmente, a estrutura organizacional seguia tendo muitos problemas, especialmente de ego dentro da diretoria. Isso, somado ao já citado clima de conflitos constantes e dos poucos benefícios, fez com que muitos funcionários saíssem da empresa e fossem para o Google, que estava em franca ascensão e tinha fama de ser um dos melhores locais para se trabalhar (além do mais, as ações do Google eram muito mais valorizadas, o que fazia com este benefício fosse particularmente bem mais atrativo do que as voláteis ações da Amazon). O Google também ameaçava a Amazon como competidor, não só tirando alguns de seus funcionários. Com o serviço de busca como referência para os usuários de internet, o Google passou a ser um intermediário da Amazon, ganhando percentual das vendas em cada compra iniciada por esse mecanismo. E isso era tudo que a empresa de Seattle não queria. Por isso, tentou criar seu próprio serviço de busca, chamado A9, que foi um fracasso. A Amazon também teve planos de criar um serviço chamado BlockView. Este também não deu certo, diante do Street View, da gigante californiana.

De varejista online à empresa de tecnologia

Estas derrotas para o Google ligaram o alerta na Amazon, que passou a procurar novos mercados para atuar. Bezos não queria ser apenas uma varejista. Em 2005, o guru da internet, Tim O’Reilly, sugeriu ao CEO que a empresa fosse mais aberta, permitisse que desenvolvedores usassem softwares livres para criar aplicativos e que a capacidade de armazenamento da companhia pudesse ser utilizada por terceiros. Dessa forma, surgiu o AWS (Amazon Web Services), um serviço totalmente diferente do seu modelo de negócios. Tratava-se um serviço de computação em nuvem, no qual startups e grandes companhias pagariam para utilizar os servidores e banco de dados da Amazon para hospedar seus negócios. Com isso, a empresa criou um novo ramo para conseguir receita, com outro público alvo e passou a ser fundamental para o crescimento e avanço tecnológico mundial, já que possibilitou que startups tivessem acesso a servidores em nuvem, sem precisar comprar a própria infraestrutura, pagando apenas pelo que utilizavam. Bezos comparou esta iniciativa com uma rede de fornecimento de energia elétrica.

Também nesta época, o fundador da Amazon assistia com um misto de entusiasmo e preocupação o domínio que a Apple havia estabelecido no mercado de música digital, com a criação do Ipod e do iTunes. Os usuários pagavam e baixavam suas músicas diretamente por seus dispositivos, eliminando completamente o intermediário. Bezos sabia que o mercado de livros digitais seria o próximo e que, certamente, Steve Jobs estava de olho nele. Inspirado no Ipod e no iTunes, Bezos decidiu criar o próprio dispositivo voltado para a leitura digital. Seus executivos acharam a ideia maluca, afinal produzir hardware era tarefa bastante complicada. O CEO, no entanto, não se intimidou (como sempre): “Sei que é dificílimo, mas vamos aprender. Vamos contratar os melhores e aprender com eles”.

Outra preocupação dos executivos era com o próprio business de livros físicos, ainda um dos mais lucrativos da empresa. O CEO, no entanto, havia lido o livro “O dilema da inovação”, do professor de Harvard, Clayton Christensen. Nele, o autor afirma que muitas grandes empresas relutam em aceitar mercados novos e promissores, que podem minar seu mercado tradicional e não parecem satisfazer seus requisitos de crescimento no curto prazo. Com isso, fecham os olhos e, quando dão conta, já foram engolidos por novos players (o caso Kodak é um clássico). Por conta disso, Bezos criou uma unidade autônoma, chamada Lab126, longe de Seattle (mais precisamente em Palo Alto, California) voltada exclusivamente para o desenvolvimento do dispositivo. A ordem dada ao responsável pelo projeto foi clara: “quero que você acabe com nosso negócio atual. Seu objetivo é deixar todos aqueles que dependem da venda de livros físicos desempregados”.

Após 2 anos de desenvolvimento e muitas brigas com as editoras (em função das já citadas chantagens que a Amazon fazia para obrigar tais editoras a digitalizar seus títulos), o Kindle foi lançado com 100 mil títulos disponíveis. Bezos conseguiu o que queria. O usuário poderia acessar a biblioteca e fazer o download de qualquer um dos livros do catálogo em qualquer lugar.

O sucesso estrondoso da plataforma de livros digitais fez com que a Amazon deixasse de vez de ser vista como uma varejista e se consolidasse com uma grande empresa de tecnologia, com impacto global. Um exemplo disso foi a valorização, em 2 anos, de 236% em suas ações, após a recessão de 2009.

Hoje, a Amazon tem um faturamento anual de mais de 200 bilhões de dólares e, apesar das margens de lucro ainda serem baixas, segue crescendo suas vendas em 2 dígitos por ano, números impressionantes. Atua em diversos ramos, vendendo produtos em várias categorias, tem a plataforma para vendedores externos, o Kindle, o Audible (de audiobooks) e o AWS. Também iniciou atividades como editora de livros, entrega comida fresca em Seattle e na Califórnia (com planos de expansão deste serviço pelo mundo) e planeja até usar impressoras 3D para própria impressão de produtos, entre outros. A última investida é em lojas físicas, para tentar abocanhar um mercado avaliado em centenas de bilhões de dólares anuais. Walmart e afins estão há anos tentando ter a mesma relevância que a concorrente no e-commerce; agora vão ter que se preocupar também em sua própria área de conforto.

O futuro da Amazon reserva muitas possibilidades. Uma coisa, porém, é certa. Bezos vai conseguir realizar o que quiser. Vai utilizar seu estilo de gestão agressivo, vai pressionar seus funcionários a trabalhar mais, vai apostar contra a opinião de todos, vai querer crescer cada vez mais rápido. E vai conseguir, mais uma vez, provar que estava certo. Afinal, a loja de tudo virou uma empresa de tudo, e é uma realidade. Do jeito que Bezos sempre imaginou.

Originally published at https://feliperibbe.wixsite.com on April 5, 2017.

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro