A inovação em pauta em clubes e entidades do futebol

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
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7 min readJul 16, 2020

Inovação é a palavra da moda. Todo executivo de qualquer empresa, não importa o setor, fala sobre inovação, porque é importante que sua companhia se posicione como moderna, antenada, mesmo que, na prática, isso esteja longe de ser verdade. Em 2019, a PwC fez uma pesquisa com líderes de organizações esportivas mundiais e 94% deles disseram considerar a habilidade de se transformar e inovar como importantes ou muito importantes; porém, apenas 46% afirmaram ter planos concretos nessa linha. Ou seja, a diferença entre discurso e atitude ainda é gritante.

Não só no esporte, como em todos os setores, a maioria das iniciativas de inovação são o que a professora da Columbia Business School, Rita McGrath, chama de teatro em um de seus trabalhos mais conhecidos, a Escala de Maturidade em Inovação. Ou seja, visitas ao Vale do Silício para fotos na sede do Facebook e Google, escritórios com paredes coloridas, post-its colados em divisórias de vidro… O processo estruturado, alinhado aos objetivos estratégicos da empresa, sabendo onde se quer chegar, com a participação ativa de todos os colaboradores, ainda é raro. Felizmente, entretanto, temos exemplos que fogem do lugar comum e entregam valor de fato às suas organizações, inclusive em entidades esportivas. Eles vão desde a criação de verdadeiros ecossistemas com parceiros externos, passando por departamentos internos de inovação até programas de aceleração com startups. Sobre estes exemplos, especificamente no futebol, que comentarei neste artigo.

Iniciativas para fomentar a inovação no futebol

Dentro do esporte, o Barça Innovation Hub é uma referência. Em 2017, o Barcelona criou um ecossistema de colaboração em escala global, que envolve universidades, centros de pesquisa, startups, hospitais, grandes marcas e outras organizações esportivas. Juntos, eles se utilizam da estrutura do clube — mais de 2 mil atletas profissionais, em 5 esportes diferentes, centros de treinamento modernos e o Camp Nou, o maior estádio da Europa — para compartilhar conhecimento e produzir papers em campos diversos, como medicina, nutrição e engajamento de fãs, e testar novos produtos e serviços. O Barça ainda organiza eventos e conferências todos os anos, cobrindo assuntos variados, como tecnologia, fisioterapia, análise de dados e performance de atletas. Além disso, tem o Universitas, que oferece cursos presenciais e online para quem quiser beber desta fonte. Em 2019, sete startups começaram a trabalhar diretamente com o clube, desenvolvendo soluções que atendam suas demandas.

O Real Madrid, provavelmente impulsionado pelo sucesso do seu rival, lançou em janeiro o Real Madrid Next, para desenvolver projetos de inovação no clube. Ano passado, o clube espanhol contratou um executivo do mercado de tecnologia, Michael Sutherland (ex-diretor da HP), e criou para ele um novo cargo, de Chief Transformation Officer. O Next é um de seus primeiros projetos e visa trabalhar junto à startups de diferentes áreas, como performance, fan engagement e cibersegurança, além de organizar conferências e cursos para criar um ambiente de colaboração na indústria.

A La Liga talvez seja a liga de futebol mais inovadora do mundo. O departamento de inovação interno, por exemplo, desenvolve ferramentas com parceiros externos para uso próprio ou dos clubes que a integram, como o Mediacoach, uma plataforma de análise tática e técnica completa, disponibilizada para os 42 times da primeira e segunda divisões, onde os mesmos recebem informações em tempo real sobre o que acontece em campo. Para seguir na vanguarda do esporte, em 2019 a La Liga e o Global Sports Innovation Center (GSIC) criaram uma competição de startups para identificar soluções tecnológicas inovadoras. Foram 279 inscritos, de 55 países e 10 finalistas selecionados para desenvolver pilotos com a entidade.

Assim como a La Liga, a Bundesliga, controlada pela DFL, merece destaque. A liga alemã tem um programa de investimento em startups, chamado DFL for Equity, que deu a ela participação em duas até o momento, a Athletia Ryghts e a Track160. A DFL também criou um bootcamp de empreendedorismo em parceria com o MIT, uma das maiores universidades do mundo, onde durante uma semana aspirantes a empreendedores no esporte tiveram aulas com profissionais da indústria, tendo que entregar como trabalho final uma ideia de startup, com um plano de negócios completo. Vale falar ainda da SportsInnovation, a conferência bianual, onde novas tecnologias aplicadas às mais variadas vertentes do esporte são apresentadas. A Federação Alemã de Futebol (DFB) também trabalha com startups, por meio da DFB Akademie. Em 2019 foram desenvolvidos dois programas, um em conjunto com a Philips e outro em parceria com a Federação Holandesa (KNVB). Este ano foi lançado um hackathon em colaboração com o Eintracht Frankfurt e a Sportec Solutions, subsidiária da DFL.

A UEFA criou o seu Innovation Hub em 2018. Ano passado, aconteceu o primeiro programa junto a startups para buscar soluções que pudessem melhorar processos da entidade dentro e fora de campo. Após a realização de pilotos, três empresas fecharam contrato com a UEFA. O sucesso foi tão grande que agora a busca por startups é contínua, por meio do site oficial do hub. Já o City Football Group (dono do Manchester City e de vários outros clubes pelo mundo) lançou em 2019 o City Startup Challenge, um desafio para startups focado no Etihad Stadium. Foram 230 inscrições de 37 países e 11 empresas escolhidas para passar uma semana em Manchester co-desenvolvendo soluções. Destas, cinco estão atualmente com projetos pilotos no Manchester City e no Girona FC — outro clube do grupo. O plano é ampliar o número de desafios lançados.

Porém, não são só os clubes e entidades ricos do futebol que têm olhado para a inovação. O Werder Bremen, quase rebaixado na Bundesliga, lançou o Werder Lab, com o objetivo de encontrar startups com soluções em áreas como prevenção de lesões e produção de conteúdo digital. Dez destas startups foram selecionadas para uma apresentação a um júri especializado e três delas foram escolhidas para passar dois meses trabalhando junto ao clube nessas soluções, com possibilidade de fechar contrato. Vale citar também a Real Sociedad, um time médio da Espanha, que tem um executivo de transformação digital e faz um trabalho de encher os olhos. Em 2018, por exemplo, em parceria com o GSIC, o clube organizou uma competição de startups e selecionou 11 para trabalhar em soluções para seu moderno estádio, a Reale Arena. A Real Sociedad, aliás, integra a Sports Innovation Alliance, um hub de colaboração entre clubes de todo o mundo para compartilhamento de ideias e projetos com foco em inovação, que tem, inclusive, o Vasco como um dos seus membros.

No Brasil, esta ideia em clubes e entidades de futebol ainda engatinha. O Athletico é o clube com a mentalidade mais avançada. Por lá funciona o CAPLab, desde 2019, que é um núcleo interno responsável por inovação, digital, tecnologia, marketing e comunicação. O Athletico, por exemplo, já há algum tempo faz o que os maiores clubes do mundo têm feito: possui plataformas próprias para vender produtos e serviços e, desta maneira, controla os dados de seus torcedores, algo de grande valia e que ainda precisa evoluir muito no esporte. O clube é o responsável pelas lanchonetes da Arena, opera a loja oficial online e as lojas físicas, a venda de ingressos, a venda de sócio torcedor, além de trabalhar para levar as pessoas das redes sociais para consumirem conteúdo em seus ambientes, como site, aplicativo e o Furacão Play, o player de OTT. Além disso, é aberto a novas ideias e projetos trazidos por parceiros externos.

O Cruzeiro, com a posse do novo presidente, Sergio Rodrigues, está montando um departamento de inovação também, chefiado por Rodrigo Moreira. Rodrigo é CEO da SMARTalk e tem vasta experiência no meio digital, sinal de que as coisas devem caminhar bem por lá e, em breve, devemos ter novidades. Bahia, Fortaleza e Ceará, apesar de não terem áreas exclusivas voltadas para inovação (pelo menos ainda), também mostram-se clubes antenados, lançando recentemente produtos digitais.

No entanto, os clubes brasileiros podem mais. As pessoas costumam associar inovação e tecnologia à complexidade e, principalmente, alto custo, algo que pode ser feito apenas por quem tem capital de sobra. Pelo contrário, se um clube está “no buraco”, não será fazendo a mesma coisa que ele vai sair dessa. Tem que pensar diferente, ousar e se abrir a agentes externos, buscando soluções que tenham potencial de trazer novas linhas de receita, reduzir custos e/ou melhorar performance em campo. Uma boa e barata forma de começar é a aproximação com startups, por meio de programas de aceleração de tiro curto. Startups precisam de clientes para testar e validar seus produtos/serviços. Clubes podem ter estes produtos/serviços customizados às suas necessidades, sem custos durante este período de testes. Se der certo, assina-se um contrato; senão, ganhou-se pelo menos aprendizado, sem gastos consideráveis. É uma situação de ganha-ganha e que pode ser implementada rapidamente. Exemplos pelo mundo não faltam, basta começar.

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro