Art Blocks e a Arte Generativa: NFTs desenvolvidos por artistas, mas criados por algoritmos

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
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6 min readSep 26, 2021

Nos primeiros artigos da série sobre aplicações e projetos em blockchain falei sobre as diferenças entre NFTs e Fan Tokens e sobre os Avatar Projects. Hoje o foco está no Art Blocks, um dos projetos de NFTs mais valiosos da história. Mais do que o volume de dinheiro movimentado, entretanto, o Art Blocks possui uma das características mais intrigantes do universo de tokens não-fungíveis: as obras de arte são criadas por algoritmos, algo conhecido como arte generativa.

Arte Generativa

Apesar da recente proeminência, o primeiro uso do termo arte generativa data dos anos 1960. Tratam-se de obras criadas a partir de códigos de programação. Um artista/programador desenvolve um algoritmo com critérios em relação a formatos, cores predominantes, traços especiais… Este algoritmo, dentro dos padrões estabelecidos, cria obras únicas de forma aleatória a cada vez que é acionado, o que acrescenta um elemento de surpresa fascinante. Tyler Hobbs, um dos artistas generativos mais conhecidos, disse o seguinte em entrevista ao podcast Lateral Action (recomendo a entrevista completa):

“A aleatoriedade torna o código muito mais uma lista de diretrizes do que a descrição exata de uma imagem. Na arte generativa, você cria uma lista de preferências estéticas e padrões ao invés de desenvolver uma imagem específica.”

A arte generativa, no entanto, só começou sua relação próxima com os NFTs no final da década 2010. Até então as obras geradas eram comercializadas apenas na forma física ou digital não envolvendo blockchain.

Art Blocks

O Art Blocks veio justamente com a proposta de juntar arte generativa e blockchain; lançado em novembro de 2020, é uma plataforma onde artistas/programadores criam seus algoritmos na rede Ethereum usando contratos inteligentes que, quando executados, geram obras de arte aleatórias dentro dos padrões e diretrizes estabelecidos. Cada obra gerada torna-se um NFT colocado automaticamente na carteira do comprador.

A plataforma possui diversas coleções de diferentes artistas e estilos. Cada artista determina as características de suas coleções, o valor inicial de cada obra (único para toda coleção) e o limite de obras que aquele algoritmo será capaz de gerar. Depois que o código é inserido na blockchain, os artistas podem continuar testando e o modificando até estarem confortáveis em “trancá-lo”. Uma vez que isto acontece não é possível mais mexer em nada, nem mesmo criar mais obras após o limite da coleção ser atingido, o que garante aos compradores a exclusividade das mesmas.

Existem três categorias de coleções no Art Blocks: as oficialmente curadas pela plataforma, mais de 140 no momento (Art Blocks Curated); as não curadas que foram feitas por artistas que já tiveram coleções curadas anteriormente (Art Blocks Playground); e as não curadas, que possui regras de participação mais suáveis para artistas em geral (Art Blocks Factory). Obviamente o valor das obras de uma coleção varia de acordo com a categoria, inclusive no mercado secundário.

O usuário que entra na plataforma precisa ter uma wallet da MetaMask conectada; uma vez lá dentro, basta escolher o projeto com as características que mais lhe agradam. Apesar de não dar para saber com exatidão como será a obra final, é possível ter uma ideia ao menos do estilo ao ver as obras geradas anteriormente na coleção. Claro, para prosseguir é necessário ver se ainda há obras da coleção disponíveis para mintagem. Se tiver, basta clicar no botão de compra (será cobrado, além do valor da obra, o gas fee da transação), que, assim que a mesma é confirmada, a obra é gerada já como um NFT, sendo transferida para a carteira do usuário e podendo ser comercializada em marketplaces especializados.

Como citado anteriormente, a aleatoriedade cria um elemento de surpresa que chama a atenções dos compradores, não só pela excitação causada pelo fato de que você vai descobrir como é sua obra apenas depois que paga, mas também porque todas as obras de uma coleção são vendidas inicialmente pelo mesmo preço, então há a chance de se obter alguma com características que a tornem mais rara — e por isso mais valiosa no mercado.

O valor inicial das obras costuma ser baixo, às vezes até na casa das dezenas de dólares. Porém, o mercado secundário é bastante aquecido, o que garante aos artistas bons retornos com os percentuais de royalties recolhidos automaticamente a cada revenda, também graças aos contratos inteligentes. Há ainda a escolha do artista em relação aos direitos que o comprador tem sobre a obra. Alguns concedem o direito de uso comercial da imagem, outros apenas o direito de criar uma cópia física para uso doméstico, como acervo pessoal.

Milhões movimentados

O Art Blocks é um dos projetos de maior sucesso financeiro na história dos NFTs. De acordo com o Cryptoslam.io, até 23/09 foram mais de US$820 milhões movimentados, terceiro maior montante, atrás apenas do Axie Infinity e dos CryptoPunks. A obra mais cara até o momento foi uma da coleção Ringer, de Dmitri Cherniak (imagem acima). Ela foi vendida no final de agosto por US$5,66 milhões para o fundo especializado em investimentos em NFTs, o Starry Night Capital.

Antes desta, a maior venda era de US$3,3 milhões, da coleção Fidenza, do supracitado Tyler Hobbs. A Fidenza é uma das mais bem sucedidas coleções; são 999 peças geradas por um algoritmo que cria formas aleatórias, mas sempre com a presença de retângulos e quadrados coloridos. Outras obras também foram compradas por mais de US$1 milhão (veja imagens de algumas peças da coleção abaixo).

O mercado aquecido chamou a atenção de grandes casas de leilão tradicionais. Em maio, a Sotheby’s leiloou um lote de 19 obras por US$81.900. Já a Christie’s anunciou para outubro o leilão de 3 obras da coleção Chromie Squiggle, a primeira da história da Art Blocks, criada pelo fundador da plataforma, Erick Calderon.

Existem outros projetos de arte generativa além do Art Blocks e um que também merece ser citado é o Autoglyphs. Lançado em abril de 2019, é da Larva Labs, criadora dos CryptoPunks, e movimentou quase US$40 milhões.

O Futuro

Para o futuro da arte generativa em blockchain podemos esperar diversos outros projetos explorando elementos diferentes que podem ser criados com algoritmos, cada vez mais sofisticados. Lembre-se, não são só obras estáticas 2D que podem ser geradas, mas múltiplos formatos, inclusive em animação e 3D. Na mesma entrevista ao Lateral Action, Hobbs citou esculturas 3D em realidades virtual e aumentada, por exemplo.

“A principal diferença entre esculturas no mundo real e em realidade virtual é que na última você não tem mais limitações físicas, não precisa se preocupar com peso e o tamanho das coisas. Seria interessante explorar a geração de esculturas 3D de larga escala nas quais você poderia andar ao redor e interagir em VR.”

Hobbs citou também a inteligência artificial cada dia mais capaz de aprender a distinguir e reproduzir imagens reais como grande potencial de criação de novas possibilidades no campo das artes generativas.

Fica claro que a junção de tecnologias emergentes, cujo desenvolvimento tem sido cada vez mais acelerado, produzirá efeitos que não são possíveis de serem compreendidos agora. Porém, justamente por conta disso é importante estar por dentro destas tendências para entender de que maneira temas como arte generativa (principalmente os algoritmos por trás dela) podem impactar o futuro de outros setores, inclusive os esportes. Hoje pode parecer algo distante, mas por que não pensar em organizações esportivas explorando este tipo de arte também?

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro