Barcelona eleva o nível de produções originais no esporte

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
Published in
4 min readMay 19, 2020

Clubes de futebol produzem conteúdo próprio há anos. Há desde o básico, como entrevistas e cobertura de treinamentos, até vídeos de bastidores de partidas, onde são captadas imagens da intimidade de jogadores, treinadores e dirigentes. Com o crescimento da relevância de players de SVOD, como Netflix, Amazon Prime Video e DAZN, alguns conteúdos ficaram muito melhores, com cuidados maiores na produção, filmagem e edição. Praticamente todas as entidades esportivas se posicionam como empresas de entretenimento; isso, inclusive, já virou um clichê do setor. Porém, se existe um clube que, de fato, está fazendo por onde, este é o Barcelona.

Barça Digital Vision

No início de 2020, o clube espanhol lançou o Barça Digital Vision, um documento elaborando sua nova estratégia digital, cujo objetivo principal é atrair/aumentar sua base de fãs global com uma abordagem centralizada neles, usando entretenimento e dados para criar um ecossistema de produtos digitais controlados pela própria instituição. O foco central nos fãs tem dois pilares: o primeiro é o FRM (Fan Relationship Management), pelo qual o clube pretende ter acesso aos dados de todos que consomem sua marca, o que lhe permitirá conhecer a fundo estas pessoas e oferecer, por exemplo, conteúdos e ofertas personalizados. Foi por isso, aliás, que no início de maio o Barcelona passou a controlar seu próprio e-commerce na Espanha, de forma independente da Nike; nos próximos meses, isso deve acontecer em outros países europeus e, em seguida, em todo o mundo. O outro pilar é o foco deste artigo, o Barça Studios.

O Barça Studios centraliza a criação, produção e distribuição de todo o conteúdo audiovisual. É tido como elemento chave na estratégia digital, pois a grande maioria dos fãs nunca conseguirá ir a um jogo no Camp Nou; estas produções podem aproximar as pessoas do clube mesmo a milhares de quilômetros de distância. O próprio documento que apresenta a estratégia diz que “o conteúdo audiovisual tem o poder de transmitir emoções remotamente”.

Uma das primeiras produções originais do Barça Studios é a série “Matchday”, disponível no Brasil no Netflix. Trata-se de uma série documental, com bastidores de jogos e da vida pessoal dos principais atletas da equipe de futebol profissional. Apesar de ser uma produção de muita qualidade, outras de nível semelhante já foram feitas tendo como foco clubes como Juventus, Manchester City e até a Seleção Brasileira. Por que, então, eu coloquei no título que o Barcelona está elevando o nível de produções originais esportivas? Porque está indo além dos documentários de bastidores.

No final de abril, o Barça anunciou que fechou com o escritor e dramaturgo espanhol Albert Espinoza uma série de ficção que terá como cenário a La Masia, centro de formação das categorias de base do clube. Espinoza ficou conhecido mundialmente como autor da série “Pulseiras vermelhas”, que foi adaptada por Steven Spielberg como “The Red Band Society” e distribuída para mais de 30 países. A primeira temporada terá sete episódios e ainda está em fase de concepção, construção de personagens e roteiro. A ideia é que ela seja filmada na própria La Masia entre o final de 2020 e o verão europeu de 2021. Espinoza passou os últimos meses (antes do COVID-19, claro) imerso no local, conversando com atletas, ex-atletas e profissionais que por lá trabalham, buscando inspiração. A série será voltada para jovens e suas famílias, e abordará a vida de atletas e suas relações dentro e fora do dia a dia de treinos. O Barcelona será apenas o pano de fundo.

Já na última semana, o Barça Studios revelou sua próxima produção: a série de animação “Talent Explorer”, voltada para crianças entre 5 e 9 anos de idade. Produzida em parceria com a Sony Music Latin Iberia, a catalã Tomavisión e a italiana Maga Animation Studio, a série girará em torno de três personagens principais — Max, Roc e Lynda -, olheiros que viajarão pelo mundo em busca de talentos para representar o Barcelona em um torneio. O roteiro é escrito por Tab Murphy, que já foi indicado ao Oscar e trabalhou para a Paramount Pictures e Disney. A “Talent Explorer” será distribuída em dois formatos: episódios de cerca de 11 minutos, que serão exibidos por canais de televisão e players de SVOD, e episódios de cerca de dois minutos, para plataformas como o YouTube. Os primeiros episódios devem ser lançados até o verão europeu de 2021.

As duas iniciativas não só mostram um apetite para inovar no tipo de produção de conteúdo, mas principalmente deixam claro que o Barcelona tem como foco “evangelizar” um público jovem, que ainda está descobrindo suas paixões e pode se tornar um fã consumidor no futuro. Além disso, quer atrair uma audiência que pode não se interessar pelo esporte futebol, mas que também tem potencial de virar fã e consumir os produtos do clube mesmo assim.

Se clubes e outras entidades esportivas gostam de falar que agora são empresas de entretenimento, que competem com Netflix e Fortnite, o Barcelona mostra na prática que é isto de fato. Um grande exemplo de que nem só de documentários de bastidores vive a produção de conteúdo original no esporte.

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro