Blockchain e Esportes — Parte I

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
Published in
5 min readJun 29, 2020

Nos últimos anos, mais precisamente entre 2017 e 2018, a palavra blockchain entrou para o “dicionário da moda” entre executivos de diversas áreas. Grande parte tinha como objetivo apenas valorizar suas empresas associando-as à modernidade; outros de fato viam utilidade em sua aplicação. Atualmente, a empolgação diminuiu para níveis normais, mas muitas iniciativas ganharam forma e destaque. Hoje escrevo o primeiro de dois artigos, mostrando como a tecnologia tem sido aplicada no mundo dos esportes.

O que é Blockchain?

Muito resumidamente, blockchain é uma rede digital descentralizada — pública ou privada — de registro de transações e dados em ordem cronológica e inalterável, protegida por criptografia. O Bitcoin, a criptomoeda mais famosa, foi a primeira aplicação conhecida desta tecnologia, porém sua usabilidade se estende bem além do setor financeiro. Se você quiser se aprofundar no assunto, há vasto conteúdo disponível na internet. O foco aqui não é explicar como a blockchain funciona (até porque não sou especialista) e sim como tem sido empregada no meio esportivo.

Criptomoedas como formas de pagamento

A aplicação mais simples é por meio das criptomoedas como forma de pagamento para ingressos e produtos em ginásios, estádios e/ou e-commerce. O Sacramento Kings, da NBA, foi uma das primeiras instituições a aceitar Bitcoin em sua arena, ainda em 2014. Em 2019, o Dallas Mavericks seguiu o exemplo. Na NFL, o Miami Dolphins passou a aceitar Bitcoin e Litecoin ano passado na venda de ingressos. O Glory, famosa organização de kickboxing, também fechou parceria com a Litecoin para a criptomoeda ser usada em sua loja online. No futebol, o Watford, da Inglaterra, e o Benfica aceitam Bitcoin na venda de ingressos e produtos oficiais. O time português permite ainda o Ether. Entretanto, como o uso de criptomoedas para pagamentos ainda é bastante reduzido — até por não ser tão simples — tais iniciativas soam mais como marketing e como uma forma de se associar a uma nova tecnologia do que algo que pode realmente fazer a diferença para os fãs, como admitiu o CTO dos Mavs em entrevista recente. As aplicações mais promissoras de blockchain no meio esportivo não ficam à vista dos usuários, apenas sustentam suas experiências digitais.

Blockchain para facilitar venda de ingressos e evitar fraudes

Uma delas usa a tecnologia como base para venda de ingressos, deixando o processo mais ágil e, principalmente, evitando falsificações e revendas no mercado secundário. Para a EURO 2020, adiada para 2021 em função da pandemia, a UEFA usará um aplicativo baseado em blockchain para distribuir mais de um milhão de ingressos. Pouco mais de um mês antes da competição, alguns dos compradores receberão um email com um link para download do app; depois de feito o registro com email e verificação do mesmo, os ingressos estarão disponíveis dentro da aplicação, e o usuário poderá mantê-lo ou repassá-lo a um convidado. No dia do jogo, quando o fã estiver próximo do estádio, o QR Code do ingresso será ativado via Bluetooh (veja o vídeo abaixo). O sistema foi testado com sucesso pela primeira vez na final da Supercopa da Europa de 2018, entre Real Madrid e Atlético de Madrid, na Estônia.

Clique neste link para ver o vídeo https://bit.ly/3id8yRC

Uma prova de que a tecnologia tem muito potencial na área de ticketing é que a Ticketmaster, a maior operadora de venda de ingressos do mundo, está investindo bastante nela. A ideia da empresa é criar ingressos inteligentes utilizando smart contracts, que são contratos cujos termos são escritos em linhas de código; eles são autoexecutáveis e rodam em uma blockchain (no caso da Ticketmaster, privada), o que deixa os mesmos rastreáveis e irreversíveis. Na prática, a empresa pode, além de eliminar falsificação e duplicação, determinar o preço máximo de revenda de um ingresso no mercado secundário e até o número de revendas por ingresso, por exemplo. Outra iniciativa que vale citar é a True Tickets, que roda sua aplicação na blockchain da IBM. Ela verifica se o ticket e as pessoas que estão comprando-o são legítimos, e permite que artistas, promotores e casas de eventos rastreiem este ticket desde sua criação até o momento em que é usado.

Fãs participando das decisões de entidades esportivas

Semana passada, o Barcelona chamou a atenção ao vender 600 mil fan tokens, arrecadando US$1,3 milhão em cerca de apenas duas horas. A venda é fruto de uma parceria do Barça com a Socios.com. Quem comprou o token, um ativo digital registrado numa blockchain (portanto único e imutável), tem direito a participar de votações para decidir diferentes questões relacionadas ao clube. A participação nestas votações — feitas pelo app da Socios.com — e o uso constante do aplicativo rendem pontuações, que podem ser trocadas por prêmios, como camisas oficiais, encontros com jogadores e idas aos jogos na área VIP, por exemplo. Os fãs competem entre si pelo posto de “maior fã” do clube. No caso do Barça, a primeira votação será para decidir sobre uma peça de arte que será colocada no vestiário do time no Camp Nou. A Juventus também vendeu tokens próprios pela mesma plataforma e a primeira enquete deu aos donos dos mesmos a chance de escolher qual música seria tocada após os gols da equipe nos jogos em casa.

A Socios.com tem parcerias ainda com PSG, Atlético de Madrid, Roma, Galatasaray, Independiente e OG, um time de eSports. Tirando o Independiente, já foram lançados tokens de todos os parceiros, que podem ser comprados e trocados pelo app. A ideia da empresa é ter mais de 50 acordos com organizações esportivas e criar uma espécie de bolsa de valores de tokens, onde os mesmos vão valorizar e desvalorizar de acordo com o desempenho das equipes na vida real, permitindo que as pessoas comprem e vendam estes ativos pela blockchain. Se você quiser saber mais sobre a iniciativa, recomendo a leitura desta e desta publicações.

No próximo artigo, escreverei sobre diversos tipos de jogos que estão sendo criados usando blockchain como base — até o momento a aplicação mais utilizada — e sobre a tokenização de ativos, que pode trazer liquidez a mercados hoje ilíquidos e abrir as portas para investidores com os mais variados apetites.

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro