Como o 5G pode impactar o esporte

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
Published in
6 min readJul 13, 2020

A MP 984 e os jogos do Campeonato Carioca exclusivos na internet ampliaram o debate sobre transmissões via streaming. E estas discussões só tendem a aumentar. Neste contexto, muita gente começou a falar de 5G e como esta tecnologia seria fundamental para viabilizar uma entrega semelhante ou até superior em qualidade à da televisão. Porém, não só o tema 5G ainda é nebuloso para a grande maioria das pessoas, como sua aplicação terá um impacto no esporte muito além das transmissões. Estamos falando de uma verdadeira revolução, mas que ainda vai demorar para entregar todo seu potencial.

O que é o 5G?

Vou resumir esta explicação, pois não é intenção deste artigo tornar alguém especialista no assunto, apenas mostrar o possível impacto no esporte — há vasto conteúdo disponível na internet caso você queira se aprofundar.

A quinta geração de internet móvel é muito mais do que uma evolução do 4G, tamanho o potencial de incremento e as possibilidades que surgirão. O 5G opera em faixas de frequências mais altas do que o antecessor, o que lhe dá uma capacidade muito maior de transmissão de dados. Porém, isso tem uma desvantagem: quanto maior a frequência da onda, menor a penetração do sinal e seu alcance; objetos físicos, como paredes, por exemplo, atrapalham sua circulação. Por conta disso, o investimento em infraestrutura é bem maior, pois são necessárias mais antenas de menor tamanho instaladas em diversos locais (postes, dentro de prédios…) para poder servir ao máximo de pessoas com qualidade de sinal. Essa demanda de investimento é um fator que deve atrasar a popularização da tecnologia.

Basicamente, o 5G é bem superior ao 4G em três aspectos: velocidade, capacidade e latência. Em relação à velocidade, há promessas de downloads e uploads até 100 vezes mais rápidos do que atualmente. A capacidade diz respeito ao fato da conexão aguentar um número muito maior de dispositivos conectados ao mesmo tempo, no mesmo local; imagine uma rodovia que amplia o número de pistas consideravelmente. Já a latência é o tempo que um dispositivo leva para se comunicar com outro ou para enviar uma informação a um servidor. No 4G são, em média, 50 milissegundos; no 5G é próximo de 0. É importante salientar que os dispositivos precisam ser capazes de se conectar a esta rede 5G. A imensa maioria dos smartphones, tablets e notebooks atuais não conseguiria se aproveitar dessas vantagens, ou seja, será preciso esperar chegar ao mercado uma nova leva de aparelhos compatíveis.

No Brasil, o leilão das frequências para se operar o 5G deve ser em 2021; só a partir de então começará de fato a comercialização da tecnologia. Os países líderes na mesma são Coreia do Sul, China e EUA. Entretanto, mesmo por lá a disponibilidade ainda é bem limitada. Para finalizar a explicação, vale ressaltar que até que a nova geração de conectividade seja confiável e capilarizada, o uso misto de 4G e 5G será muito comum em todos os locais.

Melhora na qualidade e aumento de interações em transmissões ao vivo

Agora que você já sabe as principais características do 5G, vou mostrar as possibilidades de impacto no mundo esportivo. Nas transmissões, dois efeitos claros serão a maior qualidade das imagens que os espectadores receberão e o delay quase inexistente entre o que acontece no estádio e sua casa. Já passou pela experiência de um vizinho ouvindo um jogo no rádio ou na TV gritar gol muito antes do mesmo aparecer no seu smartphone ou smartv? Pois é, isso provavelmente não existirá mais.

Porém, as transmissões serão impactadas de muitas outras maneiras. A produção remota, por exemplo, será cada vez mais comum e é algo que pode diminuir bastante o custo das produtoras/emissoras; ao invés de levar unidades móveis e uma equipe grande de funcionários para o local do evento, é possível pensar em colocar a maior parte da equipe na sede da empresa, recebendo o sinal e trabalhando por lá. Pesquisa realizada pela Nevion com profissionais da indústria mostrou que 65% deles consideram esta opção com o 5G. Outra possibilidade seria deixar de usar satélite para envio de sinal, o que também reduziria custos.

Com tamanha capacidade de envio de dados, a rede 5G consegue suportar transmissões 4K e 8K com qualidade e confiabilidade. Vale falar ainda da viabilidade de ter câmeras sem cabo mais baratas e sem risco de interferência, entregando imagens em altíssima definição. Nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2018, em Pyeongchang (Coreia do Sul), o 5G foi usado para envio de imagens de câmeras 4K colocadas na frente de bobsleds. Na Olimpíada de Tóquio podemos esperar ainda mais uso da tecnologia.

Uma experiência bem sucedida envolvendo 5G e smartphones foi na NBA Summer League, em 2019. O jogo Atlanta Hawks x Washington Wizards teve um sinal alternativo totalmente filmado com aparelhos Samsung S10 (vídeo acima). Até o áudio foi captado pelos dispositivos. No futuro, a NBA pensa em usar ângulos do próprio público presente nas transmissões. Com 4G, quando uma pessoa faz um vídeo, o mesmo demora para subir em uma rede social, isto quando consegue, tamanho o congestionamento da internet local. Com 5G este upload será quase instantâneo, permitindo que esses vídeos sejam compartilhados em tempo real e que a Liga consiga pegá-los rapidamente e colocá-los na tela. Transmissões em realidade virtual também serão facilitadas, como já aconteceu experimentalmente na Copa da Rússia em 2018 e no Superbowl.

A melhora da experiência de quem consome esporte virá ainda com maior controle sobre o que se está assistindo. Um exemplo é ter diversas câmeras diferentes sincronizadas e sem latência no seu smartphone, tanto dentro do estádio/ginásio quanto em casa ou em outro ambiente, podendo escolher qual ângulo se quer ver. Alguns players de OTT já oferecem isso, como Fórmula 1 e MotoGP, mas ainda existe uma limitação do número de câmeras e há um problema de delay entre elas. O aumento da interação em transmissões também será visível com a possibilidade cada vez maior de se realizar compras pela própria tela, sem deixar de assistir à partida.

Experiência em estádios e ginásios

Dentro de estádios e ginásios o público presente também será beneficiado. A velocidade de conexão alta para todos os presentes, sem congestionamento da rede, permitirá não só o envio e o consumo de vídeos durante os eventos, como acesso a serviços por meio de aplicativos com mais facilidade, como compras de produtos (ex: cerveja e cachorro-quente) do próprio assento e interatividade com o telão. Com uma rede bem mais robusta, os meios de pagamentos também não ficarão sobrecarregados, diminuindo ou até eliminando filas — isto sem contar meios de pagamentos ainda mais sem fricção, como biometria, por exemplo. O acesso a estatísticas em tempo real será ainda maior, permitindo apostas no próprio local durante os jogos (lembre-se, não haverá delay) e a sobreposição de informações no campo, usando realidade aumentada, como a Bundesliga testou em 2019 (vídeo abaixo). A iniciativa foi premiada como o melhor projeto esportivo na CES 2020, uma das maiores conferências de tecnologia do mundo.

Além dos torcedores, a parte operacional de estádios e ginásios será impactada. Assim como as fábricas inteligentes são uma promessa do 5G, com seus inúmeros sensores “conversando” entre si e tomando decisões automatizadas e/ou sendo controlados à distância, é possível imaginar que estes equipamentos esportivos também terão sensores que auxiliem na manutenção dos mesmos, como no corte e irrigação de gramados, por exemplo.

Aprimoramento de performance e prevenção/tratamento de lesões

Os já citados sensores estarão cada vez mais presentes em atletas, medindo todos os aspectos de sua performance física e técnica. Essa montanha de dados gerados poderá ser facilmente enviada para servidores na nuvem, onde será analisada por algoritmos e retornará para as comissões técnicas em forma de informações, prontas para serem usadas em treinamentos e jogos.

A prevenção e o tratamento de lesões também serão aprimorados, pois os sensores estarão conectados aos atletas 24 horas por dia em wearables e em suas próprias casas, monitorando seus sinais vitais a todo momento, avisando aos médicos dos clubes caso haja qualquer tipo de problema próximo de acontecer. A baixa latência do 5G permitirá até cirurgias à distância, evitando longos deslocamentos de pacientes. Essa aplicação é muito comentada para guerras — médicos poderiam operar soldados a milhares de quilômetros de distância -, mas é fácil ver a mesma situação ocorrendo no esporte.

Como se pode ver, são muitos aspectos da indústria esportiva que serão impactados, aqui abordei apenas alguns. E, por se tratar de algo tão novo e que abrirá tantas possibilidades, várias coisas que nem conseguimos imaginar hoje ou que soam como pura ficção serão possíveis no futuro. Tecnologias disruptivas como o 5G têm este potencial de mudar completamente a sociedade. Será gradual e não será no curto prazo, mas vai acontecer. E já existem inúmeras iniciativas pelo mundo. Por isso vale ficar atento para não ser surpreendido.

--

--

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro