CVC e Venture Building: oportunidades ainda inexploradas por clubes brasileiros

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
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7 min readNov 7, 2022

Semana passada, a NBA anunciou a criação do NBA Equity, seu fundo de investimento em startups. Não se trata de novidade, apenas de formalização e mudança de postura; há anos a Liga tem investido em empresas (estimam-se 20 no portfólio, entre elas Sportradar, Sorare e QuintEvents, e cerca de US$1 bilhão aportados), mas de forma passiva, quando oportunidades chegam. A partir de agora, a ideia é ter uma abordagem proativa, indo atrás de soluções que tenham a ver com o business, de maneira estruturada.

Este é apenas um de vários exemplos que têm surgido ao redor do mundo e que mostram que algumas entidades esportivas entenderam que seus trabalhos não são somente cuidar do jogo em si, mas pensar como uma verdadeira organização, que tem necessidades cada vez mais visíveis em seus negócios fora de campos e quadras, e que precisam buscar novas soluções e diversificação de receita.

Em cima disso, enxergo várias possibilidades interessantes para clubes brasileiros envolvendo Corporate Venture Capital (CVC) e Venture Building, duas modalidades que têm sido adotadas por grandes companhias de outros setores, mas que certamente teriam grande valia no esporte. Antes vale uma breve explicação da diferença entre ambos:

. Corporate Venture Capital é um fundo criado por uma ou mais empresas em conjunto para investimento em startups já em operação;

. Venture Building é um negócio que monta outros negócios, quase como uma “fábrica de startups”. Ao invés de se investir em uma nova empresa já existente, uma venture builder tem participação direta desde a formatação de uma ideia até o envolvimento em sua operação.

CVC

Você deve estar pensando: clubes de futebol por aqui mal têm dinheiro para se financiarem, para que pensar em investir em outras coisas, que, caso deem retorno, dificilmente será no curto prazo?

Há dois problemas principais neste pensamento. O primeiro é justamente a cultura imediatista. Sim, há de se pensar em suas prioridades de agora, afinal não existe futuro sem presente, porém, não voltar pelo menos um pouco do foco para o longo prazo não só não é inteligente como é colocar em risco o futuro da organização. O segundo problema é que não necessariamente é preciso ter dinheiro para se investir em novas oportunidades, não se você é um clube com uma marca forte e reconhecida.

Explico: a maior dificuldade que novas empresas que querem trabalhar com esporte enfrentam é justamente entrar no meio. Não basta apenas ter um bom produto; muitas vezes, mais do que isto, é preciso ter boas conexões, o famoso QI (Quem Indica). Quem pode ajudar neste caso? Os clubes. Se sou um clube em busca de uma solução, por exemplo, para organizar os dados dos meus torcedores, mas não tenho verba para contratar uma empresa consolidada, eu poderia abrir para que uma startup, em busca de seu primeiro cliente relevante, ofereça sua solução a zero custo por tempo determinado, a um custo mais baixo ou com alguma composição de revenue sharing. O clube “entrega” seus dados, sua estrutura e, principalmente, sua marca, um selo de qualidade, para a startup, que em troca “entrega” seu produto/serviço para resolver os problemas internos e ganha um importante cliente em seu portfólio. Como parte deste acordo, o clube, por ter dado a oportunidade e “emprestado” sua credibilidade no mercado, também pode negociar um percentual da startup. É o que a DFL, dona da Bundesliga, faz com o programa DFL for Equity.

O uso de uma marca poderosa também pode atrair parceiros capitalizados que queiram investir em uma estrutura de CVC tradicional, na qual tal parceiro entra com o capital, o clube com a marca, abrindo portas no mercado de esporte, e a startup com a solução. Muitos problemas são compartilhados entre clubes e até entre empresas de outros setores (afinal, todo mundo tem departamentos jurídico, RH, TI, Marketing…), logo, investir em uma solução que sirva para uma organização esportiva pode ser o caminho para que tal solução ganhe escala rapidamente, atendendo a outros clientes.

Seja numa relação direta clube e startup, ou em uma estrutura mais convencional de fundo de investimento, os objetivos são os mesmos: resolver um problema interno com uma nova solução, mas sempre de olho em uma saída posterior que pode gerar uma receita bastante relevante.

Outro exemplo de CVC interessante é o da NFL, com a 32 Equity, onde cada uma das 32 franquias contribuiu na largada com US$1 milhão e depois mais US$2 milhões. A 32 Equity tem em seu portfólio empresas como Fanatics e Genius Sports.

Venture Building

O conceito de venture building em organizações esportivas surge do fato de que nem sempre há soluções boas o suficiente para atender a necessidade de tais organizações, o que se torna uma ótima oportunidade de se criar um novo player no mercado, não só para resolver problemas internos como para trabalhar com outras entidades e companhias posteriormente. Vejamos um exemplo, com ticketing. Basicamente todos os clubes de futebol no Brasil passam por problemas com venda de ingressos, seja por conta de ingressos falsificados, cambistas, sistemas que não aguentam grande volume de acessos e pagamentos simultâneos… Jogos de grande apelo costumam ser um verdadeiro inferno para quem cuida da operação e do atendimento aos torcedores. Em meu período como head de inovação do Atlético Mineiro, em 2021, tivemos muitos problemas e, na época, apresentei um projeto interno de se criar uma ticketeira própria do clube, até de olho na inauguração da Arena MRV, em 2023. A ideia era desenvolver uma empresa in house, de ingressos usando blockchain, ter a nova arena como primeiro cliente e, a partir dela, conseguir outros e ganhar escala. Seria o primeiro projeto do que planejava chamar de Galo Ventures, um braço de venture building do Atlético. Chegamos, inclusive, a ter reuniões mais avançadas com uma grande consultoria, que se interessou em ajudar na captação de dinheiro para colocar a estrutura de pé, mas acabou não indo a frente. Não sei se os planos do clube se mantém, mas aquele primeiro projeto deu início ao NFT Ticket Pass, empresa de ticketing que sou advisor estratégico atualmente e que já escrevi sobre neste artigo.

Há vários exemplos que valem ser citados pelo mundo. O EintrachtTech é um braço de tecnologia criado pelo Eintracht Frankfurt em 2019 e que é responsável por desenvolver em casa diversos produtos digitais, como aplicativo, ecommerce, meios de pagamento e mais. Hoje a empresa atende exclusivamente ao clube alemão, mas no futuro há planos de se fazer um spin-off e se tornar um player atuante no mercado — leia mais sobre o EintrachtTech aqui. Nos EUA, o Miami Heat criou um departamento de analytics tão bom que virou uma empresa, a 601 Analytics, e passou a atender outras franquias, como o Milwaukee Bucks, a própria NBA e empresas de outros setores, como entretenimento e hospitalidade. A 601 Analytics não só se paga e serve o departamento de negócios do Heat, como gera lucro. Diversificação de receitas na veia.

A La Liga talvez seja a maior referência na área. A liga espanhola de futebol criou a La Liga Tech a partir de inúmeros produtos e serviços desenvolvidos ao longo de sete anos por seus departamentos de inovação e tecnologia. São soluções de engajamento de fãs, produção de conteúdo, proteção contra pirataria de conteúdos, gestão de competições e mais. Hoje, a La Liga Tech é uma empresa a parte, lançada oficialmente em 2021, que conta com mais de 140 funcionários, avaliada em 385 milhões de euros e que tem como clientes a Dorna (dona da MotoGP), a Federação Belga de Futebol, a Jupiter Pro League (Liga Belga de Futebol), Sky, entre outros. Em setembro, a companhia anunciou uma joint venture com a Globant, uma das maiores empresas de TI e desenvolvimento de softwares do mundo, para expandir seus serviços.

O maior e mais impressionante case de uma empresa de tecnologia criada por uma organização esportiva, no entanto, vem da MLB. No ano 2000, a liga de baseball criou a MLB Advanced Media e, em 2002, foi a primeira liga esportiva do mundo a transmitir uma partida pela internet. O pioneirismo, o bom serviço e a experiência acumulada ao longo dos anos fizeram com que a MLBAM passasse a ser procurada por outras entidades e empresas interessadas em explorar transmissões via streaming. Foi assim com a CBS no March Madness, com a WWE, com a NHL, MLS, PGA Tour, ESPN, HBO… Em 2015, a MLB fez um spin-off e transformou a MLBAM em BAMTECH. No ano seguinte, a Disney comprou um terço da companhia por US$1 bilhão e, em 2017, passou a ser a controladora majoritária, pagando mais US$1,58 bilhão para ter 75% de participação. Hoje, a tecnologia por trás de todos os serviços de streaming da Disney (Disney+, ESPN+, Hulu…) provém da empresa criada pela MLB lá no início dos anos 2000. E a mesma mantém 15% de participação. Bom negócio, não é?

Claro que, como todo investimento, não há garantia de que haverá retorno financeiro, mas se estamos falando de soluções com usabilidade interna, mesmo que posteriormente não haja uma venda, já terá valido a pena de qualquer maneira. Clubes de futebol são marcas poderosas e devem se aproveitar disso para buscar melhorias em suas estruturas e novas oportunidades de receita.

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro