Eintracht Frankfurt e a criação do EintrachtTech — um exemplo de inovação no futebol

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
Published in
9 min readMar 2, 2022

Quando se fala sobre inovação no futebol geralmente surge o nome do Barcelona, por conta do Barça Innovation Hub; do Manchester City, eleito o clube mais inovador do mundo pelo Sports Innovation Lab em janeiro de 2021; da La Liga, com a La Liga Tech; e outros. Porém, recentemente tive acesso a um case que, confesso, não conhecia e me chamou bastante a atenção: o Eintracht Frankfurt.

Tive o prazer de bater um papo com o Timm Jäger e o Philipp Niemeyer, respectivamente CEO e gerente de business development do EintrachtTech, empresa criada pelo clube alemão para desenvolver e agrupar em uma só entidade todos os seus projetos digitais, com o objetivo de gerar novas fontes de receita para aumentar sua competitividade no país. O conceito de ter uma companhia a parte da gestão tradicional do clube já é muito interessante por si só; segundo Timm, a ideia foi dar a esta empresa independência em relação às questões que envolvem uma organização de futebol de 122 anos e mais de 90 mil sócios ativos, até por ser tratar de um negócio totalmente diferente — apesar da companhia servir atualmente somente ao clube.

Para se criar o EintrachtTech foi necessário aportar dinheiro em pessoas e tecnologia (afinal é uma empresa de tecnologia), mas o processo de convencimento interno foi feito com um argumento simples: a competição cada vez mais acirrada contra clubes com investidores externos e/ou financiados por grandes empresas. Na Alemanha, além dos gigantes populares Bayern de Munique e Borussia Dortmund, com alcance global, há clubes como o Red Bull Leipzig, controlado pela empresa de energéticos; o Hoffenheim, cujo dono, Dietmar Hopp, é cofundador da SAP; o Bayer Leverkusen, da farmacêutica Bayer; e o Wolfsburg, da Volskwagen, entre outros. Isto sem contar aqueles que podem em breve receber algum aporte estrangeiro — o futebol europeu tem atraído bastante investidores. Para poder competir em pé de igualdade em níveis nacionais e internacionais sem ter que se abrir ao capital de fora e perder contato com suas raízes locais — e também por conta das fontes de receita tradicionais já estarem saturadas, uma vez que os ingressos e as propriedades de patrocínios estavam 100% vendidos -, a única alternativa era investir em tecnologia, em inovadores modelos de negócio digitais e em criar uma relação mais próxima com os torcedores por meio de uma empresa subsidiária. Aqui vai uma primeira lição importante: não existe mágica e sim planejamento de médio e longo prazos. É investimento, não é custo; é maratona, não 100 metros rasos.

E neste caso, os resultados já começaram a ser notados. Em receitas que o clube tem influência sobre — como patrocínios, venda de ingressos, merchandising e outras áreas do digital sob o comando da empresa (direitos de transmissão, por exemplo, não entram nesta conta, pois são distribuídos pela DFL, que administra a Bundesliga) — o Eintracht Frankfurt é o terceiro na Alemanha, atrás apenas de Bayern e Borussia. Ano passado, o EintrachTech também foi eleito uma das 100 pequenas e médias empresas mais inovadoras do país, o que é um grande feito para uma companhia criada a partir de um clube de futebol centenário.

Áreas de Atuação

O EintrachtTech tem hoje quatro áreas de atuação: criação de plataformas próprias, como o aplicativo oficial; Arena of IoT, que é o projeto de transformar seu estádio, o Deutsche Bank Park, em um hub de soluções inteligentes; Eintracht Digital Events, eventos produzidos pelo clube para estimular o debate sobre inovação e a realização de negócios entre parceiros comerciais, startups e empresas de maior porte; e eSports, com equipes de FIFA e League of Legends, além de um centro de treinamento com mais de 100 atletas.

Começando pela parte de plataformas, o clube entendeu que, ao invés de se associar a terceiros, era melhor desenvolver suas próprias tecnologias, não só para ter uma liberdade de poder construir algo que se encaixasse perfeitamente em suas necessidades e que pudesse ser modificado e evoluído de forma mais ágil, como também para ter controle total sobre os dados que seriam gerados por meio destas plataformas. Hoje, o EintrachtTech tem um time de desenvolvedores de software interno para cuidar desta parte, além de outros profissionais tocando a área de negócios. Assim, o app oficial, o sistema de venda de ingressos, o sistema de pagamento mobile (feito em parceria com o Deutsche Bank e a MasterCard), o ecommerce e a funcionalidade de single sign-on (que permite que um usuário efetue login com um único ID em qualquer uma das plataformas) foram todos construídos em casa. Sim, dá mais trabalho e é mais caro no curto prazo, mas os benefícios no médio e longo prazos acabam valendo a pena.

Pelo fato do app ter sido criado internamente, ele está em constante evolução. A empresa trabalha como uma software house, em sprints de duas semanas, e a cada três sprints atualiza a versão do aplicativo. Ter desenvolvido tudo em casa permite que o Eintracht Frankfurt tenha todos os sistemas integrados, com os dados indo para uma mesma base. O objetivo quando o plano foi concebido era digitalizar cada ponto de contato que o clube tem com seus torcedores. Abaixo você pode ver a jornada da estratégia digital desenhada pela empresa.

O primeiro passo foi desenvolver as plataformas com foco no usuário final, o torcedor. Aí entram os já citados aplicativos, sistemas de ticketing e ecommerce. O segundo passo foi integrar essas plataformas com o funcionamento do estádio, pois o mesmo não recebe apenas jogos de futebol, mas também shows e outros eventos. Desta maneira, quando uma pessoa comparece ao Deutsche Bank Park, para acessar ao WiFi, por exemplo, ela só consegue por meio do sistema do clube; os ingressos para estes eventos também são vendidos por lá; os pagamentos podem ser feitos via o sistema de pagamentos mobile e assim por diante.

O terceiro passo foi fazer com que estas plataformas tivessem utilidade para toda a região de Frankfurt, uma das principais da Alemanha e da Europa. Como o Eintracht é parte importante da região, o EintrachtTech viu a oportunidade de começar a atrair os usuários com funcionalidades além do futebol e do estádio, disponibilizando em seu aplicativo outros tipos de notícias não relacionadas ao esporte e envolvendo outros parceiros locais por meio da criação de um marketplace, que vende tickets de trem, produtos variados, tem integração com empresas de logística… Assim, é possível, por exemplo, comprar uma camisa do clube, ingressos e itens de um parceiro externo usando o mesmo “carrinho” de compras online. O app estimula o ecossistema da região como um todo e, de quebra, atrai ainda mais usuários para sua base.

Aqui vale falar rapidamente também sobre o sistema de pagamento — ao ser aceito no mundo todo, ele dá ao Eintracht um conhecimento enorme sobre os padrões de comportamento e consumo dos seus fãs, informações fundamentais para construção de perfis individuais e para poder atender a estas pessoas de forma personalizada. Claro, tudo isto é feito em conformidade com a GDPR (lei de proteção de dados da União Europeia) e com o consentimento e conhecimento dos fãs; esses dados também ficam armazenados em um ambiente seguro e não são disponibilizados para terceiros.

Deutsche Bank Park, a Arena da Internet das Coisas

Apesar do Deutsche Bank Park não ser do Eintracht Frankfurt (ele pertence à cidade de Frankfurt), o clube é o gestor do mesmo e toma conta de todas as operações, sejam jogos, shows e eventos em geral. Por conta do aumento da demanda, a capacidade atual (51.500 pessoas) está sendo aumentada para 60 mil pessoas. Por entender a importância do estádio dentro de sua estratégia e ecossistema, o Eintracht também já investiu mais de 30 milhões de euros em infraestrutura digital para tornar o local mais moderno e tecnológico.

O destaque, claro, fica para o enorme videoboard, o maior de uma organização esportiva na Europa, que fica posicionado bem no centro, como em uma arena de basquete; é de dentro dele, inclusive, que sai a cobertura do estádio. Outro investimento alto foi na conectividade dentro e fora do Deutsche Bank Park, com estruturas de WiFi e 5G robustas, afinal não adianta prover um monte de solução tecnológica se as pessoas que comparecerem não conseguirem acessar a internet. Por incrível que pareça, aqui no Brasil este ainda é um problema bastante recorrente — particularmente não sei de um estádio por aqui que forneça uma internet de boa qualidade para todos os presentes.

Porém, o que mais me chamou a atenção é o projeto denominado Arena of IoT. Pela ótima localização, a apenas 10 minutos do aeroporto de Frankfurt — o maior da Alemanha e um dos maiores do continente –, o EintrachtTech percebeu que poderia usar o Deutsche Bank Park como um hub tecnológico para cocriar com empresas parceiras projetos de internet das coisas em oito vertentes. Alguns exemplos de projetos podem ser vistos abaixo:

. Estádio/Prédio inteligente — foi criado um gêmeo digital do local, com foco em manutenção preventiva

. Gestão predial — projetos de limpeza e gestão de resíduos inteligentes

. Controle do fluxo de visitantes — gestão de filas e deslocamento dentro do estádio

. Campo — gestão inteligente da água

. Segurança — gestão da entrada do público

. Gestão energética — iluminação inteligente e automação de relatórios

. Logística — cadeia de suprimentos inteligente

. Mobilidade — gestão dos espaços de estacionamento e veículos autônomos

O mais legal é que as empresas parceiras pagam para ter suas tecnologias no Deutsche Bank Park e cocriar projetos com o apoio dos profissionais do EintrachtTech, o que acaba aprimorando suas soluções. Pense comigo, o que é melhor para demonstrar a capacidade de uma tecnologia, mostrá-la na sede da empresa ou colocá-la em funcionamento para mais de 50 mil pessoas várias vezes ao ano, em um ambiente perfeito para isso? E pela magnitude do local, as soluções ali aplicadas depois podem ser colocadas em outros espaços de grande porte, como shoppings, aeroportos e edifícios comerciais. Isso sem contar nos ganhos em controle de custos, que também beneficiam o Eintracht financeiramente, e o impacto ambiental positivo. Achei esta visão genial. O clube ganha na duas pontas, pois tem um estádio ultramoderno, recebendo para isso e controlando seus custos, e consegue entregar a melhor experiência ao seu torcedor, ampliando os serviços oferecidos e as informações coletadas. Abaixo você pode ver o fluxo de geração de dados do ecossistema criado pelo EintrachtTech.

O que vem depois

Como citei anteriormente, hoje o EintrachtTech atende somente ao Eintracht Frankfurt, mas os planos são de, no futuro próximo, oferecer as soluções criadas internamente para outros clubes, federações, operadores de estádios e organizações em geral em um modelo SaaS (Software as a Service). Isso torna o conceito da empresa ainda mais interessante, pois as possibilidades de geração de receita aumentam consideravelmente.

Perguntei ao Timm como essa expansão para atender a outros clientes se daria e ele foi cauteloso, mas disse que, a princípio, a ideia seria manter o time atual tocando as necessidades do Eintracht Frankfurt e do Deutsche Bank Park, e montar um outro time para atender a terceiros, o que me parece o melhor caminho.

Seja como for, já considero o EintrachtTech um dos maiores exemplos de inovação no futebol e uma prova de que clubes não devem se limitar apenas ao que acontece dentro de campo. Há não só a necessidade de se olhar além das quatro linhas, mas também muitas oportunidades de geração de novas receitas que podem ser exploradas. O case está aí; é estudar, adaptar e executar.

--

--

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro