Escola de Experiências

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
Published in
4 min readMay 2, 2018

*Texto publicado em Maio/2018

Em “Innovator’s Solution”, basicamente a sequência do clássico “O Dilema da Inovação”, um dos conceitos interessantes abordados é de que, ao se desenvolver novos negócios a partir de empresas estabelecidas, um dos principais motivos para falhas é a má escolha dos profissionais que irão liderar estes projetos.

O processo comum de escolha leva em consideração dois elementos: os “atributos certos” (o autor Clayton Christensen chama de right-stuff attributes), que são aqueles que todos que já participaram de processos seletivos estão cientes, como ser um bom comunicador, orientado para resultados, analítico, ter facilidade com pessoas, entre outros; e histórico, considerando que um passado de sucessos levará a um futuro igualmente glorioso.

O problema com estes elementos é o fato de que os atributos são vagos e, apesar de terem certa importância, não são suficientes para comprovar que alguém seja capaz de realizar alguma tarefa. Mais além, basear-se em histórico para prever se tal profissional seguirá obtendo vitórias no futuro é muito perigoso, uma vez que seus sucessos podem ter sido fruto de outros fatores que não somente suas competências e, como já vimos, as capacidades de um indivíduo ou organização para realizar algumas tarefas são as incapacidades deste mesmo indivíduo ou organização para realizar outras. Por exemplo, um executivo que teve grande sucesso em companhias grandes, com modelos de negócio estabelecidos, provavelmente terá dificuldades de obter mesmo sucesso liderando novos negócios começando do zero. Pelo simples fato de que tratam-se de experiências diferentes.

Por conta disso, Clayton Christensen cita o trabalho do professor Morgan McCall, no livro “High Flyers: Developing the Next Generation of Leaders”. Na publicação, McCall advoga que as capacidades de um profissional para obter sucesso em novas funções são formatadas a partir de suas experiências na carreira, comparando as unidades de negócios das empresas com escolas e os problemas/desafios enfrentados dentro destas unidades com os “cursos” oferecidos por elas. Ou seja, sob este ponto de vista, as habilidades que estes profissionais têm ou deixam de ter existem em função desses “cursos” que eles tiveram em suas Escolas de Experiência.

Logo, para conseguir escolher as melhores pessoas, é preciso analisar os problemas e desafios que elas tiveram que enfrentar. Não é importante que elas tenham tido sucesso em lidar com tais situações, mas sim que tenham lutado contra e conseguido desenvolver as capacidades necessárias para superá-las nas vezes seguintes. Isso porque, geralmente, se aprende muito mais com as falhas do que com os acertos.

Desta forma, Christensen sugere três passos para se escolher profissionais para tocarem novos negócios em companhias estabelecidas:

1 — Identificar com precisão quais desafios e problemas serão encontrados;

2 — Fazer uma lista das experiências e capacidades necessárias nestes profissionais para conseguir lidar com os problemas e desafios identificados;

3 — Usar esta lista como base para procurar os candidatos, seja interna ou externamente.

Assim, como exemplo, se uma organização estiver montando um novo negócio posicionado em um mercado que ainda não existe — portanto cujos potenciais clientes e potenciais de crescimento são incertos — a direção deve procurar para o papel de CEO profissionais que já tenham passado pela experiência de iniciar negócios em novos mercados e que, no meio do caminho, tiveram que mudar de estratégia ao perceberem que estavam na direção errada; para cargos no marketing, alguém que tenha conseguido transformar não clientes em clientes, fazendo surgir um novo mercado ou uma nova camada de um mercado existente; e assim por diante.

A Escola de Experiência, então, diz que o potencial para liderar novos negócios de sucesso deve ser medido não pelos atributos e sim pela habilidade de se desenvolver novas competências para situações futuras a partir de experiências passadas. Dessa maneira, se evita de cair na armadilha de que a lista de capacidades existentes hoje será a mesma necessária para lidar com as situações de amanhã.

Lógico que conhecimentos técnicos e capacidade cognitiva são importantes, porém, há métricas mais importantes, como avaliar se o profissional busca oportunidades de aprendizado, se aproveita os feedbacks para melhorar, se enxerga situações sob diferentes ângulos, se aprende com os erros…

Por conta disso, Christensen conclui afirmando que as empresas estabelecidas precisam criar uma cultura de desenvolvimento de novos negócios, criando uma “escola” de experiências no assunto, que irá formar seus profissionais e prepará-los para liderar estas novas oportunidades com capacidade de fazê-las ter sucesso. Importante lembrar, no entanto, que essas novas oportunidades, por não fazerem parte do core business da companhia, devem ter autonomia de recursos e para criação de processos e valores próprios, uma vez que seu potencial de receita no curto prazo (novo mercado) e margens mais baixas não sustentam a estrutura de custos existente e o crescimento esperado pelos acionistas do negócio principal.

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro