Não se apaixone pela solução, e sim pelo problema

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
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4 min readMay 12, 2023
Fan Token da CBF foi alvo de polêmica recente, com rompimento do contrato

Semana passada, uma matéria sobre os fan tokens da seleção brasileira viralizou. A empresa responsável supostamente deu um calote na CBF e o contrato foi rompido, mas, mais do que isso, o produto, que deveria entregar benefícios e experiências para quem os comprou, nunca cumpriu o prometido. Casos como este são bastante comuns no esporte, não só no Brasil. E o problema mais grave não tem a ver com a idoneidade do parceiro comercial e muito menos com o produto; na verdade, estamos falando de uma questão que assola a indústria esportiva em geral quando o assunto é a adoção de novas tecnologias: a imensa maioria dessas iniciativas surge de fora para dentro e não de dentro para fora.

O caminho normal de qualquer iniciativa que envolva o uso de novas soluções tecnológicas deveria ser:

1) a organização entende que tem um problema;

2) formula este problema da melhor maneira possível, conversando com todos os stakeholders impactados pelo mesmo;

3) e só aí vai ao mercado buscar a solução que irá ajudar a resolvê-lo.

Porém, o que vemos é justamente o oposto. São os agentes externos que chegam com as soluções em busca de supostos problemas que acreditam existir e as organizações, seja porque se apaixonam pela solução, seja porque só enxergam a promessa de dinheiro, acabam embarcando sem se preocupar com o que vem depois que assinam o contrato.

No caso de soluções B2B, de uso interno, é comum um fornecedor oferecê-las, uma pessoa — geralmente um tomador de decisão — abraçar a ideia e impor a implementação. No entanto, não é esta pessoa que usará a solução no dia a dia e aí começam as dificuldades. Talvez o(a) colaborador(a) designado(a) para a tarefa não ache a tecnologia necessária; talvez não saiba usá-la; ou ainda pode ser que ele(ela) esteja tão ocupado(a) com outras coisas, por conta de um acúmulo de funções, que simplesmente não terá tempo de usufruir do que a ferramenta permite.

Isto é péssimo para todos os envolvidos. A organização gastará um dinheiro à toa; os profissionais não conseguirão melhorar seus trabalhos, pelo contrário, é capaz que fiquem ainda mais atarefados; e o fornecedor muito provavelmente perderá o contrato pouco tempo depois, pois sua solução será vista como insuficiente ou ruim, o que muitas vezes não é verdade. Até por isso, quando presto consultoria para empresas de tecnologia que querem trabalhar com organizações do esporte, recomendo que elas ofereçam não só a solução, mas uma pessoa para ser alocada dentro do cliente, pelo menos nos meses iniciais, para se certificar de que a ferramenta será usada em seu potencial máximo, senão a culpa sempre será dela.

Com produtos digitais B2C, cujos usuários são os torcedores/fãs, os problemas descritos acima se repetem, porém há ainda outro fator complicador: quando um fornecedor propõe lançar um novo produto digital, o mais comum é que seja assinado um contrato de licenciamento, ou seja, a organização cede sua marca para ser explorada por esse fornecedor em troca de um pagamento inicial e/ou de royalties sobre as receitas geradas. Isto é um desastre, pois, ao ser tratado como um produto licenciado, este fica na mesma prateleira de outros produtos licenciados físicos, como bolas, canecas, copos, vinhos e semelhantes.

Entretanto, estamos falando de um produto digital, algo que requer uma proatividade da organização para dar certo, uma vez que o esforço de comunicação desta organização para com o seu público será determinante para impulsionar o uso e, consequentemente, ter sucesso. Como a iniciativa veio de fora para dentro e o contrato é de licenciamento, naturalmente a organização não enxerga aquele produto como seu; logo, não dá a devida atenção e a tendência é que o mesmo não tenha vida longa.

No caso dos fan tokens isto tudo fica muito claro. A grande maioria das organizações assinou contrato sem nem saber que tipo de produto era, qual era a melhor maneira de oferecê-lo, comunicá-lo, como torná-lo mais atrativo… Olhou-se apenas a chance de se fazer uma nova receita de forma rápida. Mas poucos entenderam que, diferentemente de uma caneca, que uma vez que está na prateleira não há muito o que fazer para vendê-la, fan tokens, como qualquer outro produto de engajamento, requerem uma dedicação constante, com construção de médio e longo prazos junto ao parceiro provedor do serviço, investindo em iniciativas de educação para a torcida e, principalmente, em benefícios e experiências de fato relevantes, capazes de estimular as pessoas a fazer parte daquilo.

Analisando de fora, a CBF, ao que parece, não sabia que tipo de produto iria oferecer e nem o porquê o estava fazendo. O foco foi tão somente na promessa de ganho financeiro, tanto que nem a procedência do parceiro deve ter sido analisada, assim como não deve ter sido feita uma pesquisa no mercado para entender se, naqueles termos, por exemplo, a conta fechava.

“Um problema bem formulado está metade resolvido”. Essa frase, atribuída a Charles Kettering, que foi head de pesquisa da GM nos anos 1920 a 1940, resume bem a ideia que quero passar neste artigo. É tentador se apaixonar pelas soluções que nos são oferecidas diariamente; estamos vivendo tempos fascinantes de avanços tecnológicos. Eu mesmo, várias vezes, me pego invertendo a ordem e deixando o problema em segundo plano. Mas precisamos entender que este não é o caminho. As iniciativas devem sempre surgir de dentro para fora, para suprir demandas identificadas internamente. Senão a chance de sucesso é ínfima.

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro