NFTs e o futuro no esporte — Parte 3: interoperabilidade, colaboração e liquidez

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
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9 min readNov 19, 2021

Nos dois primeiros artigos sobre como os NFTs podem ter aplicações disruptivas para o futuro do esporte, escrevi sobre os tokens não-fungíveis destravando experiências — especialmente a venda de ingressos — e como programas de sócio torcedor podem mudar o modelo de negócios, tornando-se mais atrativos ao abraçar o universo cripto. Neste terceiro artigo não focarei em um novo tipo de aplicação, mas em aspectos que considero fundamentais quando falamos de colecionáveis digitais: a interoperabilidade entre blockchains, plataformas e carteiras cripto; a colaboração; e a liquidez no mercado secundário.

Experimente e aprenda antes de escolher o caminho

Com o boom dos NFTs pelo mundo e especialmente o sucesso das primeiras aplicações de colecionáveis digitais no esporte (leia-se NBA Top Shot e Sorare), surgiram diversos players tentando surfar a onda, desde grandes exchanges até startups vendendo às organizações esportivas consultorias para criação de coleções e desenvolvimento de marketplaces para colecionáveis próprios. No Brasil não é diferente. Basicamente todo clube de Série A, muitos da Série B e entidades esportivas do futebol ou de outros esportes foram abordados por uma ou mais empresas oferecendo este tipo de serviço.

Em primeiro lugar, falando por experiência própria, recomendo a toda organização experimentar. Antes de fechar um contrato de longo prazo, teste e aprenda. Aprenda sobre a plataforma que você vai colocar o NFT, o processo de mintagem, a blockchain, os custos, o tipo de arquivo tokenizado (imagem, foto, vídeo, animação 3D…), se é leilão ou preço fixo, valores cobrados, se é peça única ou coleção, maior ou menor escassez, o grau de complexidade para o usuário e outros aspectos. Só experimentando você vai adquirir o conhecimento necessário sobre o comportamento do seu público e ficará muito mais fácil escolher o caminho depois. Há inúmeras plataformas com custos e taxas bem baixos que você pode usar para se iniciar no mundo dos tokens não-fungíveis e entender como seus fãs/torcedores vão receber a novidade. Aqui no Atlético preferimos aprender fazendo do que vendo os outros fazer e posso garantir que hoje temos um conhecimento importante sobre o que uma plataforma precisa ter para atender o que queremos. Mas lembre-se: testes resultam muitas vezes em falhas. E no meio do esporte, especialmente no futebol, a falha é mal vista. Como dentro de campo uma falha muitas vezes resulta em derrota, fora de campo acostumou-se a julgá-la da mesma maneira, o que é um grande erro. Afinal, a falha é parte fundamental da inovação e se estamos falando sobre algo tão novo como NFTs, não existem certezas, apenas opiniões. As certezas virão apenas da prática e dos testes.

Outros dois pontos que acho importante falar são sobre exclusividade e controle de expectativas. Primeiro, não me parece prudente fechar um contrato de exclusividade em um mercado que, como citei anteriormente, é muito recente. Todos os dias surgem novidades e às vezes algo que hoje parece ser muito interessante, amanhã pode se tornar obsoleto e te privar de oportunidades melhores. Portanto, se for inevitável, busque uma exclusividade apenas em um tipo de NFT. Por exemplo, o Atlético tem um contrato de exclusividade com a Sorare para NFTs de cards de jogadores uniformizados em fotos de frente, no estilo figurinha. Só.

Já em relação ao controle sobre as expectativas, a grande movimentação de dinheiro em comercializações de tokens não-fungíveis chama muito a atenção. A imprensa não especializada, naturalmente, dá bastante destaque para as grandes vendas milionárias, mas uma rápida busca pelos maiores marketplaces de NFTs e você verá que a imensa maioria dos tokens ali expostos não recebe um lance sequer. Ou seja, não é fácil gerar altos volumes de receita, pelo contrário. Então é vital que se entenda isso dentro da organização para se evitar frustrações. Aqui no Atlético, quando lançamos nosso primeiro projeto, em maio desse ano, aconteceu uma situação curiosa. Organizamos uma live para explicar o que eram os tokens não-fungíveis e apresentar a iniciativa (fizemos um leilão de uma obra digital única recriando a histórica defesa de pênalti do ex-goleiro Victor no último minuto das quartas de final da Copa Libertadores 2013, contra o Tijuana, defesa esta que permitiu ao Galo avançar de fase e conquistar o título depois). A primeira pergunta da coletiva foi qual era a expectativa de receita. E minha resposta foi simplesmente: “Não faço ideia”. Isso pode parecer chocante no meio do futebol, acostumado a respostas prontas e certeiras, mas era a verdade. Nosso intuito não era ganhar dinheiro e sim puramente testar uma nova possibilidade. Acabamos vendendo aquela obra por cerca de US$5 mil, mas poderia ser zero e estaria tudo bem. O foco ali era no aprendizado e, por que não?, no pioneirismo.

Enxergo que os NFTs devem ser projetos de médio e longo prazos para organizações esportivas, principalmente no Brasil, um país ainda imaturo no mercado cripto. Antes de pensar em fazer dinheiro, é preciso educar as pessoas — e acredite, não é fácil — para se criar uma comunidade versada e investida no assunto. Só depois penso que as receitas relevantes de fato virão.

Interoperabilidade

Feito o preâmbulo, entrarei no assunto deste artigo. Primeiro, a interoperabilidade. Os NFTs surgiram explorando os contratos inteligentes da blockchain Ethereum, mais precisamente o protocolo ERC-721, padrão para os tokens não-fungíveis. Porém, hoje temos uma série de outras redes blockchain onde se podem emitir os NFTs, como Solana, WAX, Flow, Tezos, Binance Smart Chain, Hathor, Crypto.com Chain… Cada rede destas tem suas vantagens e desvantagens; notadamente, o que mais se busca ao não se mintar os tokens na Ethereum são custos mais baixos, maior velocidade de transação e menor impacto ambiental. Porém, essa pulverização muitas vezes acaba limitando o alcance dos NFTs, pois em vários casos não há interoperabilidade entre blockchains, ou seja, você não consegue ter um NFT mintado em uma blockchain e transferido para ser negociado em um marketplace baseado em outra. Por exemplo, coleções emitidas em Solana não podem ser negociadas na Opensea, o maior marketplace de NFTs do mundo, nem são aceitas na MetaMask, uma das principais carteiras cripto que existem.

Isto é péssimo, pois trava o crescimento de diversos projetos. Imagine se a internet fosse assim, ao invés de algo único, uma série de redes diferentes e para acessar determinados sites você precisasse logar e deslogar destas redes. Ou se o seu dinheiro em um banco X não pudesse ser transferido para um banco Y. Não à toa, as discussões sobre metaverso envolvem este assunto, pois se caminharmos para que vários metaversos sejam construídos sem que haja livre acesso e livres transferências de bens digitais entre eles, o objetivo de se tornar uma nova versão da internet, imersiva, cairá por terra e fracassará.

Há soluções surgindo, no entanto. A Wormhole NFT Bridge, por exemplo, é uma empresa que está oferecendo uma solução que conecta tokens emitidos em Solana com Ethereum, permitindo que os mesmos sejam negociados em outras plataformas. A Binance, desde o final de outubro, tornou-se multi-chain, possibilitando transações entre Binance Smart Chain e Ethereum. A coleção de camisas históricas do Galo em NFTs atualmente pode ser comprada no marketplace da Binance, mas depois pode ser transferida para uma carteira no MetaMask e negociada na Opensea, o que acaba agregando valor ao token, pois amplia o mercado secundário para quem o possui. Outros martketplaces também estão seguindo este caminho, como a Rarible, que passou a aceitar NFTs emitidos na blockchain Flow.

Por isso, sempre pense em interoperabilidade entre blockchains na hora de decidir o caminho para emitir seus NFTs, especialmente se forem colecionáveis digitais. Quanto maior o mercado secundário, maior a atratividade para quem compra, pois será maior a liquidez, assunto do próximo item.

Liquidez no mercado secundário

Este item é curto e direto ao ponto. Liquidez é a capacidade de conversão de um bem em dinheiro. Quanto mais líquido um ativo é, mais valioso ele se torna, pois é mais fácil vendê-lo e transformá-lo em moeda fiduciária. A importância da liquidez no universo de NFTs é óbvia. Se há maior facilidade desse token ser vendido, ele se torna mais atrativo para quem deseja comprá-lo. Por conta disso, ter um mercado secundário grande, com bastante gente participando, aumenta as chances do seu NFT ser comercializado, pois mais pessoas terão acesso a ele. Claro, não se trata só de tamanho de mercado secundário, é importante que o ativo seja atrativo em termos estéticos, históricos e/ou de utilidade, por exemplo, mas aumentar o público que pode ser impactado por este ativo certamente contribui para acrescentar valor ao NFT.

Por isso, quando for entrar em um projeto com tokens não-fungíveis, analise o tamanho e o acesso destes tokens ao mercado secundário. Muitas startups têm oferecido marketplaces próprios para organizações esportivas, mas colocando o mercado secundário para um segundo momento. Ele até pode vir em uma segunda fase do projeto, mas é fundamental que seja criado e que não demore muito, pois trata-se de um elemento capaz de atrair muitos mais compradores.

Colaboração

Se interoperabilidade e liquidez do mercado secundário são importantes, pensar coletivamente na hora de entrar em um projeto de NFTs faz sentido, especialmente se estamos falando de organizações do mesmo setor, como clubes de futebol, marcas e entidades esportivas em geral. Tenho dificuldade de acreditar em marketplaces de clubes e até de ligas totalmente fechados. Por exemplo, para a Dapper Labs (dona do NBA Top Shot e que vai lançar ainda os marketplaces da NFL e da La Liga, além de ter um contrato com o UFC) faz total sentido interligar estas plataformas e criar um mercado secundário permitindo que fãs e donos de NFTs de um interajam com o outro. Desta maneira, uma pessoa que tem tokens não-fungíveis da La Liga pode se interessar em comprar ativos da NBA, pois sabe que a chance de vendê-lo será maior, uma vez que teremos mais gente participando daquela economia.

É o que imagino para clubes de futebol. Ao invés de um clube se fechar em uma plataforma única, ele pode ter sua página personalizada, onde tem total controle sobre os tipos de NFT que disponibiliza, cobrando o valor que bem entender, consegue falar direto com seu torcedor e captar os dados… Porém, esta plataforma será muito melhor e mais atrativa para mais pessoas se estiver abaixo de um guarda-chuva maior, com outros clubes, outras organizações esportivas, atletas e marcas. Uma das grandes belezas dos colecionáveis digitais é o senso de comunidade, de você poder falar além do seu público atual. Óbvio, o seu torcedor será o principal foco, porém, a partir do momento que estamos em uma plataforma onde outros clubes e marcas participam, para um não torcedor do meu clube passa a fazer mais sentido comprar um NFT meu, afinal, se ele enxergar possibilidade de valorização pode ser um investimento que valha a pena financeiramente.

Gosto de citar um exemplo para ilustrar este pensamento. Não é um exemplo com tokens não-fungíveis e sim os fungíveis, mas se aplica bem aqui. Quando fechamos com a Socios.com para lançarmos os fan tokens do Atlético, a gente podia criar um fan token por conta própria em uma plataforma do clube, mas fez muito mais sentido nos juntarmos ao ecossistema da Socios, com dezenas de outras marcas esportivas de várias partes do mundo, pois assim conseguimos vender o produto para muito mais pessoas. Então abrimos mão de ter uma participação maior na receita total em troca de ter um faturamento muito superior. Somente 19% dos 850 mil $GALO vendidos no lançamento foram para o Brasil, o restante foi para pessoas em mais de 120 países. Como seria se fosse algo somente do Galo? Com a Sorare foi a mesma coisa. O Atlético podia ter lançado figurinhas digitais de nossos jogadores por conta própria, mas certamente demoraria bastante para atingirmos a receita e o número de pessoas que atingimos, se é que conseguiríamos. Então valeu a pena licenciar nossa marca e entrar numa plataforma global, com uma comunidade já ativa e engajada.

O objetivo desse artigo foi mostrar alguns dos elementos mais importantes que devem ser levados em conta antes de se entrar em uma iniciativa envolvendo NFTs e blockchain em geral. E também, mais uma vez, deixar claro que em projetos de médio e longo prazo o melhor caminho a seguir envolve união entre clubes, marcas e organizações do esporte. Isso ainda é visto como um tabu no Brasil, pois a rivalidade dentro de campo acaba sendo transferida para fora, mas quando falamos de tokens não-fungíveis não existe apenas um vencedor, pelo contrário, quanto maior a colaboração, melhor será para todos os envolvidos.

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro