NFTs e o Futuro no Esporte — Parte 4: financiamento para atletas, eventos, marcas e organizações

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
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6 min readNov 29, 2021

Fazer esporte no Brasil não é nada fácil. Se você não for de um grande clube de futebol, provavelmente ganhará muito pouco ou zero de direitos de transmissão (pelo contrário, é bem capaz de ter que pagar para isso, mesmo que sejam somente os custos); a receita de bilheteria tende a ser irrisória, às vezes sequer existe; e os patrocinadores são escassos. Para um atleta em início de carreira ou uma organização de um esporte com pouca visibilidade, as barreiras são ainda maiores. Mas e se fosse possível atrair fãs, torcedores e/ou apoiadores que acreditam no potencial de valorização desses ativos, transformando-os em investidores que vão financiar atletas, eventos, marcas e organizações em troca de participação em receitas futuras?

No quarto e último artigo sobre NFTs e o Futuro no Esporte além dos colecionáveis, escrevo como os tokens não fungíveis podem ser usados para estreitar o relacionamento com os fãs, tornando-os sócios em receitas futuras de patrocínios, produtos oficiais, programas de sócio torcedor, premiações…

Parte 1 — Destravando experiências no mundo físico

Parte 2 — Cripto Sócio Torcedor

Parte 3 — Interoperabilidade, colaboração e liquidez

Fãs como investidores

Antes de desenvolver o assunto, é bom falar que este conceito não é novo. O chamado equity crowdfunding surgiu há alguns anos, permitindo que pessoas físicas investissem em startups early stage em troca de participação nas empresas. Basicamente o que proporei aqui é exatamente nesta linha, porém, ao invés de equity em empresas, as pessoas teriam equity em receitas futuras oriundas do esporte.

Também é bom salientar que não é preciso usar blockchain e NFTs para isso, mas a tecnologia, além da segurança que traz consigo, tem a descentralização que permite dar liquidez a estes tokens ao serem negociados livremente no mercado secundário, garantindo ao investidor a possibilidade de realizar o lucro de seus investimentos com maior facilidade, além de dar ao emissor do token a chance de também ganhar um percentual toda vez que o ativo é revendido.

Recentemente, vi dois exemplos fora do esporte que me chamaram bastante a atenção. Primeiro, Shaan Puri, um dos apresentadores do podcast “My First Million”, postou no Twitter um experimento interessante, chamado de “5 Minutes of Fame”. Basicamente ele criou um segmento de cinco minutos dentro do podcast e colocou à venda em formato NFT. Quem comprasse teria direito a fazer o que bem entender neste tempo, seja anunciar uma empresa própria, participar do programa ou alugar o espaço para outras empresas anunciarem. A ideia é que, com o crescimento da audiência do podcast (o mesmo mais que dobrou os números em um ano), os cinco minutos se tornam mais valorizados, dando ao dono do NFT a chance de fazer mais dinheiro com ele ou de revendê-lo por um valor maior. O lance mínimo foi de 0,25 ETH (cerca de US$857 na época) e foi arrematado por 11,55 ETH (cerca de US$35.548 na época).

Segundo, a plataforma Royal, que há algumas semanas levantou investimento de US$55 milhões, incluindo de diversos artistas, como The Chainsmokers, Nas, Logic, Kygo e Disclosure. A Royal permite que pessoas comprem direitos sobre royalties futuros de músicas tocadas em players de streaming. Basicamente, um fã pode comprar um NFT vinculado a uma participação percentual de toda receita que uma música fará quando é tocada no Spotify, Apple Music e afins, para sempre. Se ela é fã, naturalmente já é estimulada a compartilhar e divulgar o trabalho do artista em suas redes; porém, a partir do momento que este fã ainda ganha dinheiro com o sucesso da música, o estímulo se torna ainda maior para “evangelizar” mais pessoas a ouvirem e a mesma viralizar. Um dos fundadores da Royal é Justin Blau, nome real do DJ de música eletrônica 3LAU, um dos artistas mais envolvidos com o mundo dos NFTs.

Para testar o conceito da plataforma, 3LAU lançou uma música chamada “Worst Case” e colocou no mercado 333 NFTs, cada um dando direito a 0,15% dos royalties futuros da faixa (representando um total de 50%). Desde que a música foi lançada, a mesma já rendeu US$6 milhões em royalties, sendo metade distribuído entre os donos de NFTs. A atratividade e o pioneirismo do negócio foram tamanho, que somente em vendas no mercado secundário esses NFTs já movimentaram mais de US$650 mil.

Agora pare e pense nas inúmeras possibilidades que isto traz para o esporte. Atletas podem tokenizar os ganhos futuros totais de sua carreira ou durante períodos determinados. Podem ainda negociar propriedades específicas, como contratos de patrocínio, premiações ou ganhos com produtos oficiais, por exemplo. Para jovens atletas, em início de carreira, pode ser uma ótima chance de se financiar, sem depender de empresários inescrupulosos. Se estivermos falando de esportes que não o futebol, especialmente os individuais, é uma oportunidade de não depender de empresas patrocinadoras antes de se obter resultados — já que sabemos que são estes resultados que vão atrair as empresas. Para o fã é um investimento. Se eu acredito no potencial daquele ou daquela atleta, eu posso ajudá-la a impulsionar a carreira e de quebra posso ser remunerado por isso no futuro.

No primeiro semestre houve um exemplo curioso. A tenista croata Oleksandra Oliynykova, número 600 do ranking da WTA, transformou um espaço de cerca de 116 centímetros quadrados em seu braço direito em um NFT e vendeu por pouco mais de US$5 mil. Quem comprou pode usar o espaço para anunciar o que quiser, desde que não seja um conteúdo impróprio ou relacionado a apostas esportivas, o que é proibido pela WTA. Se a jovem tenista deslanchar na carreira, seu braço direito será valorizado e quem comprou o NFT tende a lucrar com isso.

O mesmo pode ser feito por organizações esportivas, que podem trazer pessoas que acreditam na organização e no que ela pode gerar no futuro. Pode-se tokenizar, por exemplo, receitas de sócio torcedor. Imagine o estímulo que quem comprou o NFT atrelado a um percentual de receita futuro de um programa de sócios terá para divulgar o mesmo e fazê-lo crescer. É o que gosto de chamar de “member get member on steroids”, porque os participantes literalmente viram sócios da operação. Pode-se pensar ainda na tokenização de patrocínios no uniforme e em outras propriedades. Para organizações menores ou de esportes com menos espaço na mídia, pode ser uma ótima maneira de conseguir um apoio inicial e para quem compra os direitos a chance de multiplicar o investimento em caso de valorização da propriedade. Eventos esportivos, que muitas vezes encontram dificuldades de sair do papel, também podem se beneficiar com isso.

Premiações de competições e receitas de vendas de produtos oficiais são outras propriedades tokenizáveis. Aliás, para este último existe um elemento bastante interessante. Uma organização ou uma marca pode simplesmente dividir o risco de lançamento de um novo produto ao vender NFTs atrelados a royalties de vendas futuras dos mesmos para early adopters. Não só levanta-se capital para lançar o produto, como o mesmo já surge com um grupo de evangelizadores prontos para espalhar a palavra e fazê-lo decolar. Quanto mais valorizado se tornar, maiores os royalties, mais valorizados os tokens, criando um mercado secundário ainda mais líquido, pois mais pessoas terão interesse em obter os NFTs.

Como se pode ver, o céu é o limite em se tratando de possibilidades no uso de NFTs no esporte. Uma organização esportiva pode inclusive ser criada a partir desta tokenização, dando às pessoas que comprarem os primeiros tokens status de membro fundador, destravando não só participação nos resultados financeiros, como outros tipos de benefício.

Ao longo desta série de quatro artigos, meu objetivo foi mostrar que a revolução que os NFTs irão gerar em todos os setores da economia — e obviamente no esporte — vai muito além dos memes bobos e das imagens simples vendidas por milhões. Quem ainda não entendeu isso (ou não quer entender) costuma tratar os tokens não-fungíveis como inúteis, bolha, brincadeira de milionários que não tem mais o que fazer com dinheiro… Mas basta estudar um pouquinho e é bem fácil perceber que estamos diante de um mar de oportunidades, prontas para serem experimentadas e exploradas.

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro