O amor a marcas e o papel das comunidades

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
Published in
3 min readMay 4, 2024

Marcas costumam falar muito sobre amor e têm como um de seus principais objetivos cultivar este sentimento em seus consumidores. Há dois problemas fundamentais nisso:

1) Hoje, a grande maioria delas considera alguém um “lover”, um(a) apaixonado(a), baseando-se única e exclusivamente em suas transações. Frequência de compra. Por quê? Uma simples ida ao dicionário e veremos que não há uma única referência à transação, negociação ou compra nas inúmeras definições do que é amor. Há, sim, menções a relações sociais, zelo, carinho, admiração e dedicação. Claro que empresas vendem produtos e, no final das contas, é isso que elas querem de um lover. Mas é justamente o fim, não o meio. Uma relação baseada apenas no transacional nunca será uma relação de amor. Será uma relação de puro interesse, fria e, por isso, superficial, frágil, facilmente rompível.

Repito a pergunta: por que considerar lover apenas quem compra mais produtos da marca? Por que não considerar quem dedica tempo e atenção para se relacionar com ela, seja da maneira que for? Se tempo e atenção hoje são os bens mais valiosos da humanidade, estes deveriam ser o foco. A transação é apenas o ato final de uma relação muito mais profunda, íntima com os consumidores. Dá mais trabalho, demora mais tempo para se ver os resultados financeiros, mas a base destes relacionamentos será muito mais robusta e difícil de ser quebrada.

2) Marcas possuem milhares de “lovers” mapeados, pessoas que compram com frequência seus produtos. Mas o que fazem com elas? Em geral, estimulam a comprar mais ou, pelo menos, manter o ritmo de transações. Até oferecem incentivos legais, como descontos e premiações, mas param nisso. A relação segue sendo de via única, top-down, fria. Quantos relacionamentos são duradouros quando não há diálogo?

Se estão falando de seus consumidores mais importantes, precisam sair da mentalidade “one-to-many” para uma “many-to-many”, onde não só tais marcas falam com seus lovers, mas principalmente dão total liberdade para que eles tenham voz ativa, sintam-se ouvidos, representados, parte do que se está construindo. Aliás, co-construindo. Se são lovers de verdade, há muito a aprender com eles. O senso de pertencimento oriundo deste tipo de abertura é algo que poucas marcas estão dispostas a oferecer e, por isso, torna-se muito forte para ser deixado de lado.

Quando as pessoas sentem que fazem parte de um ambiente colaborativo, elas se motivam não só a promover a marca, como a dar ideias de novos produtos, feedbacks sobre ações, tornando-se uma fonte muito poderosa e ampla de outputs. Elas se sentem donas, uma “propriedade psicológica”, basicamente um sentimento de posse, mesmo que essa posse não seja em termos legais. Spotify e redes sociais são ótimos exemplos, pois dedicamos tempo para curar e criar playlists, montar perfis, postar conteúdos, construir redes de seguidores… Não somos donos destas empresas, mas sentimos como se fôssemos, tamanho o investimento pessoal que fazemos nas mesmas e a propensão que temos para divulgá-las a outros.

Aliás, se as ações destas marcas não ficassem restritas a seus colaboradores e um grupo muito maior de pessoas que se interessam por elas pudesse ajudar a pensar em iniciativas, inovações e campanhas, quantas novas possibilidades surgiriam? É matemático. Mais cérebros, mais pontos de vista diferentes, mais oportunidades.

Comunidade, este deve ser o foco para lidar com estes apaixonados. Um espaço para que haja conversas abertas entre marca e eles, e entre os próprios lovers. Como seres humanos, queremos estar próximos daqueles com os quais compartilhamos paixões e crenças; isto se perdeu em época de redes sociais mais parecidas com feeds de entretenimento e menos preocupadas com conexões reais. Uma marca não só pode como deve ser a viabilizadora disso. E assim o sentimento de amor verdadeiro se constrói e se solidifica.

--

--

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro