O que aprendi fazendo o primeiro programa de inovação aberta do futebol brasileiro
Todo mundo quer ser inovador, mas poucos querem ser os primeiros a apostar em novas iniciativas. É uma verdade que se aplica a qualquer setor da economia e no esporte não é diferente. Durante quase seis meses tive a oportunidade de desenvolver e executar o primeiro programa de inovação aberta do futebol brasileiro, o Vozão Conecta, uma parceria do Ceará Sporting Club e da Enzima. Acertei em muitas coisas, errei em outras, mas aprendi lições que levarei daqui para frente e, por isso, resolvi compartilhá-las com quem está pensando em seguir o mesmo caminho.
O primeiro desafio que encontrei ao falar sobre inovação com entidades esportivas foi a falta de confiança de que haveria benefícios reais ao investir nela; por falta de entendimento do que realmente se trata e de conhecimento sobre cases de sucesso, muita gente ainda trata a inovação como um nice to have e não um must have, algo que vai render boas matérias na imprensa, vai dar “munição” para discursos de dirigentes, mas que na prática pouco ou nada acrescentará. Talvez por isso a palavra inovação ainda esteja muito mais presente no nome/descrição dos cargos do que nas atitudes. Falando especificamente sobre o futebol, há dois elementos que tornam as coisas ainda mais difíceis: os resultados têm que ser rápidos e faltam recursos para serem alocados em algo que não seja dentro de campo, pois “é isso que importa para a torcida”. É a mentalidade finita, sobre a qual escrevi recentemente.
Levei tudo isso em conta quando comecei a desenhar o projeto que apresentaria a clubes do Brasil. Teria que ser barato, simples de ser entendido, executado em um prazo curto e, principalmente, com alta capacidade de levar benefícios de verdade. Foi assim que cheguei no formato de um programa de inovação aberta de 12 semanas, cujo objetivo era conectar clubes de futebol a startups já em operação no mercado, com soluções que resolveriam problemas reais (não aceitaria ideias, nem protótipos, queria produtos prontos para serem aplicados dentro do prazo do programa). Defini que seria 100% online, não só por conta do distanciamento social, como pelo fato de que queria buscar soluções de qualquer parte do mundo, uma tendência em programas deste tipo até antes da pandemia. Seria também algo feito não só para os clubes, mas para as startups, afinal entrar no mercado do futebol não é fácil e estas empresas teriam a oportunidade de, durante o período estipulado, mostrar porque estes clubes deveriam se tornar seus clientes após o programa. Isso daria ainda uma espécie de selo de qualidade para suas soluções, um case para conquistar novos clientes no meio.
Com o projeto em mãos, começou o processo de prospecção. Fiz uma lista de clubes que considerava aptos para abraçar a iniciativa, clubes cujas gestões eram estruturadas e que estavam na Série A do Campeonato Brasileiro. Não tive sucesso ao conversar com alguns dirigentes até que encontrei Lavor Neto, diretor de marketing e comunicação do Ceará Sporting Club. Em sua participação em meu podcast na Enzima, Lavor me disse que tinha vontade de transformar o Ceará num grande laboratório, onde as pessoas pudessem levar e testar ideias e soluções. Assim que o podcast terminou, comentei que tinha um projeto pronto para ser apresentado e marcamos uma conversa uma ou duas semanas depois. Não precisei convencê-lo de nada; rapidamente ele viu valor no que propunha, deu OK para prosseguirmos e me colocou em contato com profissionais do clube. Daí tiro as primeiras lições: é preciso escolher bem para quem se vai apresentar um projeto como este. É fundamental que seja um dirigente de alto escalão, pois é este “patrocínio” interno que vai dar força para que a iniciativa saia do papel. Mas só isso não basta, também precisa ser uma pessoa com mente aberta, disposta a fazer as coisas de forma diferente, em apostar no novo, mesmo que haja riscos.
O passo seguinte foi me reunir com profissionais de todas as áreas do clube para explicar o que era tudo aquilo. É comum que pessoas que não estão familiarizadas com o assunto tenham ideias distorcidas do que se trata um programa de inovação aberta. Por isso o trabalho educacional, conceitual, de tirar dúvidas, é tão importante. Muita gente acha que inovação é fazer algo mirabolante, de grandes proporções, quando inovar, na verdade, nada mais é do que melhorar o que é feito atualmente entregando valor para clientes internos e/ou externos (saiba mais). São nesses papos também que começamos a entender quais são as dores que cada colaborador tem, que cada setor tem, que tipo de solução os ajudaria a melhorar seus trabalhos e entregar os resultados cobrados. Essas conversas são ainda uma excelente maneira de saber quem estará comprometido com o programa e quem não; é natural que algumas pessoas vistam mais a camisa do que outras, seja por desconfiança, seja por falta de tempo ou simplesmente por falta de vontade. Tiro mais algumas lições daqui: invista bastante tempo nestes encontros para entender com quem você vai trabalhar e, principalmente, quais serão os objetivos do programa e que soluções serão procuradas no mercado. Se a pessoa e/ou a área que ela representa não demonstrar interesse, foque naquelas que demonstram, pois um programa de inovação aberta tem início, meio e fim, e, uma vez que um colaborador/área se comprometa em participar, este comprometimento tem que ser igual até o último dia.
Depois de conversas iniciais com as áreas, listamos alguns desafios que seriam lançados ao mercado e definimos oito no total. Estes desafios eram tão amplos quanto soluções para aumentar o engajamento de torcedores até bem específicos, como melhorar a gestão de contratos de patrocínio. Aqui cabe uma autocrítica: em função do prazo apertado que tínhamos para lançar o programa (queríamos finalizar antes do final da temporada, em fevereiro/2021), não investi o tempo necessário nesta fase de conversas e entendimento dos problemas, por isso acredito que os desafios poderiam ter sido mais bem escolhidos. Faltou, por exemplo, conhecimento sobre o setor de sustentabilidade — ao longo do período de inscrições, conversando com pessoas especializadas no assunto, recebi o feedback que 12 semanas era muito pouco para o programa ser atrativo para estas startups — e sensibilidade para perceber que buscar soluções para deixar o Castelão Inteligente, em um período de pandemia, não era algo tão inteligente assim. Acontece, virou aprendizado.
É importante também, na hora de definir os desafios, que se conheça o mercado de startups nas respectivas áreas de procura (algo que faltou em relação à sustentabilidade, como citei acima). Algumas startups que sabíamos que tinham soluções que se encaixavam no que buscávamos foram abordadas diretamente, o que facilitou o processo e nos deu segurança de que teríamos empresas realmente boas. Vale ressaltar ainda que, apesar de termos fechado oito desafios, não tínhamos a obrigação de preenchê-los; não só poderíamos não receber inscrições para algum deles como poderíamos simplesmente não ter startups que considerássemos aptas a participar. Recebemos 40 inscrições, de 10 estados e seis países diferentes, número dentro do esperado. Foram sete empresas escolhidas: Trílogo, iSportistics, Dezoito, Futti, License Solutions, OneID e FutBox.
Apesar das fases de preparação e inscrições serem muito importantes e geralmente ganharem bastante destaque — afinal é quando geralmente saem as matérias na imprensa -, como já escrevi, programas de inovação aberta têm início, meio e fim. Uma vez escolhidas as startups, o trabalho começa de fato. Toda semana tínhamos encontros semanais com horário marcado entre ao menos um representante do clube, um representante da startup e eu, que atuava como mediador. O objetivo era definir o que seria feito até o encontro seguinte e verificar se o que fora planejado havia sido colocado em prática. Às vezes precisamos mudar de horário ou data, mas o contato entre todas as partes era constante, mesmo que via email ou Whatsapp, pois este acompanhamento é fundamental para que se entenda a evolução de cada projeto. Outro ponto imprescindível, talvez o mais imprescindível de um programa como este, é o envolvimento dos colaboradores das áreas nas quais os pilotos serão realizados. Essas pessoas irão guiar as startups dentro do clube. Em muitas iniciativas como esta, em qualquer setor da economia, as startups são selecionadas, “jogadas” dentro da estrutura da empresa e, claro, nada acontece depois. Tive sorte no Ceará de trabalhar com pessoas dedicadas, mas gostaria de destacar duas em especial: João Costa, gerente de marketing, e Marcos Medina, gerente de TI, que deram todo suporte para que as iniciativas andassem mesmo dividindo o tempo deles com as várias obrigações que tinham no dia a dia. O ideal, entretanto, seria que houvesse pessoas exclusivas para lidar com as startups dentro do clube, pois assim as coisas fluiriam melhor e mais rapidamente.
Para finalizar, gostaria de comentar o que faria de diferente em programas futuros. Primeiro, como já expus, dedicaria mais tempo nas conversas com os colaboradores, para entender com mais profundidade os problemas reais enfrentados pelo clube. A partir deste melhor entendimento, escolheria menos desafios e focaria em soluções de mercados que tenho conhecimento, como não foi o caso com as startups de sustentabilidade, por exemplo. Se por um acaso o clube quisesse colocar um desafio destes no programa, o certo seria trazer um especialista para auxiliar nesta questão. Eu também aumentaria o tempo de inscrição (foram 40 dias, dois meses seria o correto) e, principalmente, faria uma divulgação mais ampla, não só orgânica, na imprensa especializada, mas com campanhas direcionadas de marketing digital em redes sociais. Poderíamos ter tido um número bem maior de inscritos — e, consequentemente, mais qualidade ainda — se isto tivesse acontecido. Por último, não considero o modelo adotado, no qual as startups nada ganham durante o programa, o ideal, apesar de ser bastante comum. Acredito que garantir uma premiação em dinheiro para as empresas participantes é o mais justo, pois dá-se a elas um pagamento pelo tempo dedicado e cria-se uma “seriedade” ainda maior de ambas as partes, além de ser algo que também contribui para atrair mais startups.
Mesmo com todas estas considerações, considero que foi uma experiência positiva para todos os envolvidos e tenho certeza de que o Ceará ganhou não só com as soluções que teve acesso (vai, inclusive, continuar trabalhando com algumas das empresas), como abriu a cabeça das pessoas do clube para as inúmeras possibilidades que programas de inovação aberta trazem. Espero que outros clubes sigam pelo mesmo caminho e que, de alguma forma, este texto os inspire. O futebol brasileiro dentro e fora de campo tem muito a evoluir se abrindo para startups, interagindo com empreendedores, e o ecossistema de sportstech precisa que clubes e entidades o abracem para continuar crescendo.