O que é um clube de futebol nos tempos atuais?

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
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3 min readMar 28, 2022
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Os clubes de futebol costumam definir seus competidores e seu ramo de atuação como a maioria das empresas o faz: de forma bem limitada. “Somos um clube de futebol, logo nosso ramo de negócios é o futebol e nossos competidores são os outros clubes”. Mas isto está certo?

Se analisarmos somente o dentro de campo, o jogo finito, essa definição é correta. Porém, um clube de futebol hoje em dia precisa muito mais do que isso. Precisa entender que o jogo finito ocupa apenas uma pequena parte do seu tempo, a maior parte é o jogo infinito e se joga fora de campo. Se analisarmos a clássica teoria do Job to be done, de Clayton Christensen, podemos chegar à conclusão de que, na verdade, o “trabalho” de um clube de futebol atualmente é entreter seus torcedores, conquistar ao máximo sua atenção, para estimulá-los a consumir mais, aumentando a receita deste clube, que por sua vez vai ter maior poder de investimento, deixando os torcedores cada vez mais empolgados, atraindo mais pessoas, que vão gastar mais… Cria-se assim um ciclo virtuoso.

Sim, a competição no campo segue sendo muito importante, mas existe outra cada vez mais fundamental e acirrada: a competição pela atenção das pessoas e pelo tempo de lazer delas (já escrevi um artigo apenas sobre Economia da Atenção). Sempre que alguém opta por fazer qualquer coisa não relacionada ao seu clube ela está deixando de consumir o que ele tem a oferecer e, por isso, diminuindo sua capacidade de arrecadação.

Escrevi sobre tempo de lazer no parágrafo acima pois podemos dividir o nosso tempo em três categorias: lazer, trabalho e necessidade (comer, dormir, ir ao banheiro…). O centro da disputa com todas as outras possibilidades de se usar a atenção está no lazer e um pouco nas necessidades. Inclusive, o Netflix já tweetou certa vez que dormir é seu principal inimigo, pelo fato de que hoje as pessoas consomem os conteúdos da empresa até enquanto comem ou vão ao banheiro, por exemplo.

Portanto, os clubes têm dois desafios principais além dos gramados: o primeiro é entender que para entreter é preciso abrir mão de certos paradigmas do futebol, como “o vestiário é sagrado” ou “marketing é bola na casinha”. Não é fácil, pois trata-se uma mudança cultural e para mudar cultura é preciso tempo e paciência. O segundo é justamente estar onde seu torcedor está e SEMPRE ser uma opção de consumo para ele, inclusive quando ele/ela está comendo, se exercitando, no banheiro, até no trabalho, por que não?, como faz muito bem o Netflix. Por isso a produção de conteúdos audiovisuais de diversos tipos e para diversos públicos é fundamental em plataformas própria e de terceiros; criar diferentes produtos digitais é muito importante, desde o aplicativo oficial até os games casuais e hipercasuais; estar de forma criativa em todas as redes sociais; ter uma estratégia bem definida nos esportes eletrônicos; estar atento a inovações tecnológicas, que surgem todos os dias (NFTs, Metaverso, realidades aumentada e virtual, 5G…) e entender como elas irão impactar o relacionamento com o fã; e muito mais. Quando um torcedor pensar em entretenimento e não estiver trabalhando ou dormindo, o clube precisa ser a primeira opção de procura. A partida em campo sempre será o produto premium e a hora de maior atenção, claro, mas existe muito tempo além dos 90 minutos que se os clubes não preencherem, alguém irá e estará “roubando” receita que poderia ser deles.

É óbvio que quando o time vai bem em campo e ganha títulos é muito mais fácil, porém, em um mundo com crescentes opções de entretenimento e cada vez mais difícil de reter a atenção das pessoas, especialmente das novas gerações, depender apenas dos resultados não me parece ser a estratégia mais inteligente.

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro