Por que toda organização esportiva deve ter um profissional de inovação?

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
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5 min readOct 26, 2020

Já escrevi sobre a diferença que existe entre lançar um produto inovador e ser uma organização inovadora de fato. Para colocar no mercado um novo aplicativo, por exemplo, basta ter recursos financeiros para contratar uma empresa que o faça. A grande questão é entender quais soluções tecnológicas vão entregar o que a organização precisa, de maneira alinhada com os objetivos estratégicos e, principalmente, gerando valor para os consumidores — no caso do esporte, os fãs/torcedores. Isto sem contar no pensamento de médio e longo prazos, na antecipação de tendências, no treinamento e no envolvimento de todos os colaboradores, na execução de programas internos e externos…

Motivos para se preocupar com a realidade atual do esporte não faltam. Estamos na economia da atenção e, se você trabalha no setor, deve estar cansado de saber que seu clube, federação ou empresa competem não mais apenas com seus rivais ou outras modalidades, mas contra qualquer outro tipo de conteúdo ou forma de lazer que possam fazer com que seu fã deixe de consumir o que você oferece. Os hábitos de consumo destes fãs, aliás, mudam mais rápido do que a capacidade de adaptação das organizações esportivas. Vivemos a “Era do Fã Fluido”, como bem classificou o Sports Innovation Lab: esta nova geração é aberta a mudanças; tem grande poder de escolha sobre o que vai assistir, dada a quantidade de opções; e está em constante evolução, dependendo das novidades tecnológicas que aparecem — e elas aparecem em ritmo cada vez mais alucinante.

Pesquisas divulgadas recentemente corroboram que é preciso inovar para, literalmente, não morrer. A European Club Association, por exemplo, ouviu 14 mil pessoas de sete países (incluindo o Brasil) e descobriu que 40% dos jovens entre 16 e 24 anos disseram não se interessar ou odiar futebol. Já a Morning Consult entrevistou pessoas de 13 a 23 anos, a chamada Geração Z, nos EUA e 47% deles disseram que não se consideram fãs de esporte. Mais: 39% falaram que nunca assistem a esporte algum. Há ainda outros dados relevantes, como diminuição de audiência na TV e queda na prática esportiva entre crianças.

Durante anos a indústria dependeu basicamente de três fontes de receita principais: venda de direitos de transmissão; patrocínio; e matchday (bilheteria + venda de produtos no estádio, estacionamento…). Porém, vemos sinais de que os direitos de transmissão atingiram seu pico e a tendência é de que os próximos contratos, com poucas exceções, ou tenham apenas aumento marginal ou, o mais provável, valores menores. Os patrocinadores, que antes pagavam caro e se importavam apenas com a exposição de suas marcas, serão cada vez mais rigorosos com o retorno sobre o investimento, exigindo dos patrocinados dados e conhecimento relevantes sobre os fãs para conseguirem falar diretamente com eles e entregar ofertas personalizadas; e, por último, o supracitado excesso de opções do que se fazer torna o convencimento à ida a eventos esportivos tarefa cada vez mais complicada, especialmente se a experiência não for das melhores no que tange à qualidade do espetáculo, acesso, conforto, limpeza e segurança.

A boa notícia é que existem tecnologias e novos modelos de negócios capazes de contornar todos estes problemas. No entanto, não se trata apenas de usar tecnologia. Como escrevi, qualquer um com recursos pode fazê-lo. É preciso muito mais e é justamente aí que entra uma figura fundamental para toda organização esportiva nos dias de hoje: o profissional especializado em inovação.

Profissional de inovação no esporte: obrigações e capacidades necessárias

É muito comum empresas de todos os setores delegarem esta função para o responsável pela área de TI ou do Marketing. Mas estes têm suas obrigações do dia a dia em seus departamentos. Uma organização comprometida com o presente e com o futuro precisa ter um profissional focado em liderar as iniciativas de inovação. Esta pessoa tem um papel muito mais estratégico, de planejamento, do que de execução; deve ser um facilitador para que se crie uma cultura de inovação, um ambiente propício para geração de novas ideias, para experimentação, tolerante ao risco e, principalmente, às falhas.

Precisa ter autonomia para navegar por todos os departamentos, ajudando-os a fazer uma avaliação constante do que podem melhorar, estimulando a comunicação entre eles e facilitando a implementação de novos projetos. Identificar evangelizadores em todas as áreas é de grande valia, pois estes vão auxiliar em todo o processo. Afinal, a inovação deve ser um esforço coletivo, envolvendo todos os colaboradores, e é preciso encontrar uma maneira de tornar isto relevante para cada um deles.

O papel estratégico, porém, não exime o profissional de inovação de executar, pelo contrário. São iniciativas internas (como programa de ideias e hackathons) e externas (como desafios de startups e parcerias com universidades) que vão fazer com que a roda gire constantemente.

Com relação às competências, este profissional não necessariamente precisa ter conhecimentos técnicos, como saber linguagens de programação, por exemplo, mas precisa entender como funcionam novas tecnologias e o que elas podem prover para a organização. Precisa também conhecer metodologias como Customer Development, Design Thinking e SCRUM, para ajudar a colocar em prática projetos-piloto de forma rápida e barata. E, se vai conversar com todas as áreas, precisa ter soft skills, como boa comunicação, negociação, colaboração e liderança. É fundamental ainda um conhecimento profundo sobre o que está acontecendo na indústria esportiva e sobre as tendências de futuro, para trazer inovações e soluções tecnológicas para dentro da organização. Também deve estar antenado em outros setores, para buscar possíveis convergências com o esporte.

Resumidamente, um profissional de inovação no esporte deve olhar para o presente e ajudar a construí-lo, mas estar muito atento ao futuro para o que pode impactar o negócio. Por mais que organizações esportivas, em sua maioria, passem por dificuldades e tenham que se preocupar com o seu dia a dia, é fundamental ter pelo menos uma pessoa pensando em como será esta organização em 2, 5, 10, 20 anos. Muitos clubes de futebol, por exemplo, são centenários e têm torcidas numerosas, mas isto não é mais certeza de perenidade. Outros setores estão cheios de exemplos de empresas outrora gigantes que simplesmente desapareceram. O tempo médio de permanência de uma empresa no S&P 500 diminui consideravelmente a cada década — basta comparar as empresas mais valiosas do mundo há alguns anos e as de agora. O que impede disto acontecer com clubes de futebol ou com modalidades esportivas em geral? Qualquer pessoa que fez um MBA foi apresentada ao clássico caso Kodak. Quem será a Kodak do esporte nos próximos anos? Se não quer que seja você, é fundamental ter um especialista em inovação em seu time.

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro