Porque o futebol brasileiro deve abraçar os simpatizantes

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
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4 min readJun 22, 2020

Em 2017, o IBOPE REPUCOM divulgou a pesquisa DNA Torcedor, que traçou um perfil de quem gosta de futebol no Brasil. Estudos assim acontecem há anos no país, mas este teve uma característica especial: pela primeira vez houve uma separação entre torcedor e simpatizante. Segundo a pesquisa, 41,4 milhões de pessoas (ou 37% do total) têm afinidade com um clube extra, além daqueles para os quais dizem torcer. Porém, não acho que simpatizante seja o termo mais adequado para classificar quem gosta de mais de um time; prefiro torcedor misto. Digo isto porque existem diversos níveis de engajamento que uma pessoa pode ter com um clube, mesmo que ela goste de um só. Há desde os mais fanáticos até aqueles que não acompanham os jogos, não sabem quem é o treinador ou jogadores, mas que por algum motivo se identificam com aquele time. Estes sim considero simpatizantes.

De qualquer maneira, há algo que une ambos: eles costumam ser tratados com desdém por aqui. Quantas vezes você já ouviu que o clube X não tem milhões de torcedores porque parte deles gosta de outros clubes também? Ou que a torcida do clube Y não é fanática porque não enche o estádio regularmente ou só enche em jogos importantes? Quando isso fica apenas no campo da gozação entre torcedores rivais é compreensível, pois tratam-se de interações passionais. Entretanto, os clubes devem ter uma mentalidade macro, de olhar para todo o universo de pessoas que se relacionam com suas marcas e não só os fanáticos. Na hora de pensar em produtos e serviços que vão oferecer, devem ter como foco aqueles/aquelas que vão ao estádio ou assistem a todas as partidas, mas também aqueles/aquelas que têm outras prioridades na hora dos jogos, mas que porventura podem comprar uma camisa, assistir a um conteúdo audiovisual exclusivo ou simplesmente seguir uma rede social. Afinal, quando falam que um time tem milhões de torcedores, boa parte destes estará neste segundo grupo e, por isso, devem ser olhados com atenção.

Na Europa e nos EUA esta mentalidade já existe há tempos. Até por terem audiências globais, os times europeus e das principais ligas norte-americanas sabem que falam com pessoas que têm relações diversas com suas marcas. Mas não fazem distinção no tratamento que dão a elas; chamam todos de fãs, não importa se fanáticos ou não. Ao contrário, o trabalho em cima dos “simpatizantes” é muitas vezes até maior, principalmente em estratégias de internacionalização. Três exemplos interessantes: o Borussia Dortmund tem escritórios na China e Cingapura, e promove diversos eventos para os fãs locais do clube, mesmo sabendo que a grande maioria nunca terá a oportunidade de ver o time no Signal Iduna Park. O Barcelona está produzindo séries audiovisuais que fogem do modelo tradicional de conteúdo feito por entidades esportivas (geralmente bastidores das equipes). O clube e o futebol são apenas panos de fundo nas duas tramas e o objetivo é atrair justamente quem não se importa tanto pelo fator campo. Já a La Liga passou a se posicionar como um produto de lifestyle e não esportivo, pois desta forma consegue falar também para quem se interessa além do que acontece nos gramados. As ligas americanas trabalham isso muito bem, especialmente a NBA. É muito comum ver pessoas usando camisas de times, mas que nunca pararam para ver um jogo sequer. Usam porque é cool, faz parte da moda.

No Brasil, o termo “estar na moda” tem uma péssima conotação. Falar que um time está com muitos torcedores apenas porque está na moda é visto como uma ofensa, quando na verdade deveria ser motivo de comemoração. Que ótimo para este clube, pois agora ele tem a chance de falar para mais pessoas e vender mais produtos. Melhor ele na moda do que outros, certo?

Aliás, é bom os clubes terem em mente que será cada vez mais normal lidar com os não fanáticos, simplesmente porque estes estarão cada vez em menor número. E mesmo os ditos fanáticos têm dedicado menos tempo ao consumo de esportes. Pesquisa realizada pela Luker on Trends nos EUA em 2019 mostrou que este público dedica apenas 9% do seu tempo livre semanal para acompanhar seu esporte favorito. Isto porque vivemos a época da desatenção, onde somos bombardeados com informações e opções do que fazer o tempo todo. Hoje os times não competem apenas entre si. Competem com filmes, séries, videogames, TikTok, enfim, tudo que uma pessoa possa fazer ao invés de assistir a uma partida de futebol ou consumir um conteúdo exclusivo. A competição é acirrada, principalmente entre os mais jovens. No Brasil, atualmente há mais gamers do que praticantes de futebol e a audiência dos jogos entre este público também tem diminuído, pois sua preferência é por conteúdos mais curtos e que permitam uma participação mais ativa, um controle maior, algo bem diferente do que as transmissões disponibilizam. Temos a tendência de achar que isto não procede, mas é porque vivemos em uma bolha; como gostamos de esporte, costumamos seguir pessoas com o mesmo gosto em redes sociais, mas se analisarmos o todo veremos que as preferências estão mudando.

O Sports Innovation Lab chama o momento atual de “A Era do Fã Fluido”. O Fã Fluido é aberto a mudanças, ou seja, ele se apega cada vez menos a paixões clubísticas e a modalidades; se tiver que trocar de esporte favorito e até de clube, ele vai fazê-lo. O SIL afirma que isto fará com que os fanáticos entrem em extinção.

Por isso os clubes brasileiros precisam, com urgência, estudar as tendências e se aproximar dos seus fãs. Entender e atender preferências e demandas. Falar para seus torcedores, mas abraçar e dedicar atenção especial aos simpatizantes, pois neles encontram-se muitas oportunidades inexploradas, com grande potencial de receita. Ter este olhar será cada vez mais um importante diferencial.

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro