Realidade Mista: visões para o futuro do esporte

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
Published in
5 min readJun 18, 2023

Semana passada, a Apple apresentou oficialmente o VisionPro, seu aguardado dispositivo de realidade mista (XR). O lançamento conseguiu tirar o foco da inteligência artificial e trazer à tona duas tecnologias que, até então, andavam em baixa: as realidades aumentada (AR) e virtual (VR). Propagadas há bastante tempo como potenciais mercados enormes, a verdade é que ambas ainda não conseguiram chegar ao mainstream. A VR segue praticamente limitada a alguns games e transmissões esportivas; a AR até tem aplicações bastante populares — o Pokemón Go, por exemplo, foi um sucesso estrondoso e os filtros de redes sociais são usados por bilhões de pessoas -, mas, convenhamos, nada disso é revolucionário.

A chegada da Apple, no entanto, pode ser um fator determinante para mudar esta história. Estamos falando da empresa mais valiosa do mundo, não só com recursos humanos e financeiros basicamente infinitos, como com um histórico de desenvolvimento de hardwares que moldaram comportamentos na sociedade: iPod, iPhone, Apple Watch. Por que o VisionPro não pode ser o próximo?

Claro, existe um longo caminho para se chegar lá: primeiro é preciso diminuir o preço. O dispositivo da Apple foi lançado com um valor de US$3.499, proibitivo para a grande maioria das pessoas. O preço reflete o tanto de tecnologia embutida no produto, o que o faz entregar com uma qualidade ainda não encontrada em outros aparelhos já lançados — os reviews publicados de quem usou o VisionPro são bastante positivos. É óbvio que não será esta ordem de grandeza que massificará a realidade mista, mas historicamente inovações tecnológicas tendem a diminuir de custo conforme vão evoluindo e ganhando espaço. Foi noticiado, inclusive, que a Apple já está trabalhando em versões mais baratas.

O fator estético também deve ser considerado. Por mais que o design do VisionPro seja atrativo, ele não é feito para ser usado regularmente, nas ruas ou em outras situações sociais físicas. Isto sem contar a bateria, ligada ao aparelho via cabo. Há um entendimento nos players da indústria que dispositivos de XR devem ser os mais parecidos possíveis com óculos para serem aceitos socialmente e adotados em massa. Entretanto, ainda há muitas barreiras tecnológicas para se chegar lá, se é que algum dia chegaremos (eu, particularmente, sou um otimista).

O terceiro e último ponto que precisa ser superado é tão ou mais importante que os anteriores: ainda não existem aplicações realmente imprescindíveis disponíveis em aparelhos de XR, aquelas que “forçam” as pessoas a adotar um novo hardware. Sim, pessoas jogam games, fazem exercícios, meditação e trabalham em grupo usando estes dispositivos, mas, sejamos sinceros, tudo isto é o que chamamos no universo de startups de “nice to have” e não “must have”. A aposta da Apple, no entanto, é colocar o VisionPro no mercado, com uma visão (perdoe o trocadilho) irresistível para atrair os desenvolvedores que construirão tais aplicações essenciais. Foi assim com o iPhone, foi assim com o Apple Watch. E deu bastante certo em ambos.

Mas você deve estar se perguntando: o que tudo isto tem a ver com esporte? Eu explico.

As possibilidades da realidade mista no esporte

No vídeo de lançamento do VisionPro, alguns segundos são dedicados a mostrar uma das experiências esportivas proporcionadas pelo aparelho: basicamente uma visão multi-telas das ações em campo/quadra, com estatísticas em tempo real, representações de atletas em tamanho natural por meio de realidade aumentada e até uma “reprodução” de highlights em uma mesa a frente do sofá. Veja abaixo:

Esta visão já foi testada em outras ocasiões, por outros players, como a BT Sport com a MotoGP, em 2022.

Porém, podemos pensar bem além. Se considerarmos que hoje, para usufruir de aplicações de AR, precisamos usar o smartphone como interface, a partir do momento em que as interações são sobrepostas diretamente em nosso campo de visão abrem-se inúmeras possibilidades. Vamos fazer um exercício de imaginação, levando em conta que os dispositivos se tornaram mais baratos e socialmente aceitos, que temos internet 5G ubíqua funcionando perfeitamente e o mercado de aplicações relevantes se desenvolveu — eu avisei que era um exercício de imaginação.

Eu, sócio torcedor do clube X, comprei ingresso para o jogo; duas horas antes da partida, vesti minha camisa e meu óculos de XR, entrei no carro e dei um comando de voz. Destino: estádio. Ao invés de ficar olhando para o smartphone para ver o trajeto com menos trânsito, no meu próprio campo de visão as informações sobre por onde ir vão aparecendo. Ao longo do caminho, verifico se há vagas disponíveis no estacionamento e já pago antecipadamente. Quando chego no local, sou levado para a vaga adquirida. Saio do carro e sou direcionado para o portão de entrada. Minha face é reconhecida e, quando a entrada no estádio é liberada, o mascote do time me recebe e fala: “Olá Felipe, seja bem-vindo! Você gostaria de ir até o seu assento ou quer fazer algo antes?”. Respondo que estou com fome e sou apresentado com as opções, já com estimativa de distância e tempo de espera. Opto por um cachorro quente e um refrigerante, faço o pagamento ali mesmo e sou encaminhado até o local. Antes dou uma passada no banheiro, para evitar de perder qualquer lance depois que o jogo começar. Pego meu cachorro quente e meu refri, e sou levado até meu assento, acompanhado pelo mascote. Ao olhar para o campo, vejo a escalação do time com a formação tática exposta no próprio gramado; também opto por assistir jogos anteriores do confronto enquanto os times não entram em campo. Depois que a bola rola, consigo ver estatísticas em tempo real, a classificação atualizada, replays de diferentes ângulos e lances de outras partidas que acontecem simultaneamente. No intervalo, participo de ações gamificadas de patrocinadores e ganho benefícios que posso usar agora, guardar para depois ou até comercializar com outras pessoas caso eu queira. Vem o segundo tempo, o time vence e, enquanto ando até o estacionamento, vejo a entrevista com os jogadores e técnicos em formato volumétrico, como se estivessem ao meu lado. Antes de sair, assisto aos melhores momentos de ângulos imersivos, dentro de campo. Aciono o comando de voz. Destino: casa. E sigo meu caminho de volta da mesma maneira, com um guia em meu campo de visão, não sem antes passar naquele fast food, que ofereceu uma promoção personalizada porque meu time ganhou e sabia que eu passaria por ali.

Essa é apenas uma das possibilidades proporcionadas por este tipo de tecnologia imersiva. Você pode ler este relato e não gostar, achar que não combina com a “cultura de estádio” no Brasil, que isso vai gentrificar ainda mais o futebol e tudo mais. Te digo duas coisas se você pensa assim: a primeira é que as pessoas já fazem boa parte das coisas que narrei com um smartphone, o óculos de XR apenas tornaria essa experiência muito melhor. A segunda é que sempre existirá a opção de não usar nada e curtir a ida ao estádio do jeito que você está acostumado. Há espaço para todos.

--

--

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro