Repensando Transmissões Esportivas IV — Tecnologia potencializando estatísticas

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
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7 min readJun 15, 2020

No último artigo desta série, escrevo sobre o uso cada vez maior de tecnologia para potencializar estatísticas em transmissões. O objetivo de se investir nesta área, no entanto, não está restrito somente a dar aos fãs uma melhor experiência; passa também pela importância de se prover a atletas e times meios de se aprimorar performances individuais e coletivas, e o grande potencial de receita que estas estatísticas têm em um momento no qual as apostas esportivas ganham espaço pelo mundo.

Mais dados, mais informações, mais conhecimento

Estatísticas em transmissões não são novidades. Porém, se antes elas se limitavam a números simples — faltas, escanteios, percentuais de arremessos certos e passes completos de quarterbacks -, o uso cada vez maior de sensores e inteligência artificial tem aumentado a quantidade e a qualidade dos dados coletados, levando aos espectadores conteúdos mais informativos, seja na própria tela principal, seja numa segunda tela. Pesquisa da empresa japonesa de telecomunicações NTT mostra que parte significativa destes espectadores, especialmente os mais jovens, quer isso: 3.700 fãs de esporte foram ouvidos em 2019 e 34% deles falaram que a principal razão para usarem smartphones enquanto assistem a eventos esportivos é para terem acesso a estatísticas que melhoram suas experiências. Isto pode ser explicado por um desejo de estar bem informado, de querer ter mais conhecimento sobre o que acontece em campo/quadra ou até pela popularidade de fantasy games e de apostas. O estudo mostrou ainda que 54% dos entrevistados acreditam que inteligência artificial é capaz de prever resultados com sucesso e 52% afirmam que este tipo de previsão aumenta seu engajamento com o esporte.

Nos EUA, o uso de estatísticas em transmissões de esporte é popular há bastante tempo e está aumentando ano após ano. Um exemplo vem da MLB, que desde 2015 disponibiliza o Statcast para todas as suas 30 franquias. Trata-se de uma poderosa ferramenta de análise de performance dos jogadores, que gera dados por meio de câmeras e sensores. O Statcast também é utilizado em algumas transmissões especiais, geralmente nos Playoffs, sempre como um sinal alternativo para aqueles que querem ter uma visão diferente das partidas, com grafismo especial na tela e análises de comentaristas especializados (veja vídeo abaixo). A MLB tem a AWS como parceira; a empresa da Amazon usa inteligência artificial para extrair métricas como probabilidade de sucesso em roubos de base, probabilidade da direção da bola em possíveis rebatidas e previsão de desempenho de rebatedores contra determinados estilos de arremessadores. Estas informações são compartilhadas nas redes sociais da Liga e disponibilizadas em tempo real aos fãs pelo aplicativo oficial.

A NFL tem o Next Gen Stats. Desde 2015, a liga de futebol americano coloca tags RFID nos shoulders pads de cada jogador e na bola, para poder capturar velocidade, localização em campo e movimentos. Depois adicionou sensores aos árbitros e aos marcadores de first down e endzones. Em 2017, fechou parceria com a AWS, que, assim como faz com a MLB, usa inteligência artificial para extrair informações relevantes da montanha de dados gerados por jogo. Algumas das métricas elaboradas são a probabilidade de um passe ser completado e a expectativa de ganhos de jardas após uma recepção. Todas as informações são passadas aos times, usadas em transmissões e disponibilizadas em tempo real aos fãs no site oficial da ferramenta, inclusive com reproduções de todas as jogadas por partida em campos 2D.

A NBA, claro, também oferece inúmeras ferramentas aos fãs apaixonados por estatísticas. A startup americana Second Spectrum é a responsável pelo sistema de trackeamento dos jogadores e da bola desde a temporada 2017/2018; a empresa tem câmeras instaladas nas 30 arenas do campeonato, que capturam todos os movimentos em quadra 25 vezes por segundo. Com os números disponíveis, a NBA, em parceria com a SAP, criou o Advanced Stats, uma área de seu site oficial onde os fãs têm acesso a estatísticas profundas de cada atleta em todos os jogos. Ao ver o box score de uma partida, você pode, por exemplo, escolher um jogador e clicar em suas tentativas de dois pontos, que uma nova guia vai abrir, onde aparecerão todos os arremessos de dois pontos tentados por ele em vídeo, ao lado de diversos gráficos, como percentual de acerto de cada zona da quadra e mapa de calor. Em meados de abril, a NBA anunciou a Microsoft como sua parceira oficial em inteligência artificial e computação na nuvem. Para a próxima temporada, há a promessa de uma nova plataforma digital, que englobará o League Pass, e que vai proporcionar “uma nova experiência” em assistir jogos. Podemos esperar muitas novidades, uma delas certamente o uso de IA para gerar métricas avançadas que serão inseridas em transmissões e disponibilizadas aos fãs.

A NHL prometia lançar seu tão aguardado puck-and-player tracking system nos Playoffs da atual temporada, que foi suspensa pela pandemia, mas a novidade ficará para o retorno ou para 2020/2021. Desenvolvido em parceria com a SportsMEDIA Technology, a ferramenta conta com sensores colocados no puck e nos uniformes dos jogadores, além de diversas antenas espalhadas pelos ginásios para coletar informações; o puck-and-player tracking system tem expectativa de gerar mais de 1 milhão de dados por jogo e terá total integração com as transmissões, para que tais dados sejam inseridos sobre as imagens tanto ao vivo quanto nos replays, e o aplicativo oficial da NHL. Todas as informações também alimentarão as comissões técnicas das equipes e, claro, serão usadas para gerar novas fontes de receita com apostas, jogos preditivos gratuitos e fantasy games.

Outros esportes também apresentam soluções que valem destaque. No golfe, o PGA Tour lançou o Tourcast em seu site e aplicativo oficiais neste final de semana (11 a 14 de junho), durante o Charles Schwab Challenge. Trata-se de uma experiência em segunda tela que permite aos fãs acompanhar o progresso de cada atleta e todas as jogadas em cada buraco do campo nos mínimos detalhes em 3D. Antes das jogadas, é possível ver o histórico da carreira do jogador naquele buraco, distância para o mesmo e a visão que o atleta tem de onde estiver. Depois da jogada, os usuários têm acesso à velocidade do swing e da bola, a taxa de rotação e a altura máxima que a mesma atingiu. A ideia é que no futuro até a trajetória da bola seja desenhada em tempo real. Por ser um dos esportes mais tecnológicos, a Fórmula 1 também não poderia deixar de ser citada. Desde 2018, a categoria tem parceria com a AWS, que usa inteligência artificial para extrair informações precisas da enormidade de dados que são gerados em todas as corridas (cerca de 1,1 milhão por segundo). Estas informações auxiliam as equipes a tomar as melhores decisões, são usadas em simulações para ajudar no desenvolvimento dos carros e alimentam os fãs com insights precisos sobre estratégias de corridas e previsões de cenários.

No futebol, a AWS fechou seu primeiro acordo em janeiro deste ano, com a Bundesliga. Num primeiro momento, a empresa americana oferecerá seus serviços para enriquecer as transmissões e as plataformas digitais da competição com novas métricas tiradas das estatísticas coletadas de cada jogo. No futuro a ideia é integrar inteligência artificial e 5G. Por meio do Bundesliga Match Facts, durante os jogos serão colocadas na tela informações como a probabilidade de um gol ser feito a partir da posição de onde o chute foi dado, a chance de sair gol nos 15 minutos seguintes e posicionamento tático das equipes em campo. Haverá ainda integração com o histórico de números e vídeos do campeonato, para que informações pertinentes de temporadas anteriores sejam encontradas com facilidade para serem usadas nas transmissões.

Gostaria de destacar ainda o trabalho da iSportistics, uma startup com atuação global, fundada por brasileiros, e especializada em inteligência artificial aplicada ao esporte. A sportstech possui produtos inovadores, com grande potencial de transformar as transmissões e gerar novas receitas para os detentores de direitos no país. Entre os clientes atuais, estão a Federação Paulista de Futebol, TV Gazeta, TV NSports e CBTM. Um dos produtos, o Grand Slam, automatiza a coleta de dados em tempo real; outro, o Knockout, insere gráficos animados nas imagens, o que pode, por exemplo, criar ações com patrocinadores; também vale citar o No-Hitter, que usa visão computacional para trackear atletas e objetos (vídeo abaixo).

Como mostrei nestes quatro artigos, há muita coisa sendo testada e aplicada em transmissões ao redor do mundo. Com tanta disputa pela atenção das pessoas, inúmeras opções de entretenimento e apenas 24 horas por dia, as entidades esportivas e os detentores de direitos precisam estar preparados para inovar e entregar experiências que os diferenciem dos demais, sob pena de serem deixados de lado, especialmente pelo público mais jovem. Não faltam oportunidades, mas é preciso começar a agir.

Artigo 1 — Gamificação

Artigo 2 — Novas Experiências

Artigo 3 — MegaCasts e Watch Together

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro