Startup Leagues — Premier Lacrosse League

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
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6 min readAug 24, 2020

Montar uma nova liga esportiva não é tarefa fácil. Se as ligas tradicionais têm sofrido cada vez mais para manter bons números de audiência em função da grande competição que existe pela atenção das pessoas atualmente, o trabalho de quem está começando do zero é muito mais árduo. Mas, se por um lado há as dificuldades, são justamente elas que fazem com que estes empreendedores tenham que, mais do que nunca, pensar fora da caixa e apostar em novos modelos de negócio, formatos de competição inovadores, novas tecnologias em transmissões… A partir daí surgiram propostas muito interessantes de ligas, que, pela inovação que trazem, têm sido chamadas de “startup leagues”. Umas já saíram do papel e têm tido sucesso, outras ainda vão estrear, mas carregam grande expectativa. No último artigo escrevi sobre a Athletes Unlimited, hoje o foco é na PLL.

Premier Lacrosse League

Apesar de ser pouco conhecido no Brasil, o lacrosse é um esporte popular nos colégios e universidades dos EUA — principalmente de elite — e sua prática tem crescido nos últimos. Para se ter uma ideia, entre 2014 e 2019 o número de participantes em campeonatos universitários aumentou em 28%. Porém, uma vez formados, os jogadores tinham poucas opções de seguir carreira no esporte. A principal delas, a Major Lacrosse League (MLL), é semiprofissional, com treinos basicamente apenas às sextas-feiras (muitas vezes em parques públicos) e jogos aos sábados, e salários baixos, o que leva os atletas a buscarem segundos empregos para complementarem a renda. O maior astro do esporte, Paul Rabil, insatisfeito com a realidade e ciente do potencial de criar algo muito mais atrativo para jogadores e público, se juntou ao seu irmão, Mike, para criar a Premier Lacrosse League (PLL), cuja primeira temporada foi disputada em 2019. Paul, além de ainda jogar, é o Chief Strategy Officer, enquanto Mike é o CEO.

Para começar, o formato da liga é totalmente diferente. Enquanto a MLL adota o estilo tradicional das maiores ligas norte-americanas — times fixos em cidades, que viajam pelo país para jogar entre si -, a PLL preferiu um modelo itinerante. Não há a figura dos donos de franquias; os seis times que participaram da temporada inaugural pertencem à PLL e todos viajam pelo país em conjunto, jogando entre si durante 12 semanas, a cada final de semana em uma cidade diferente (cada time joga uma vez por semana). A temporada em si dura 14 semanas, pois inclui ainda um final de semana de All-Star Game e outro da grande final. A liga é responsável pela logística, hospedagem e facilidades de treinamento de todas as equipes. A lógica é a mesma adotada pela Athletes Unlimited: atualmente as cidades maiores já possuem diversos times de esportes diferentes e disputar a atenção com eles é muito complicado, além de demorar muito tempo para se construir uma base de fãs. Desta forma, é possível criar uma competição nacional logo no primeiro ano e dar aos fãs a chance de escolher torcer pelo time ou pelo seu jogador favorito (uma tendência, especialmente entre os mais novos). Além disso, eliminam-se os custos de múltiplas viagens e de cada franquia ter que locar um estádio todo o final de semana, algo muito caro e que muitas vezes é difícil, pois é preciso conciliar o calendário com outras modalidades. Da maneira que a PLL estruturou, a liga aluga um estádio por final de semana e cria uma atmosfera de festival, com os três jogos da rodada, oficinas de treinamento para jovens e outras atividades relacionadas.

Porém, mais até do que o formato inovador, para uma liga ser bem sucedida é preciso que o jogo em si seja de qualidade. Para isso, a Premier Lacrosse League recrutou os melhores atletas do esporte nos EUA (90% deles vindos da MLL). Para atraí-los, a nova liga criou um modelo de remuneração atrativo: todos os jogadores têm contrato de trabalho full-time com a PLL, com um salário-base de US$25 mil (em comparação, a base na MLL era de US$6 mil) e direito a plano de saúde, além de bonificações por desempenho. Todos têm ainda participação na empresa, ou seja, ganham dividendos com o sucesso da mesma. Há também um trabalho de auxílio aos atletas para que eles consigam construir suas imagens e monetiza-las em redes sociais. A PLL fechou uma parceria com a Greenfly, um aplicativo que permite que a liga compartilhe vídeos de melhores momentos e fotos das partidas de forma personalizada diretamente para os smartphones dos jogadores, estimulando-os a postar estes conteúdos em suas contas. O cuidado com a produção de conteúdo também é uma marca da organização, que investiu na montagem de uma equipe de produção, com câmeras, produtores, fotógrafos e editores, além de um estúdio de vídeo e podcast.

Tudo isto, claro, tem um custo. A Premier Lacrosse League é de fato uma startup e já recebeu US$22 milhões de investimento, de acordo com a PitchBook. Por ser um esporte muito praticado nas universidades de elite da Ivy League, muitos atletas que jogaram em seus tempos de faculdade se tornaram figuras importantes do mercado financeiro, o que ajudou a PLL a levantar financiamento. Entre os investidores estão grandes empresas de venture capital, como Raine Group, Chernin Group, CAA Ventures e Blum Capital, além do bilionário Joe Tsai, co-fundador do Alibaba Group, que jogou lacrosse quando estudou em Yale. A nova liga também tem tido sucesso com patrocinadores. Após a primeira temporada, a Ticketmaster pagou pelos naming rights da competição. Há ainda acordos com a Adidas, Banco Capital One, Gatorade, Bose, Utz e outros. Recentemente, a PLL fechou a DraftKings como parceira oficial de apostas e passou até a incluir odds durante as transmissões.

Por falar em transmissões, estas têm apresentado elementos inovadores. Logo para a temporada inicial foi fechado um acordo de longo prazo com a NBC para exibição de todas as partidas pela TV e pelo serviço de streaming da emissora, o NBC Gold. Além de múltiplas câmeras pelo campo, o que mais chamou a atenção foi o acesso do telespectador. Os atletas, por exemplo, foram microfonados e não só era possível ouvi-los, como narrador e comentarista tinham a oportunidade de conversar com eles durante os jogos, como no vídeo abaixo. Além disso, jogadores que não estavam em campo atuaram como comentaristas, dando uma visão especializada das ações que estavam acontecendo nas partidas.

O resultado foi que, apesar da presença de público nos estádios ter deixado a desejar na maioria dos finais de semana, a audiência ficou acima do esperado, com um dos jogos chegando a 412 mil pessoas assistindo, a maior audiência de um jogo de lacrosse outdoor na história da TV americana, além de mais de 10 mil pacotes de pay per view vendidos no NBC Gold.

A expectativa para a segunda temporada estava alta, houve a inclusão de mais um time, expandindo para um total de sete, mas a pandemia fez com que os planos fossem alterados. Ao invés da temporada itinerante, a PLL decidiu fazer um torneio de duas semanas em Utah, com todos os jogadores, comissões técnicas e demais membros da produção isolados em uma bolha. A competição também teve transmissão da NBC e contou com drones para dar imagens especiais ao vivo e em highlights (vídeo abaixo). Apesar do formato curto e diferente, a liga conseguiu aumentar a audiência em relação à primeira temporada. A média de telespectadores foi 33% maior em todos os jogos e a final teve um aumento de 23%. Claro que se compararmos aos números das principais ligas dos EUA, a audiência será considerada pequena, mas, por se tratar de um esporte de nicho e cuja presença na TV era basicamente zero, pode ser considerado um sucesso sim.

A Premier Lacrosse League, como toda startup com menos de dois anos, ainda tem um caminho longo para se estabelecer. O histórico de novas ligas é desfavorável, a chance de não dar certo é sempre muito maior, mas parece haver muita consistência em tudo o que é feito e a crise provocada pela pandemia foi ultrapassada. Como escrevi acima, não dá para imaginar a PLL chegando perto do nível das cinco maiores ligas americanas — e, para falar a verdade, nem acho que este seja o objetivo dos fundadores. Mas certamente é uma organização que vale ficar de olho, pois há muitas iniciativas que podem ser usadas em outros esportes.

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro