Transformando seguidores em dados — o grande desafio no esporte

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
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5 min readJun 11, 2020

Toda entidade esportiva precisa estar presente nas redes sociais, ninguém questiona isso. Porém, apesar de muitas delas fazerem um ótimo trabalho de atrair seguidores com conteúdo, o que vem depois? Ter milhares ou milhões de pessoas que curtam seus perfis é muito importante, mas as possibilidades de monetização são limitadas, uma vez que os dados são controlados por terceiros, seja o Facebook, Google, Twitter, TikTok e afins. A maioria dos setores já descobriu a importância dos dados e os usa em benefício próprio, mas o esporte, em geral, ainda não tem esta maturidade. E se os dados são o petróleo do Século XXI, como falam por aí, muitas organizações do esporte (clubes, confederações, federações, ligas…) estão com cofres cheios de dinheiro, mas sem a senha para acessá-lo. Ou seja, elas precisam agir para conseguir aproveitar todo o seu potencial, capitalizando seus fãs por meio de uma relação direta com eles, sem intermediários.

Algumas entidades perceberam isto e estão se movimentando. O Barcelona lançou sua nova estratégia digital em fevereiro deste ano, cujo objetivo é transformar os 350 milhões de seguidores que possui nas redes sociais em usuários de plataformas próprias. Enric Llopart, Diretor de Digital do clube, deu entrevista recente falando que este era seu grande desafio (você pode ver neste vídeo, a partir de 31:58). Desta maneira, o clube terá total controle sobre os dados destas pessoas e poderá saber quem elas são, de onde são, que tipo de relação têm com o Barça e o que/como preferem consumir o clube. A partir daí, podem ser criados diferentes tipos de produtos e serviços que atendam estas demandas e gerem novas linhas de receita. No início de junho foi lançado o BarçaTV+, o OTT próprio que terá conteúdos exclusivos produzidos pelo Barça Studios (também peça fundamental na estratégia e que escrevi sobre aqui), jogos ao vivo de futebol feminino, jogos históricos do futebol masculino e outros esportes. As partidas atuais de Messi e Cia não serão transmitidas ao vivo, pois os direitos são comercializados pela La Liga, mas ficarão disponíveis on demand depois. No dia do lançamento, Guillem Graell, CMO do Barcelona, deu a seguinte declaração:

“Quando se está em uma plataforma que não é sua, os dados não são seus. Ter 350 milhões de fãs pelo mundo é ótimo, mas a forma como conseguimos alcançá-los é decidida por terceiros que têm objetivos diferentes dos nossos”

Além do OTT, o clube catalão também assumiu suas operações de e-commerce, que até então eram controladas pela Nike, e gere a venda de ingressos para o Camp Nou, onde criará experiências únicas para os torcedores com o smartphone: os ingressos serão todos digitais e os usuários do aplicativo do estádio poderão fazer compras de comida, bebida e produtos oficiais pelo próprio, diminuindo as filas. A última peça deste tabuleiro estratégico é um programa de membership global, o Culers, que dará uma série de benefícios para os participantes. Todos estes dados coletados estarão centralizados em uma plataforma que eles chamam de FRM (Fan Relationship Management), onde o clube terá uma visão 360° de cada fã e, consequentemente, poderá estabelecer uma relação personalizada.

Outro exemplo legal também da Espanha vem da La Liga (leia mais sobre o trabalho incrível da La Liga aqui). A entidade criou diversos produtos digitais para que seus fãs pudessem consumir a marca fora das redes sociais e todos os dias, não só em dias de rodada. Tem um aplicativo oficial, um OTT gratuito que transmite diversas modalidades esportivas além do futebol, um fantasy game, um bolão, três games mobile, mais de 40 jogos mobile infantis e um jogo de troca de cards de atletas voltado para a Ásia.

No Brasil, o Athletico Paranaense é uma referência no uso de tecnologia. O clube entendeu a importância de se criar um relacionamento direto com seus torcedores, por isso utiliza as redes sociais como uma forma de atraí-los para suas plataformas próprias, como o Furação Play. O OTT lançado em março deste ano é pioneiro no país; além de produções originais, bastidores e melhores momentos, também exibe alguns jogos do futebol profissional no Campeonato Brasileiro, estadual e amistosos. O CAP, que eu saiba, é o único clube do futebol brasileiro que tem uma área de inovação interna, chefiada pelo Vinícius Grein (vale ouvir o podcast Footurismo que teve a participação do Vinícius em 2019), talvez por isso tenha esta visão diferenciada.

Além de criar um relacionamento direto com os fãs/torcedores e ampliar as possibilidades de se capitalizar tais relações, uma base de dados própria e robusta também é um ativo muito valioso para monetizar com patrocinadores. Pesquisas mostram que há muita receita de patrocínio não realizada porque as organizações não sabem como lidar com a questão dos dados. A Two Circles, uma agência de marketing digital focada em esportes, por exemplo, estima que em 2019 a indústria esportiva deixou de arrecadar US$16,7 bilhões em patrocínios, 28% do valor arrecadado com os mesmos no ano. Gareth Balch, CEO da Two Circles, classifica o digital como o ativo mais subvalorizado dos patrocínios esportivos, mas onde está o maior potencial de crescimento. Giles Morgan, executivo da PumpJack Dataworks, diz que a falta de uma compreensão verdadeira da base de fãs tem dificultado o progresso das marcas em ir além da exposição em uniformes ou placas de publicidade em suas campanhas.

A pandemia e a crise econômica vão fazer com que a maioria das marcas exija das entidades algo maior do que visibilidade, pois cada real aportado terá que ser justificado internamente. No caso do futebol no Brasil, é muito comum falarmos que clube X tem tantos milhões de torcedores, clube Y é líder de engajamento em redes sociais… Mas tanto X quanto Y não sabem quem são estas pessoas. Claro, estes números têm muito valor, mas se as entidades tivessem conhecimento de fato sobre sua base de fãs as marcas teriam a chance de falar diretamente com eles e este retorno sobre o investimento certamente seria muito fácil de ser alcançado. Acredito que quem der este passo adiante terá grande vantagem sobre os demais e será percebido com outros olhos pelos patrocinadores daqui para frente.

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro