Como não ser um propagador de fake news

Eduarda Toledo
AGEX
Published in
8 min readApr 2, 2018

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Elas não são piadas, uma obra de ficção ou uma peça lúdica, são mentiras com artifícios que lhe conferem uma aparência de verdade. As fake news estão espalhadas por diversos meios e, diferente do que se pensa, são criadas com um propósito específico: ser o alicerce de uma nova forma de negócio baseada na mentira.

Quando começou, em 2016, a campanha presidencial nos Estados Unidos, tinha dois candidatos favoritos ao cargo: Hillary Clinton, do Partido Democrata e Donald Trump, do Partido Republicano. Ambos eram os que mais apareciam na mídia e, reparando nisso, um grupo de estudantes da Macedônia deu início a uma indústria lucrativa e poderosa. Os jovens, também conhecidos como Vale Boys, tinham entre 18 e 20 anos, e perceberam que cliques americanos rendiam muito mais dinheiro em sites, então decidiram que precisavam chamar a atenção desse público, a maneira mais fácil era através das eleições. Eles notaram que notícias sobre Trump, principalmente as que o exaltavam, rendiam muito mais acessos que as dos demais candidatos. “Ele falava que a grande mídia era fake news, por isso seus apoiadores buscavam notícias em mídias alternativas e quando achavam, se a notícia era pró-Trump, eles nem se preocupavam em checar as informações” explicou um dos Vales Boys, em entrevista para o documentário “Fake news — baseado em fatos reais”, produzido pela Globo News.

Todos os dias eram lançadas diversas fake news e, mesmo que seu conteúdo fosse absurdo, se espalhavam com grande rapidez. As que mais repercutiram foram: “Wikileaks confirma que Clinton vendeu armas para o Estado Islâmico” e “Papa Francisco choca o mundo e apoia Donald Trump”. Investigações revelaram que mais de 100 sites pró-Trump, cheios de notícias falsas, haviam sido registrados na Macedônia, o que tornou o país conhecido mundialmente como “A Fábrica de Fake News”. As notícias se propagaram de tal maneira que foram consideradas influenciadoras das eleições americanas, por beneficiarem Donald Trump. E, desde então, o termo tem ganhado força.

No Brasil

Algumas horas depois do Senado aprovar o decreto presidencial que autorizava a intervenção militar no Rio de Janeiro, no dia 20 de fevereiro, já havia notícias falsas circulando nas redes, uma delas dizia que “quem estiver na rua depois das 22h sem um documento de identificação e a carteira de trabalho assinada, será levado sob custódia para um quartel (ainda a ser definido) na vila militar”. A notícia se propagou rapidamente e em resposta o exército afirmou que “não comenta situações inverídicas”.

Deputado federal pelo Partido Democratas, divulgou fake news sobre Marielle em seu Twitter.

A morte de Marielle Franco, vereadora do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), assassinada no dia 14 de março deste ano, também rendeu diversas fake news. Dados colhidos pelo Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) traçaram o caminho das notícias falsas de maior repercussão sobre o assunto. O site Ceticismo Político ficou em primeiro lugar, a publicação que abordava o envolvimento da vereadora com o crime organizado foi compartilhada mais de 360 mil vezes no Facebook. No Twitter, entre o dia 16 e 18 de março, a informação gerou mais de um milhão de impressões e envolveu cerca de 4 mil usuários, segundo o Labic. Uma pesquisa realizada pelo Datafolha revelou que a maioria dos moradores do Rio de Janeiro recebeu pelo menos uma notícia falsa sobre a morte de Marielle. Entre elas, aquela que cita um suposto casamento entre a vereadora e o traficante Marcinho VP foi a que atingiu mais pessoas, 60% dos entrevistados, mas apenas 6% a consideraram verdadeira. Outras notícias também foram citadas na pesquisa: “Marielle defendia bandidos”, “Marielle tinha envolvimento com facções criminosas”, “Marielle foi eleita pelo comando vermelho”, todas falsas.

O papel do jornalista

Notícias falsas sempre existiram, mas se intensificaram com o surgimento das redes sociais. É nesse cenário que o papel do jornalista se destaca para checar os materiais, “somos treinados para reconhecer, apurar e descrever fatos reais. Fomos capacitados para exercer a função de faróis para uma sociedade que navega em mares turbulentos de desinformação” afirma Rodrigo Lopes, repórter internacional, com 20 anos de experiência, pelo Grupo RBS.

Rodrigo Lopes, repórter internacional do Grupo RBS

As redações estão mais enxutas e exigindo mais rapidez na produção e publicação das matérias. Esse fato somado ao surgimento das fake news, tem trazido um dilema para muitos profissionais da área: ser veloz e acreditar nas informações que chegam até a redação ou perder a oportunidade do furo e investir um tempo maior para chegar os materiais. Lopes alega que essa rotina corrida não pode ser desculpa para uma apuração descuidada, “fake news se combate com bom jornalismo, voltando-se às bases da profissão: checagem, apuração, diversidade de fontes. Ouvindo não os dois lados, mas o maior número de lados possíveis de uma história.”

Os jornais, devido a uma lógica de mercado e por conta das novas plataformas de distribuição, passaram a conviver com uma questão que a TV e o rádio já estavam acostumados: a briga por audiência. A lógica da indústria de jornais antigamente era: vender anúncio e assinaturas. Hoje, com os sites e aplicativos, nos quais é possível ver o nível de engajamento das notícias, a audiência se tornou algo fundamental. Para chamar a atenção do público, alguns jornais publicam títulos apelativos e sensacionalistas, que valorizam aspectos que nem sempre são os mais importantes. Isso faz com que o público clique na reportagem e siga para o site do jornal, onde se depara com um título que não condiz com a notícia. “Esse procedimento é preocupante. O caminho para o bom jornalismo certamente não passa por esse tipo de atitude. Acredito que boas histórias, bem contadas e bem apuradas se bastam por si só para atrair o leitor”, afirma Rodrigo.

Seu papel nessa indústria

Sozinhas as fake news não causam nenhum impacto, para isso elas precisam ser compartilhadas, acessadas, propagadas e quem é responsável por isso? Você.

Em 2016 o Dicionário de Oxford escolheu a “pós-verdade” como a palavra do ano. O mundo está vivendo essa era, onde a crença pessoal tem mais importância que os fatos objetivos. As pessoas estão tão preocupadas com informações baseadas em suas ideologias e pensamentos, que nem se detém em verificar se elas são verdadeiras ou não.

Lopes acredita que as notícias falsas se espalham com maior rapidez porque são muito mais sedutoras, no imaginário da população, do que o real. Para ele é muito mais fácil acreditar em teorias conspiratórias, fofocas do que no relato real. “Se observarmos, as notícias falsas tendem a atender desejos ou reforçam opiniões já pré-estabelecidas. Se uma pessoa tem determinada visão de mundo e uma notícia falsa traz um conteúdo que vai ao encontro de seu pensamento, ela fica mais propensa em acreditar e divulgar a eventual mentira” explica.

Josiele Rangel, egressa do curso de Jornalismo da Ulbra

Em seu artigo “A viralização de notícias falsas no Facebook: uma análise do ponto de vista dos usuários”, produzido em 2017, a jornalista Josiele Rangel aplicou uma pesquisa com 179 usuários da rede. Ela formulou oito perguntas referentes ao tema e, apesar do panorama da pesquisa apontar que os entrevistados não leem e nem repassam fake news, ao analisar as 179 respostas individualmente, 44 apresentaram contradições.

A análise apontou que 25% dos entrevistados se contradisseram em suas informações. Destes, 70% apresentaram incoerência em suas respostas quando disseram que compartilham as informações porque é exatamente o que pensam, mas também afirmam verificar a veracidade da notícia em outras fontes. Ao final da pesquisa chegou-se a três itens como as principais razões do compartilhamento de fake news no Facebook: os usuários perderam ou estão perdendo o apego com a verdade e a objetividade, dando ênfase apenas aos seus próprios pensamentos, os usuários só seguem perfis de pessoas que pensam iguais a eles, tornando-os mais propensos em compartilhar notícias falsas que confirmam o que eles já achavam antes, porque estão dentro de um círculo e, o posicionamento político.

Um levantamento feito ano passado pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai), da Universidade de São Paulo (USP), mostrou que cerca de 12 milhões de pessoas difundem notícias falsas sobre política no Brasil. O dado é resultado do monitoramento de 500 páginas digitais de conteúdo político falso ou distorcido. Os pesquisadores foram unânimes em afirmar que as fake news podem ganhar protagonismo na próxima disputa presidencial brasileira, com potencial de alcance maior do que as informações de fontes reconhecidas como confiáveis.

Portanto fique alerta para não cair em nenhuma mentira mascarada de verdade. Para ajudá-lo nessa missão, veja algumas dicas:

1. Cheque a fonte da fonte

Muitos sites de notícias republicam notas que saíram em outros sites, principalmente quando o idioma é diferente. Duas situações são possíveis: um erro de tradução que pode tirar o sentido original da notícia ou a própria nota original ser uma fake news. Por isso, clique no site da fonte e, se possível, leia no idioma original para conferir se houve erros na tradução ou se o site que gerou a notícia é confiável.

2. Aprenda sobre o site que está visualizando

Muitos sites, canais no Youtube e perfis nas redes sociais têm como objetivo a propagação destas notícias falsas. Se nunca ouviu falar no site que está lendo uma publicação, procure ver se ele possui informações de contato e quem são os responsáveis pelas publicações.

3. Leia a matéria completa, não apenas sua chamada

Antes de clicar no botão de compartilhar, leia a matéria completa. As chamadas no Facebook são facilmente editáveis por qualquer um que esteja compartilhando um link, tendo um alto potencial de serem falsas ou gerarem um sentimento equivocado em relação a matéria completa. Quanto mais impressionante for a chamada, maior deve ser a sua suspeita em relação a sua veracidade.

4. Preste atenção na URL

Apesar de não ser 100% confiável, olhar a URL da notícia pode identificar sua confiabilidade. Alguns sites mal intencionados possuem nomes semelhantes a grandes sites como G1, Exame e Época. Por isso, ao clicar na notícia, confira a URL principal do site e certifique-se de que é a mesma do site original.

5. Cheque erros de formatação ou ortografia

Como muitos sites de notícias falsas não são comandados por profissionais, fique de olho no design e até mesmo a ortografia da matéria. Erros pequenos são comuns mesmo nas publicações mais relevantes, mas quando os erros grotescos são o padrão de um site, é bastante possível que esteja lidando com fake news.

6. Confira a data de publicação dos posts

A notícia pode até não ser falsa, mas por ter acontecido há tanto tempo, e ser publicada atualmente, irá se tornar uma fake news. Por isso, sempre verifique a data de publicação antes de compartilhar um post e suspeite caso essa data não esteja clara no site de origem.

Documentário “Fake news — baseado em fatos reais”, produzido pela Globo News

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