O urbanista Cassio Taniguchi está à frente da Suderf, autarquia responsável pela implantação do plano de mobilidade urbana da Região Metropolitana de Florianópolis. Foto de Jaqueline Noceti/Divulgação

Florianópolis aposta no BRT contra o caos do congestionamento

Dauro Veras
Coletânea de reportagens
8 min readDec 21, 2015

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Florianópolis lidera o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH-M) entre as capitais brasileiras e é um dos principais destinos turísticos do país. Contudo, seus atrativos também trazem problemas aos moradores e visitantes. Entre 2000 e 2010, a população cresceu o dobro da média nacional. Congestionamentos de trânsito fazem parte do cotidiano das 900 mil pessoas que vivem nos 13 municípios da região metropolitana. Um estudo técnico propõe atacar a questão de forma integrada, priorizando o transporte coletivo e o não motorizado. O BRT (sigla em inglês para ônibus de trânsito rápido) é recomendado como principal alternativa de transporte, por ser mais barato que os sistemas sobre trilhos e demandar menor tempo de implantação.

Com 97% do território situados em uma ilha, a cidade sofre as consequências do planejamento errático da ocupação do solo e do modelo rodoviarista de desenvolvimento. Florianópolis é a segunda capital brasileira na proporção de carros por pessoa — 2,14 por habitante –, atrás apenas de Curitiba. Na região metropolitana, 48% dos deslocamentos se dão de carro e motocicleta, contra apenas 27% de ônibus. Sua malha viária é a pior entre as 27 capitais brasileiras e a segunda pior do mundo, num universo de 120 cidades analisadas em pesquisa do arquiteto e urbanista Valério Medeiros, da Universidade de Brasília (UnB), com dados atualizados em 2015.

Um estudo de 5 mil páginas, divulgado em 27 de novembro, dá respaldo técnico às políticas públicas que estão sendo planejadas na área. Resultado de três anos de trabalho, o Plano de Mobilidade Urbana Sustentável da Grande Florianópolis (Plamus) faz um diagnóstico da situação e recomenda uma série de ações até 2040. O Plamus foi realizado por um consórcio de empresas (Logit, Machado Meyer Sendacz Advogados e Strategy&), com financiamento não reembolsável do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Sua premissa é a promoção do desenvolvimento urbano orientado pelos eixos de transporte de massa.

“Já fazemos isso em Curitiba desde os anos 1970”, diz o engenheiro e urbanista Cassio Taniguchi. Ex-prefeito da capital paranaense, ele assumiu em fevereiro a Superintendência de Desenvolvimento da Região Metropolitana da Grande Florianópolis (Suderf), autarquia criada pelo governo de Santa Catarina para coordenar as ações de mobilidade urbana na região. Taniguchi destaca a importância do controle social para que o plano não sofra descontinuidade. Estima-se que as ações vão demandar investimentos de R$ 3 bilhões e devem representar economia de R$ 1,38 bilhão à sociedade, somente com ganho de tempo. O edital para o BRT será lançado no primeiro trimestre de 2016.

O estudo recomenda a ampliação de ciclovias — dos atuais 64 km de trechos fragmentados para 350 km em rede conectada; o transporte aquaviário complementar e o uso de veículos menores para transporte de carga. Também propõe a construção de 146 km de ruas completas — para veículos motorizados, ciclistas e pedestres — e 30 km de ruas Zona 30, em que a velocidade máxima é de 30 km/h. Se adotadas essas soluções, até 2040 o tempo médio de viagem com transporte individual deve cair de 29 pra 22 minutos e o de transporte público, 60 pra 40.

“O estudo limpa a discussão sobre alternativas de modos de transporte”, diz Werner Kraus Júnior, professor do Departamento de Automação e Sistemas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que dá suporte técnico ao Plamus. “Podemos agora nos concentrar na política pública voltada para a região metropolitana”. Ele lembra a importância do Estatuto da Metrópole, promulgado em janeiro, que estabelece diretrizes de governança interfederativa, com prevalência do interesse comum sobre o local.

O arquiteto Lino Peres, coordenador do Grupo de Estudos de Mobilidade Urbana e Sustentável da UFSC e vereador de Florianópolis (PT), avalia que o estudo é um avanço, mas só sairá do papel se houver vontade política: “Vai ser necessário ter integração institucional entre os municípios e qualificar profissionais que ataquem um conjunto de políticas públicas”, afirma. “Não há como desarticular mobilidade urbana do Plano Diretor e da exploração imobiliária, que tem empurrado a população de baixa renda para os municípios vizinhos”. Peres critica a falta de participação popular no Conselho Municipal de Transportes.

“É uma luzinha no fim do túnel, mas depende da mobilização da sociedade”, opina Anita Pires, presidente da ONG FloripAmanhã, que incentiva o desenvolvimento planejado da cidade. “Tudo o que puder qualificar o transporte, a princípio, é visto com simpatia, mas não adianta ter BRT em um regime de concessão como este, que não tem controle público nenhum”, comenta Victor Khaled, militante do Movimento Passe Livre. A organização foi fundada como movimento nacional depois da “Revolta da Catraca”, uma série de protestos em 2004 e 2005 contra o aumento de tarifas de ônibus na capital catarinense.

No verão, os problemas triplicam

O setor turístico é uma importante fonte de renda para Florianópolis, movimentando hotéis, restaurantes, bares e o setor de vestuário, entre outros. Um efeito colateral da atividade é que os problemas de mobilidade urbana se intensificam no Verão. Nos momentos de pico, o município chega a triplicar sua população de 370 mil habitantes. Engarrafamentos, falta de água, quedas no fornecimento de energia elétrica e acúmulo de lixo causam transtornos a moradores e turistas. Nesta temporada, os órgãos de turismo preveem um aumento de 20% no número de visitantes, pois a alta do dólar tem incentivado a preferência por destinos nacionais.

Paciência é um ingrediente indispensável no dia a dia da cidade. Por exemplo, o percurso de escassos 15 km entre o centro e a praia da Joaquina, um conhecido destino dos apreciadores do surfe, pode levar duas horas. A lenta travessia entre a porção continental e a insular da Grande Florianópolis, por apenas duas pontes de acesso, é um sintoma do que os urbanistas chamam de “movimento pendular” no trânsito, provocado pela concentração de empregos e oportunidades de lazer na parte central e de residências nas áreas periféricas, onde os imóveis são mais baratos.

“As dificuldades de mobilidade urbana atrapalham a qualidade do turismo e também a logística operacional dos estabelecimentos”, diz o presidente da seccional catarinense da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Fábio Queiroz, que também preside o Fórum de Turismo de Florianópolis (Fortur). Ele conta que diversos comerciantes precisam adotar horários alternativos para que suas equipes consigam chegar a tempo ao local de trabalho. Outros restaurantes e bares terminam contratando somente quem mora perto ou providenciam locais provisórios de moradia.

Uma pesquisa da Federação Catarinense de Comércio (Fecomércio) sondou a avaliação dos turistas em relação à temporada de Verão de 2014 no litoral de Santa Catarina. Nove em cada dez visitantes afirmaram que pretendem retornar ao Estado — o índice foi de 83,1% em Florianópolis. Entre os que responderam negativamente, a infraestrutura viária é uma das principais razões de insatisfação. Dos turistas entrevistados, 73% não utilizaram transporte coletivo na capital, onde os intervalos entre os ônibus em algumas linhas chegam a durar horas. Queiroz reclama da má qualidade do serviço de ônibus e do pequeno número de táxis. “O transporte público precisa ser feito de forma mais inteligente, não apenas através de grandes investimentos”, sugere.

“O problema da mobilidade urbana em Florianópolis já independe de estação do ano”, diz o secretário estadual de Planejamento, Murilo Flores. “Estamos fazendo uma série de obras de infraestrutura para amenizar a situação, mas isso só vai ser resolvido quando tivermos um transporte público eficiente. Queremos que esse projeto saia das mãos do governo e fique nas mãos da sociedade”.

Desde agosto, a Prefeitura tem realizado reuniões com mais de 70 instituições públicas e privadas para organizar a Operação Presença — Verão 2016. O objetivo é organizar uma estratégia conjunta de preparação da cidade para a alta temporada. Quatro eixos temáticos estão sendo trabalhados: infraestrutura; serviços e equipamentos turísticos; cultura e lazer, e sustentabilidade. Segundo os organizadores, 75% das ações apresentadas foram respondidas na temporada passada. Nesta, a meta é chegar a 90%.

O secretário de Mobilidade Urbana de Florianópolis, Vinicius Cofferri, assegura que o município está em sintonia com a abordagem integrada do Plamus e o mesmo se dá com os empresários de transporte com quem tem conversado. “Todas as concessões e contratos terão de ser ajustados ao novo modelo”, diz. Com investimentos superiores a R$ 500 milhões, os projetos de instalação de corredores de BRT devem ter as obras concluídas no prazo de cinco anos. As obras prioritárias incluem o alargamento de calçadas, a construção de ciclovias e a restrição de carros em algumas áreas da cidade.

Ciclovias são parte da solução para os deslocamentos em Joinville

Vladimir Constante, presidente do IPPUJ: meta é elevar o índice do uso da bicicleta em Joinville de 11% para 20% até 2025. Foto: Jaksson Zanco/Prefeitura de Joinville

A Política Nacional de Mobilidade Urbana, instituída pela Lei 12.587/2012, deu prazo de três anos para que os municípios com mais de 20 mil habitantes elaborem planos de mobilidade, caso contrário ficarão impedidos de receber recursos federais para o transporte. Joinville (SC) é um dos primeiros do país a cumpri-lo. Aprovado no dia 25 de março, seu plano prioriza o transporte não motorizado e o coletivo. Em torno de 11% dos 562 mil joinvilenses se locomovem de bicicleta — o maior índice entre as cidades de seu porte, cuja média é de 2,5%. A meta é elevar o uso para 20% até 2025, aproveitando as vantagens da topografia plana e do hábito já consolidado.

“Bicicleta não é só coisa de moda, ela é parte da solução para as questões de mobilidade”, diz o presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento para o Desenvolvimento Sustentável de Joinville (Ippuj), Vladimir Constante. “Queremos mudar o paradigma desenvolvimentista de fazer obras caras que são soluções por tempo limitado”. O plano de mobilidade urbana tem como meta quadruplicar os atuais 145 km de ciclovias e ciclofaixas. “Esses 600 km adicionais têm custo de R$ 30 milhões, equivalente ao de um viaduto, com a vantagem que beneficiam a cidade inteira”, compara.

O Plano de Mobilidade Urbana Sustentável do Rio de Janeiro (PMUS), em elaboração desde 2014, tem término previsto para este mês. Sua prioridade é orientar os investimentos em transporte para a próxima década. Segundo a Prefeitura, os investimentos no sistema de Veículos Leves sobre Trilhos (VLT), nos corredores BRT e na linha 4 do metrô, em parceria com o governo do estado, vão resultar na oferta de transporte estruturado para 63% dos habitantes do município já a partir de 2016, beneficiando também os turistas que assistirão aos Jogos Olímpicos. Em 2009, menos de 18% dos habitantes do Rio eram atendidos por transporte de alta capacidade.

“Esse plano está sendo elaborado a partir de estudos profundos da área, com ampla participação popular”, diz o secretário municipal de Transportes, Rafael Picciani. Ele informa que, ao longo de 2015, o PMUS contou com a participação de 2,7 mil cariocas, que enviaram 400 propostas e contribuíram com 18,3 mil votos por meio de plataformas on-line e oficinas presenciais. “As premissas do plano ultrapassam a questão de governos e vão direcionar todo o investimento público na área de mobilidade, colocando o Rio de Janeiro no caminho das grandes metrópoles mundiais”.

A previsão do secretário é que o VLT esteja em operação plena no próximo ano. Seu custo é de R$ 1,16 bilhão, dos quais R$ 532 milhões vêm de recursos federais do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Mobilidade e R$ 625 milhões estão sendo viabilizados por meio de PPP. O plano contempla a criação de 11 eixos de BRT, integrados a outros modais. Dois corredores já estão em operação: o Transoeste (Barra da Tijuca-Santa Cruz) e o Transcarioca (Barra-Aeroporto Internacional Tom Jobim). Em 2016 será inaugurado o Transolímpica (Deodoro-Recreio) e no ano seguinte, o Transbrasil (Deodoro-Centro).

Esta reportagem foi publicada na edição de 18 de dezembro de 2015 do jornal Valor Econômico. Os dois últimos parágrafos e as 2,5 linhas finais do antepenúltimo não constam da versão original.

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