Repórter 60+

Publicação do Projeto Repórter 60+

Guia da Cidade Negra: Você conhece esta São Paulo?

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5 min readJun 26, 2021

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Por Bell Galvão

Monumentos, igrejas, festas religiosas, carnaval. A influência histórica dos negros está por todas as partes em São Paulo, tanto na região central quanto nos bairros. Quer saber um pouco mais da história desses locais e conhecer alguns de seus personagens marcantes? Confira então abaixo o roteiro que preparamos.

MONUMENTOS E PERSONAGENS HISTÓRICOS

Igreja Santa Cruz das Almas dos Enforcados. Crédito: Shutterstock

Era na Sé e na Santa Ifigênia, no centro de São Paulo, que viviam os africanos da São Paulo da metade do século 18. A vila possuía então cerca de 30 mil habitantes, dos quais 7 mil eram pessoas submetidas à escravidão. Elas habitavam as senzalas das chácaras que, na época, eram a periferia paulistana. Nelas, mulheres eram encarregadas dos serviços domésticos e homens exerciam atividades variadas: da construção de casas ao plantio de pequenas lavouras.

Antes de ser “da Liberdade”, a Praça da Liberdade era “da Forca”, Largo da Forca. Já o Largo Sete de Setembro era “do Pelourinho” e na atual Rua da Glória a Capela Nossa Senhora dos Aflitos seria o futuro Memorial dos Aflitos, com ossadas e outros resquícios arqueológicos do antigo Cemitério dos Aflitos.

Capela Nossa Senhora dos Aflitos. Crédito: Nossa Senhora dos Aflitos | Arquidiocese de São Paulo (arquisp.org.br)

E você sabe o porquê do nome Liberdade? O bairro hoje conhecido pela presença oriental e que aos domingos tem uma feira gastronômica e de artesanato tem origem negra.

Em 1821, o cabo do Exército imperial Francisco José das Chagas, o Chaguinhas, rebelou-se porque não recebia salário por ser negro. Foi levado ao Pelourinho para ser enforcado. A corda arrebentou. O povo achou estranho e pediu para os oficiais não o matarem pois era um sinal divino. Mas estes o mandaram enforcar novamente. A corda arrebentou pela segunda vez e o povo começou a gritar “Liberdade! Liberdade! Liberdade!”.

Entrevista com Eliz Alvez, da União dos Amigos da Capela dos Aflitos (UNAMCA)
No alto, a partir da esq.,estátua Mãe Preta; Igreja Nossa Senhora do Rosário, no Largo do Paissandu; Igreja das Chagas do Seráphico Pai São Francisco, no Largo São Francisco. Abaixo, Ladeira da Memória, no Anhangabaú; Estátua Zumbi dos Palmares, na Praça Antonio Prado; Igreja Nossa Senhora da Boa Morte. Créditos: Wikimedia Commons

LUIZ GAMA

Busto de Luiz Gama no Largo do Arouche. Crédito: Ambiente Cultural

Nascido em Salvador e vendido como escravo aos dez anos pelo próprio pai, Gama conseguiu se libertar em São Paulo, onde trabalhou como advogado e jornalista e foi responsável pela libertação de mais de 500 pessoas escravizadas. Em 2015, 133 anos após sua morte, a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo, concedeu-lhe o título de “advogado”, uma vez que não era formado, mas atuava como abolicionista.

FÉ E CULTURA POPULAR

A fé que nos une é também embalada por sons e tambores. Assim é a Festa da Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos da Penha, que comunga o sincretismo religioso com as culturas populares.

Mulheres se apresentam durante festa na Penha. Crédito: Vanderson Satiro/Divulgação

A Igreja Rosário dos Homens Pretos da Penha está situada no bairro da Penha de França, na zona leste de São Paulo. Sua importância para a cidade deriva do fato de ter sido construída pela Irmandade dos Homens Pretos, grupo fundado por negros escravizados no século 18. Seu significado transcende a simplicidade do edifício, feito em taipa de pilão e com apenas uma nave, capela-mor, galeria lateral e sacristia, devido à falta de recursos da Irmandade.

A festa passou a ocorrer anualmente e chegou a ser incluída no calendário oficial de São Paulo. Começa no primeiro domingo de junho com o levantamento do mastro e tem seu ponto alto no dia 21, quando ocorre a tradicional coroação dos ‘’reis da festa’’ e a evolução de 17 grupos de cultura popular, incluindo congadas, moçambiques, maracatus e folias de São Paulo e Minas Gerais.

Depois de um bom tempo sem tocar o outro na pandemia, a Festa do Rosário será o melhor local para celebrar a vida e abraçar a ancestralidade. Nela, o abraço, o acolhimento, o carinho e o afeto serão uma constante”, afirma Patrícia Freire, do Movimento Cultural da Penha.

A primeira Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de que se tem notícia surgiu em São Tomé, na África, durante o século 16. No Brasil, os jesuítas fundaram outras irmandades a fim de congregar os escravos nos engenhos. São famosas as Festas de São Benedito promovidas pelas Irmandades da Penha, do Paissandu, da Brasilândia, do Jaçanã e da Casa Verde.

ESCOLAS DE SAMBA

Integrantes da Lavapés, a escola de samba mais antiga em atividade em São Paulo. Crédito: Acervo José Madre e Dona Lúcia Madre

A Primeira de São Paulo é considerada por alguns como a pioneira, mas a primeira escola a se firmar no carnaval paulistano foi a Lavapés, fundada em 1937 por Madrinha Eunice e Chico Pinga, no bairro da Liberdade. A formação do carnaval paulistano tem como base fundamental as festas de caráter religioso-profano das pequenas cidades interioranas — como as congadas, os moçambiques e os sambas de pirapora, vivenciados geralmente fora da capital em cidades como Capivari, Tietê e Piracicaba — , além das comemorações feitas pela comunidade negra na periferia de São Paulo que acabariam por se refletir na música dos cordões carnavalescos paulistanos, que por sua vez influenciariam as futuras escolas de samba da capital.

NEGRITUDE

Fachada da Galeria do Rock. Crédito: Wikimedia Commons

Nos anos 1970, a Galeria do Rock se firmou como uma referência da exaltação à negritude paulista no Movimento Black, embalado pelo som do Jorge Ben Jor: “Negro é lindo / Negro é amor / Negro é amigo / Negro também é filho de Deus”.

Localizada na região central, a galeria reúne lojas de discos, de roupas e salões de cabeleireiros que na época “ditavam o costume” da juventude negra da capital. E ajudavam a divulgar os bailes black, onde essa juventude se encontrava e se divertia sob o sentimento de unidade racial.

A migração do Movimento Black pelas ruas do centro influenciou os encontros que começaram na Rua Direita, passaram pelo Viaduto do Chá e foram para as galerias da Rua 24 de Maio na segunda metade dos anos 1970, onde permaneceram até o começo dos anos 1980. Depois, partiram para a Praça Antonio Prado, no lado oposto do centro, e para a Estação São Bento do Metrô, onde surgiu o hip hop brasileiro.

Marcelo Oliveira, o MC Who, do Movimento HIP HOP Cultura de Rua, fala sobre música e cultura

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