Literatura escassa na feira para deficientes visuais

Francisco Amorim
Reporteros
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4 min readNov 19, 2017
Poucas obras disponíveis em braille na feira

(Por Gabriel Gaidzinski, Jordan Quevedo, Juliano Batista, Larissa Ferreira, Leonardo Hoffmanne Nicoly Reis)

A leitura para deficientes visuais vem sendo pouco estimulada em um dos mais importantes eventos da capital que incentiva a leitura, a Feira do Livro sediada na capital porto-alegrense. Segundo aponta o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no Brasil há aproximadamente 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual. O site “Bengala Legal”, que trabalha em cima de assuntos acessíveis, de inclusão social e direitos humanos (artigos, pessoas com deficiência, áudios e vídeos, psicologia), relatou: “É considerado cego ou de visão subnormal aquele que apresenta desde ausência total de visão até alguma percepção luminosa que possa determinar formas a curtíssima distância”.

Mesmo sendo um número expressivo, pessoas com deficiência visual encontram dificuldade na questão de leitura e aprendizagem, sendo distanciados da cultura apresentada a todas às pessoas do nosso país. Pela primeira vez na Feira do Livro,

Priscila Machado de 24 anos, e deficiente visual esteve no evento na última segunda-feira (06), ela contou pouco mais de sua vida e sua relação com a leitura:

“Faço curso de teatro e massoterapia, não gosto muito de ler, mas quero muito tentar. Adoro histórias de terror e de ação, porém só comprei um livro até hoje, Harry

Potter. Prefiro leitura com livros em braile por ser mais interessante, mesmo tendo opções de leituras a disposição através de computadores”, finalizou.

Comerciantes, editores, jornalistas e escritores que estavam expondo suas publicações, demonstravam um nítido comportamento surpreso ao serem abordados sobre o assunto de livros acessíveis. Apenas duas das trinta e seis bancas entrevistadas possuíam materiais em braile devidamente a disposição para estas pessoas, número bastante insatisfatório para o público que necessita.

De 1º a 19 de Novembro, Porto Alegre recebe a 63ª Feira do Livro, tradicional e mais importante evento cultural da cidade, é também referência no país pela consistência no incentivo a leitura. Localizada na Praça da Alfândega, no coração da cidade, a Feira do Livro é dividida em diversas áreas de exposição das publicações, como: área geral, área internacional e área infantil-juvenil. Com isso, exemplares de centenas de escritores estão espalhadas pela “Cidade dos Livros”.

Os livros expostos na feira giram na média de mil e quinhentos exemplares por banca. Desses exemplares, a grande maioria são lançamentos e “Long Sellers” (nome dado a livros que perpetuam nas bancas por muitos anos sendo vendidos com alta frequência), entretanto, essas publicações não possuem versões acessíveis. “O poder aquisitivo é pequeno. Não temos como publicar um livro de mil páginas em braile. Sai muito caro”, diz o comerciante Osmar Santos, ao explicar um dos motivos das poucas publicações de livros em braile no mercado.

Márcia Martins, editora e comerciante de livros típicos do Rio Grande do Sul, lançou um livro em meados de 2011, cujo capa era escrita em braile. Em conversa, Márcia relatou a importância da literatura para pessoas com deficiência visual e demonstrou ter esperança para que as publicações passem a fornecer versões acessíveis: “Devemos lutar para que haja uma controvérsia nesta história, precisamos educar crianças deficientes e ter a disposição os livros acessíveis. Eu gostaria de fazer um livro em braile de cada edição lançada, porém temos uma dificuldade enorme para que possamos tornar isso realidade”, ressalva.

Os relatos que oscilavam entre o alto valor do produto e a baixa procura vieram à tona. Foi analisado que, ambos são resultado de um mercado onde profissionais são escassos, deixando os interessados cada vez mais distante da leitura, uma vez que quem necessita, sabe o quão difícil é encontrar. A falta de incentivo vinda de ambos os lados, proporciona um número cada vez menor, e o público interessado acaba por vez deixando de procurar gradativamente, já que a busca por conhecimento, não são fornecidos.

Apesar dos poucos espaços, há quem se dedique muito a isso, é o caso de Deise Zanin, 53 anos, voluntária no espaço para acessibilidade disponível na Feira do Livro. Portadora da Síndrome de Hurlei (doença genética que consiste na deficiência de enzimas do organismo, podendo causar ao indivíduo graves doenças físicas), Deise comenta seu empenho em ajudar as pessoas com necessidade: “Eu sempre soube que, na escola, por exemplo, eu era a estranha da classe. Eu sabia que era diferente dos demais, mas não sabia exatamente o que eu tinha. Descobri a doença quando tinha dezenove anos. Hoje faço o uso de medicamentos e, como eu passava por algumas situações desagradáveis na adolescência, não quero que pessoas que necessitam de ajuda passem por situações constrangedoras. Quanto mais eu puder ajudar o próximo eu vou ajudar. Acho que todos deveriam pensar também. Poderíamos começar com livros acessíveis para as pessoas que realmente necessitam, por exemplo. Pessoas que querem ler e não conseguem. É muito difícil achar livro em braile porque é cara a produção do livro”, afirma.

A editora Paulinas é pioneira na confecção e publicação de livros em braile. Mesmo assim, é raro encontrar publicações que sejam acessíveis. Diante deste cenário, o pensamento que fica é: Não há livros acessíveis porque muitas editoras não encontram profissionais que possam realizar o desenvolvimento de um trabalho totalmente em braile.

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Francisco Amorim
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Jornalista, mestre e doutor em Sociologia. Professor de Jornalismo. Pesquisador nos grupos Violência e Cidadania (UFRGS) e Jornalismo Digital (UFRGS).