O preconceito na literatura

Francisco Amorim
Reporteros
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4 min readNov 19, 2017
Títulos comerciais são alvo de críticas. (Lucas Abrahão)

(Por Aldrey Dorneles, Lucas Eliel Gonçalves, Lucas Abrahão, Matheus Lima e Natália Supp)

Os conceitos de alta e baixa literatura surgiram antes mesmo do século XX e até hoje se encontram enraizados no meio literário, e mesmo que sua definição não seja conhecida, os efeitos colaterais deixados por eles podem ser facilmente identificados no dia a dia da leitura, não somente do Brasil, mas como de outros países. Um simples exemplo é quando uma leitura tida como clássica é exaltada em detrimento de uma leitura mais atual. No dia 5 deste mês, a reportagem foi até a 63° edição da Feira do Livro de Porto Alegre e lá pôde ver exemplos de como o preconceito causado por estas concepções é posto em prática, mesmo que de forma quase despercebida.

Para a doutora em Letras pela Universidade de Santiago de Compostela e professora da graduação de Letras na UniRitter, Raquel Bello Vázquez, o surgimento das concepções de alta e baixa literatura é uma questão puramente histórica e social — “Os conceitos têm a ver com o próprio contexto histórico e social da disciplina de Literatura no início do século XIX, onde surge a ideia de que ela é a representação de uma imagem nacional e deve estar presente no meio escolar e acadêmico. A partir disto, nos países foram selecionados catálogos de obras para serem lidas e estudadas. Elas foram consideradas cânones e tidas como alta literatura e quaisquer outros textos ou gêneros que desobedecessem aos critérios estabelecidos, a exemplo de Romance Policial, Quadrinhos, Literatura Infanto-Juvenil, ou seja, Literatura de Massa a partir da metade do século XX, passaram a ser rotulados como baixa literatura. Nos últimos anos isso tem mudado um pouco, mas ainda é muito presente no meio literário” -.

No penúltimo domingo (5), a reportagem esteve presente na Feira do Livro de Porto Alegre. E ao fazer uma enquete com os visitantes, curiosamente pôde constatar que nenhum deles sabia da definição dos conceitos de alta e baixa literatura, mesmo que já tivessem posto em prática o preconceito causado por eles. Foi o exemplo de Jéssica, 17 anos, que após a explicação, disse já ter menosprezado alguns livros mais atuais — “Eu costumo ler o que é considerado baixa literatura. Nunca sofri preconceito por parte do meu meio social, mas devo admitir que já disse a alguns amigos que os livros de youtubers, esses que estão vendendo muito, nem podiam ser chamados de leituras”-.

Algo semelhante acabou sendo dito no final pelo casal Matheus e Letícia, 23 e 22 anos, que disseram: “Nós costumamos ler livros mais tidos como alta, principalmente os de leitura estrangeira e histórica. Achamos que não devemos julgar as leituras mais atuais porque cada obra tem seu público-alvo e o que importa no final das contas é a atualização, não importa qual tipo, mas devemos admitir que já julgamos livros de youtubers, dizendo que nem poderiam ser considerados livros (risos)”.

Embora muito criticado por aqueles que se consideram leitores assíduos da alta literatura e até mesmo por aqueles que consomem a classificada como baixa, o fenòmeno da “Literatura Youtuber” teve início recentemente, no ano de 2015, quando os youtubers Kéfera Buchmann e Christian Figueiredo lançaram os livros “Muito Mais Que 5inco Minutos” e “Eu Fico Loko: As desaventuras de um adolescente nada convencional, êxitos comerciais. Somente a obra de Kéfera, já em sua primeira tiragem obteve 230 mil unidades, em decorrência da alta demanda, de acordo com dados do Publishnews, divulgados na época. Desde lá, as editoras têm apostado nos criadores de vídeos para exercer Literatura. No ano passado, 4 dos 10 autores mais vendidos eram youtubers: Kéfera Buchmann, Jout Jout e Bel e Fran, segundo levantamento feito pela GaúchaZH. Esta aversão ao sucesso comercial também é diretamente ligada aos conceitos de alta e baixa literatura, como explica Raquel — “Fundamentalmente segundo os consumidores do que se é dito alta literatura, quando o livro é muito comercializado, exceto raras exceções, por definição ele já não é tido como algo de qualidade. Por outro lado, uma obra mais obscura e menos comercializada já é vista com mais apreço, pois ela tende a ser mais lida por pessoas mais elitizadas” -.

A equipe encontrou com Léia Cassol, renomada escritora no estado, ganhadora do Destaque Expositor da Literatura Infanto-Juvenil na Feira do Livro de Porto Alegre nos anos de 2007 e 2008, contando com mais de 20 obras publicadas pela editora Cassol. Colocada em pauta a discussão, Léia disse: “Na verdade essa coisa de alta e baixa cultura acontece em todos os meios, um deles é o musical, são vários setores e muitas vezes as pessoas consideram de qualidade só aquilo que elas consomem, exatamente como também acontece no meio literário. Durante minha vida, já vi diversas pessoas tratarem com menosprezo as leituras tidas como baixa literatura, simplesmente para sentirem superiores Na minha opinião, qualquer tipo de leitura é válida e vai te trazer uma bagagem cultural importante, pois como disse Evanildo Bechara, precisamos ser poliglotas em nossa própria língua”.

A afirmação da escritora é ainda complementada pela especialista, que disse: “Embora estejam presentes no nosso meio social, na prática estes conceitos não acabam sendo validados porque não passam de formas muito limitadas e errôneas de analisar a Literatura, em suma, desmerecendo os gostos da maioria, assim elitizando a leitura, que é para ser algo universal. Não existem critérios concretos para separar as obras nestas duas divisões. Além disto, estas concepções só contribuem para o preconceito no meio literário”.

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Francisco Amorim
Reporteros

Jornalista, mestre e doutor em Sociologia. Professor de Jornalismo. Pesquisador nos grupos Violência e Cidadania (UFRGS) e Jornalismo Digital (UFRGS).