Quando a sustentabilidade é apenas um apelo publicitário

Roberto V. Belmonte
Reporteros
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8 min readNov 7, 2017
Comparação entre embalagens antes e depois de decisão do Conar em março de 2014- Crédito: Carlos Eduardo Netto

Desde 2012, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) recebeu 59 denúncias de apelo à sustentabilidade. Saiba nessa reportagem quais são as marcas mais questionadas e conheça a associação que mais fiscaliza o greenwashing no Brasil. Este trabalho é resultado de apuração em banco de dados realizada por estudantes de Jornalismo do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter).

Por Carlos Eduardo Netto, Isabela Dutra, Louise Victória e Robson Nunes Guedes |Escola de Reportagem II — Apuração

há mais de uma década sabe-se que pneus descartados constituem um resíduo altamente danoso ao ambiente natural: podem contaminar o ar, o solo e o lençol freático. Além disso, contribuem para a propagação de doenças, como dengue, malária, elefantíase, leishmaniose e febre amarela. Por mais que os projetos de reuso e reciclagem venham evoluindo, ainda não se pode dizer sobre pneus que eles são “verdes”, ou ecológicos.

Levantamento realizado no banco de dados de decisões do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), desde o ano de 2012, revelou 59 denunciados em Apelos de Sustentabilidade, resultando 30 casos alterados, dois sustados, um alterado e advertido e 26 arquivados.

Bombril e Fiat foram as marcas mais denunciadas nos últimos cinco anos. Além disso, destacam-se Plastivida e Proteste, que, juntas, fizeram cerca de 45% das denúncias ao Conar.

O anexo U do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária considera Apelos de Sustentabilidade toda publicidade que comunica práticas responsáveis e sustentáveis, que orienta e incentiva a sociedade e que legítima associação de instituições, empresas e/ou marcas, produtos e serviços com causas socioambientais.

Nos anos de 2014 e 2016, a marca Bombril recebeu três denúncias, todas por usar o termo “ecológico” nas embalagens dos produtos sem apresentar informações que comprovem as alegações. Essas denúncias foram acatadas pelos relatores dos casos.

Em março de 2014, o anúncio “Bombril Eco” foi autuado nos artigos 1º, 3º, 6º, 27º, 36º e 50º, letra “b” do Código e seu Anexo U. Pela prerrogativa de que o termo utilizado “Produto 100% Ecológico” não possuía informações suficientes para sua comprovação, os conselheiros César Augusto Massaioli e Letícia Lindenberg determinaram a alteração do anúncio.

No mesmo ano, no mês de julho, a Bombril foi novamente notificada pelo Conar, nos artigos 1º, 3º, 6º, 27º, 36º e 50º, letra “b” do Código e seu Anexo U, dessa vez por utilizar o termo “reciclável e ecológico” acerca do aço e indicar a ausência de clorofluorcarbono na fórmula de um deles.

Um grupo de consumidores denunciou que “tais informações são desnecessárias e imprecisas, seja pelas características inerentes do metal, seja porque o uso da substância química é proibido por lei”. Os relatores do caso, Márcio Quartaroli, Mônica Gregori e Caio Ramos, determinaram a alteração dos termos utilizados nos produtos “Inseticida Fort” e “Polibril Polidor de Metais”.

Em julho de 2016, quando foi recebida a última denúncia, o problema se repetiu, já que a empresa continuou utilizando as expressões “Eco” e “100% ecológico” em seus produtos, nos artigos 1º, 6º, 27, 36 e 50, letra “b” do Código e seu Anexo U.

Segundo grupo de consumidores reunidos pela Proteste, o fato de o produto ser biodegradável não elimina outros problemas ao meio ambiente causados pelos produtos, além disso, denuncia a marca por reincidência.

A anunciante, em sua defesa, anexou estudos feitos pela Universidade de São Paulo (USP), que comprovariam que o produto não agride o meio ambiente e também que acatou estritamente as ordens do Conar.

A relatora do caso, Fernanda Tomasoni Laender, porém, não considerou atendidas as recomendações do Código e votou pela alteração do conceito “100% ecológico”, não havendo, entretanto, a necessidade de excluir o termo “Eco”.

A Bombril pediu 180 dias para se adequar às novas normas. A equipe de reportagem da revista Reporteros entrou em contato com a assessoria de imprensa da marca Bombril no dia 22 de outubro, pelo e-mail imprensa@bombril.com.br, porém não recebeu nenhuma resposta até o fechamento desta reportagem.

Pneu superdenunciado

Nos anos de 2016 e 2017, a Fiat foi denunciada ao Conar por usar a denominação “Pneu verde e Superverde” em seus carros, sem maiores explicações e comprovações. Os relatores dos casos acataram as denúncias.

Segundo grupo de consumidores reunidos pela Proteste, em dezembro de 2016, a Fiat alegou no anúncio “Pneu Superverde” que o produto traz uma vantagem supostamente ecológica, apesar de não apresentar informações comprobatórias. A marca foi denunciada conforme os artigos 1º, 6º, 27º, 36º e 50º, letra “b” do Código e seu Anexo U.

Em sua defesa, a empresa alegou que a menção não tem cunho publicitário, tendo em vista que esta é apenas a 13ª de 14 características do modelo Uno e que o termo, na verdade, foi dado pela fabricante do pneu, a Pirelli. Assegurou, ainda, que o produto traz economia de combustível. O relator do caso, Vitor Morais de Andrade, não acolheu a justificativa da defesa e determinou a alteração do anúncio.

Em abril de 2017, a Proteste novamente liderou o grupo de consumidores que denunciou a Fiat nos artigos 1º, 6º, 27º, 36º e 50º, letra “b” do Código e seu Anexo U pela utilização do termo “Pneu Superverde”, sob a mesma alegação de 2016: falta de informações que comprovem as vantagens ecológicas dos pneus. Outra vez, a Fiat se defendeu, alegando que a menção não tem conotação publicitária e que foi utilizada pela fabricante do pneu e, ainda, que o produto traz economia de combustível.

Os relatores do caso, Vitor Morais de Andrade e Herbert Zeizer, foram favoráveis à denúncia e propuseram a alteração do anúncio. A Fiat recorreu, mas a câmara revisora concordou, por unanimidade, com a decisão dos relatores. Ao ser questionada sobre as acusações, a empresa por meio de sua assessoria (imprensa.sp@fcagroup.com), até o fechamento da matéria, não respondeu a nenhuma das perguntas encaminhadas.

Aço ecológico?

Em maio de 2013, a empresa Native Produtos da Natureza, produtora de alimentos orgânicos que pertence à Usina São Francisco, responsável pela fabricação do Achocolatado Orgânico Native, foi denunciada por um grupo de consumidores reunidos pela Proteste.

A empresa, sediada na Fazenda São Francisco, na cidade de Sertãozinho, no interior do estado de São Paulo, foi acusada de utilizar os termos “Aço — Reciclável — Ecológico” na embalagem do produto. A ação da empresa se enquadraria em greenwashing, segundo avaliação do Conar na época.

De acordo com dados apurados no site do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, foi sugerida a alteração da embalagem do produto, pois, de acordo com o relator da denúncia, o material de construção da lata é reciclável, porém não é ecológico. Além disso, a propaganda induz o consumidor a entender que o produto em geral é 100% ecológico.

Segundo o relator do processo número 087/13, “a prática do greenwashing como estratégia de marketing é conhecida do mercado e cabe a instituições como o Conar e aos consumidores fazer com que ela seja reduzida”.

Segundo a assessoria de comunicação da Native, este foi um caso isolado devido à falha da legislação na época. A empresa jamais cometeria greenwashing, garante a assessoria, porque eles são o oposto desta prática e uma referência internacional em sustentabilidade.

Por votação unânime, foi sugerido à empresa a alteração da embalagem de modo que o termo “ecológico” não seja mais incluído.

“Gostaríamos de ressaltar que o aço é 100% reciclável e sua composição não muda no processo de reciclagem. Em média, uma lata de aço comum pode ser totalmente decomposta em poucos anos. Latas de aço são totalmente recicláveis, ou seja, quando você a descarta na coleta seletiva ela pode voltar infinitas vezes à sua casa, em forma de tesoura, maçaneta, arame, automóvel, geladeira ou até mesmo uma nova lata”, informou a Native por meio de sua Assessoria de Imprensa.

Ainda segundo a assessoria de imprensa da Native, o uso do selo ‘aço reciclável’ foi inserido na embalagem de Achocolatado Orgânico Native para informar que o produto é envasado em uma lata de aço e que é, portanto, comprovadamente reciclável e ecológico. “Afinal, saber que o aço é reciclável não é uma obrigação de todos”, ressaltou.

A assessora de comunicação da Native Graziele Do Val diz também que não existia no Brasil legislação específica que definisse a aplicação da simbologia de reciclagem, na época do ocorrido, tramitando apenas na ocasião um projeto elaborado pela Comissão de Estudo de Reciclagem de Embalagens do Comitê Brasileiro de Embalagem e Acondicionamento.

“A simbologia que foi aplicada nas embalagens de aço nada mais é do que a própria simbologia para descarte seletivo adotada nos anos 90 e que foi parte de uma reunião entre o Sindicato de Metais do Brasil e a Câmara Argentina, que, por acordo, países do Mercosul passariam a aplicar a simbologia Aço Ecológico e Reciclável”, informa.

Nossa reportagem perguntou também o que foi alterado na embalagem a partir da denúncia. “Nos comprometemos a retirar a informação das latas em questão, o que foi feito. Atualmente não temos mais nenhum produto acondicionado em latas em nossa linha de produtos”, relata.

“Entendemos que o Conar é um importante agente de regulamentação e que os trabalhos que são realizados trazem para a sociedade grande contribuições”, afirmou Graziele Do Val.

O principal denunciante

Das 59 denúncias feitas ao Conar, envolvendo apelos de sustentabilidade nos últimos seis anos (2012–2017), mais de 40% vieram da Proteste — Associação Brasileira de Defesa do Consumidor; sendo dezesseis alteradas e oito arquivadas.

A Proteste é uma entidade civil sem fins lucrativos, independente de governos e empresas, que atua na identificação de novos produtos que interessem a seus parceiros (estando entre eles associações europeias, belgas, italianas e brasileiras) e trabalha na defesa e no fortalecimento dos direitos do consumidor.

“O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) realiza um papel de extrema relevância para os consumidores e para a Proteste, como representante destes, pois, através dos resultados de seus julgamentos, muitas ofertas enganosas são alteradas, e o direito à informação é resguardado”, afirma advogada Livia Coelho, representante da Proteste.

Ainda segundo a porta voz da entidade, a Proteste tem por objetivo representar o consumidor comum. Dirige-se, por exemplo, aos supermercados e avalia os produtos que estão disponíveis à venda. Durante a análise inicial, os produtos que contêm algum apelo visual são comprados e, posteriormente, estudados pelos especialistas.

Antes das denúncias serem realizadas, os produtos são avaliados, tanto por uma equipe técnica, quanto por uma equipe de relações institucionais, que também são responsáveis por elaborar uma representação e acompanhar o procedimento junto ao Conar.

O que é greenwashing

O greenwashing, fiscalizado pelo Conar desde 2012, trata-se de prática de apropriação do valor ambiental por empresas, indústrias, governos, políticos ou mesmo organizações não governamentais. A finalidade desta prática é vender um produto ou política que vise a mudar a imagem de empresas anteriormente atingidas por alguma polêmica e que necessitem recuperar posição perante o público e legisladores.

Segundo o Guia de Comunicação e Sustentabilidade do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), o greenwashing é uma prática condenada em anúncios publicitários.

Como encaminhar queixas ao Conar

O consumidor pode encaminhar reclamações ao Conar preenchendo um formulário próprio no site do Conselho: , onde deverá detalhar o motivo da queixa e anexar pelo menos um arquivo que comprove a irregularidade do produto anunciado.

Veja aqui a tabela completa com todas as denúncias de apelo à sustentabilidade feitas ao Conar desde 2012 até junho de 2017.

Produção dos alunos da disciplina Escola de Reportagem II — Apuração / Manhã do campus Zona Sul da UniRitter. Supervisão: Prof. Roberto Villar Belmonte

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Roberto V. Belmonte
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Jornalista interessado em ensino do Jornalismo, ambiente e economia.