O monstro da angústia: versão final

Lorenna Lira
Representacao Visual School
7 min readNov 30, 2018

Completando a sequência referente ao cartaz produzido para a exposição da cadeira de Representação Visual, chegamos ao último texto que explicará o resultado final da peça e como cheguei a ele, as dificuldades encontradas e como foram resolvidas.

Como foi abordado no texto anterior, o Cartaz foi desenvolvido para compor uma exposição proposta pelas professoras da cadeira como trabalho final do período, onde cada aluno deveria produzir uma peça relacionada ao tema Criaturas e Sentimentos. A partir deste tema, optei por produzir minha composição relacionada ao subtema Angústia, e, para isso, busquei referências de ilustrações e frases que tivessem ligação com tal, a fim de entender qual seria a melhor maneira de materializar este sentimento junto às ideias que já possuía.

Como também já foi mencionado, das várias inspirações e referências utilizadas, uma teve um peso especial para o resultado da obra. Podemos dizer que a angústia se caracteriza como um sentimento indefinido, ou seja, como algo que não está claro. O indivíduo sente algum incômodo, tem a sensação de que alguma coisa vai acontecer, mas não consegue dizer exatamente o que e nem o porquê disso. Justamente por essa indefinição e incerteza, resolvi que iria fazer a minha criatura numa forma um tanto quanto abstrata, de um jeito que fosse possível entender que aquilo era uma criatura, mas que não se conseguisse identificar feições e traços muito claros.

Além disso, a intenção desse cartaz era, também, mostrar um pouco de como esse sentimento acaba sendo alimentado pelo próprio indivíduo, pelos seus medos e inseguranças. Desse modo, qualquer situação, por mais simples que pareça para algumas pessoas, pode tomar proporções muito maiores e atormentar os pensamentos de alguém de uma forma muito mais intensa, seja essa intensidade como “sentir tudo ao mesmo tempo” ou simplesmente “não sentir”.

Com as ideias e intenções bem definidas, referências selecionadas e um esboço feito, mesmo que de uma maneira um tanto quanto aberta, passei para a fase de produção do cartaz definitivo. Iniciei o processo fazendo mais outros esboços para testar as ideias de como seria a criatura e qual seria o estilo de ilustração utilizado, como poderia preencher os espaços que ainda estavam em branco no primeiro esboço, onde utilizaria cada cor e quais as combinações que causariam o impacto desejado na primeira vista de algum espectador. Além disso, também fiz alguns testes com tinta aquarela para ver as misturas de cores e como ficariam no material usado.

Ao começar o desenho oficial, senti uma grande dificuldade em conseguir encaixar todas as ideias e referências e cores e impressões que eu gostaria que a peça tivesse. Depois de algumas tentativas, resolvi separar as ideias e os pontos principais para o conceito do cartaz. Como queria demonstrar esses dois extremos de intensidade do sentimento (sentir demais e sentir de menos), optei por “dividir” a composição em duas partes, onde uma delas traria uma visão mais próxima da pessoa, da forma em que o mundo consegue (ou não) lhe ver, e a outra numa visão mais interna da pessoa, como ela verdadeiramente se sente quando a angústia lhe ataca com mais força. A partir daí, recomecei o processo do início e as coisas fluíram de uma forma mais satisfatória.

Dando continuidade ao processo de produção, tive uma preocupação em fazer a criatura da maneira mais representativa e, ao mesmo tempo, indefinida possível. Para conseguir passar a ideia que eu queria de indefinição e peso, optei por fazê-la utilizando a Lei da Proximidade da técnica de Gestalt. Com isso, conseguir o efeito que queria: um ser abstrato e de impacto na composição. Além da criatura, tive uma preocupação especial em preencher todo o espaço do Cartaz, pois queria que a peça fosse um tanto quanto “pesada” e espaços em branco tiravam um pouco dessa característica.

Depois das ilustrações principais feitas e espaços preenchidos, fiz uma seleção das cores que cada elemento iria tomar e de onde iria ficar a frase do cartaz: “Some days I feel everything all at once. Other days, I feel nothing at all. I don’t know what’s worse: drowning beneath the waves or dying from thirst”. Com todos os elementos devidamente posicionados e definidos, finalizei a obra passando as ilustrações para o definitio, adicionando as cores e detalhes. Finalmente a peça estava pronta.

O resultado do Cartaz foi o seguinte:

No detalhe, a criatura:

Como pode-se ver, o cartaz final é composto por um rosto de um garota, pela metade, com lágrimas escorrendo de seu olho e um papel colado com fita no lugar onde deveria ficar a boca. No papel, lê-se “I’m fine” (“estou bem”). Seu rosto e cabelos escuros se perdem na água na parte inferior da composição, onde estão imersos, também, planetas e uma espécie de pires. Em cima desse pires, há uma caneca cheia de água e, dentro dela, uma menina sentada e debruçada em seus joelhos, de costas para o espectador. Seu cabelo é formado por uma junção de palavras e flutua para fora da caneca, dando forma há uma criatura que derrama mais água para dentro do recipiente. Ao lado, pode-se ver a frase (já descrita acima) num fundo prateado e com glitter.

Como foi dito acima, o rosto da garota representa o modo como ela se mostra à sociedade. Embora esteja chorando, o papel colado em sua boca demonstra o seu esforço para parecer bem aos olhos dos outros, mesmo que este não seja o seu estado real. A lágrima que escorre dos seus olhos se estende para o rio em que a personagem está imersa até o pescoço, demonstrando que esta água vem dela e acaba sendo alimentada por ela mesma. Nesse rio, os planetas semi imersos vão afundando água abaixo, como uma espécie de “mundo desabando”, ou melhor, “universo desabando” (as estrelas no cabelo da personagem ajudam a complementar a temática de universo).

Dentro da caneca, a personagem debruçada passivamente dentro da água, aparentemente chorando, demonstra uma “aceitação” de seu estado de submersão. Seu cabelo se estende para fora do copo, dando forma à criatura com cabeça de jarro, por onde sai água que enche ainda mais o recipiente. Além disso, o cabelo e o monstro são formados por palavras, em inglês, que são nomes de estados e sentimentos ruins e, no meio, o nome “anguish” (angústia) se destaca por uma cor diferente, mostrando o sentimento regente da peça.

O fato da criatura ser uma extensão do cabelo da personagem e estar alimentado o copo em que ela se encontra imersa é uma metáfora que mostra como, de certa forma, boa parte dessa sensação de sufocamento característica da angústia é causada por nós mesmos, pela nossa bagagem emocional, experiências e traumas e, por isso, a frase acaba ganhando um forte sentido na composição. A questão de “se afogar entre as ondas” ou “morrer de sede” faz uma grande referência a essa dualidade entre sentir tudo demais e ao mesmo tempo ou não sentir nada, não se sentir vivo. E esse é justamente o significado da composição.

Com relação ao meio de transmissão, o cartaz foi feito em Papel Canson tamanho A3 e de 180 gramas. A obra foi feita em Canetas Posca, contou com o uso de glitter prateado no background da criatura e um pedaço de papel preto colado com fita crepe na boca do rosto maior. Como pode-se perceber, a composição foi toda feita com desenhos à mão e foram utilizadas técnicas e elementos específicos para contribuir com a transmissão da mensagem. A mais forte delas foi a técnica de Gestalt, da qual utilizei 2 leis para compor a criatura: a Lei da Proximidade e a Lei da Segregação.

A Lei da Proximidade diz que elementos muito próximos tendem a ser interpretados como uma única unidade pelo nosso cérebro, principalmente se esses elementos forem parecidos. Na composição, essa lei foi aplicada na criatura, de modo que as várias palavras próximas formam a imagem do ser, sem necessariamente vermos as linhas que o delimitam. Já a Lei da Segregação se refere à capacidade do nosso cérebro de diferenciar ou isolar elementos dentro de uma única composição devido à uma variação estética, o que ocorre com a palavra “Anguish”, no meio da criatura, por estar em tamanho maior e com uma cor diferente do resto das palavras.

Durante o processo de produção do cartaz, a maior dificuldade encontrada foi conseguir definir o estilo da peça, uma vez que a grande quantidade de referências selecionadas me faziam querer colocar todas em um único desenho, o que não seria visualmente agradável. Para conseguir resolver isso, tive que regredir um pouco no processo e redefinir as prioridades da obra: qual a mensagem que eu queria passar, como eu queria que isso fosse passado (de forma mais leve, mais pesada…) e qual era o meu desejo de como as pessoas deveriam receber a mensagem, pelo menos no primeiro momento. Com isso definido, ficou mais fácil escolher qual o estilo seria mais adequado e contribuiria melhor para a transmissão da mensagem.

Por fim, o Cartaz será exibido em uma exposição dentro da faculdade CESAR School, no dia 03 de dezembro de 2018, junto às outras peças produzidas por meus colegas de sala. A exposição será agrupada por sentimentos, de maneira que os sentimentos bons sejam separados dos sentimentos ruins. O público-alvo da exposição serão os alunos, professores e colaboradores da instituição.

É importante lembrar que, como dizia Stuart Hall em sua obra sobre Codificação e Decodificação, “o que define o significado único de cada mensagem é a bagagem social e cultural dos receptores. Ou seja: o significado da mensagem não é o mesmo em todo o mundo, nem para todo indivíduo”. Dessa maneira, cada pessoa que tiver contato com essa composição terá uma impressão e dará um sentido diferente à peça, e é justamente essa diversidade que torna este tipo de exposição um evento tão rico e significativo.

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