Anarquia, Estado e Utopia — Robert Nozick

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Resenhas Liberais

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“O Estado mínimo é o mais extenso que se pode justificar. Qualquer outro mais amplo viola direitos da pessoa” (NOZICK, 1991, p. 170)

De todos os contrapontos recebidos pela teoria rawlsiana, o mais relevante, sem dúvida, foi formulado por Robert Nozick (1938–2002). Contrariamente ao proposto pelo liberalismo igualitário, o autor libertário acreditava que a função do Estado deve estar limitada à proteção do indivíduo contra a violência e amparo na legitimidade dos contratos entre particulares.

Sua principal obra, Anarquia, Estado e Utopia, publicada originalmente em 1974, possui dupla preocupação: a primeira é justificar para anarquistas a razão da existência de um Estado, e a segunda é demonstrar para os igualitários o porquê de um Estado Mínimo.

Sua tese principal é que o Estado Mínimo seria um “ambiente para utopia”, onde cada um poderia viver conforme sua ideologia, desde que respeitando o outro. Contra a posição anarquista, Nozick tenta demonstrar que um Estado Mínimo é compatível com o direito à vida e liberdade, bem como o direito à propriedade, essencial para libertários.

Semelhante a Rawls, utiliza-se de uma abordagem deontológica e não utilitarista. Porém, dois pontos as distanciam: a forma de entender os direitos e a autopropriedade do indivíduo. Relacionada aos direitos, Nozick entende que consistiam apenas nas condições necessárias para que as pessoas pudessem levar adiante uma vida significativa, sendo apenas direitos negativos, com atuação lateral e de caráter exaustivo.

Os direitos negativos (ou não positivos) implicam numa abordagem de não interferência, ao passo que os lateralmente restritos correspondem em entender que cada indivíduo tem seu próprio campo de garantias, não devendo acontecer restrições por partes dos outros. Já o caráter exaustivo implica em prioridade deles em relação a outras possibilidades. O exemplo citado pelo autor foi o paralelo entre uma prioridade moral e uma propriedade privada já atribuída. Na sociedade libertária, a propriedade privada sempre terá preferência em relação a prioridade moral. A justificativa para esse modo de compreensão assenta-se no risco do Estado poder sempre exigir maiores sacrifícios para a sustentação de um “bem-estar social”, infringindo o direito alheio em prol desse ideal.

A segunda diferença essencial refere-se a autopropriedade que o indivíduo possui sobre si. Segundo Nozick, utilizar a abordagem rawlsiana ignora a autopropriedade, podendo ser entendido como uma escravidão moderna em nome da justiça. Nisso, formula uma crítica ao igualitarismo rawlsiano: se os talentos fazem parte de um acervo comum, porque não transferir um olho ou uma perna para um necessitado? Embora contra-intuitivo, não é vedado pela teoria e, a partir do momento em que se deixa de considerar uma pessoa proprietária de seus talentos naturais, incide-se no mesmo erro do utilitarismo, deixando de entender um indivíduo como fim nele mesmo, ignorando a dissociabilidade das pessoas.

A formação estatal em Nozick se dá de forma espontânea e progressiva. No Estado de Natureza, os indivíduos unem-se em “associações de proteção mútua” para melhorem o padrão de vida. Embora boa e efetiva, elas acabam por demandar muito esforço, o que implicaria em associações cada vez maiores e especializadas. Nisso, pode-se esperar que o indivíduo se una a associações mais fortes e os órgãos acabem por se fundirem em apenas um, o chamado estado “ultramínimo”, que apenas não atingiu o status de Estado Mínimo por não ter conseguido garantir a todos as proteções necessárias.

Sendo assim, parte essencial da análise da teoria de Nozick é entender como ele trata o sistema de “aquisição justa”, tendo em vista que uma das suas principais perguntas ao igualitarismo era se existia justiça em vedar uma transação voluntária entre dois adultos. Logicamente, se estamos lidando com transação, deve, obrigatoriamente, existir algo que ambas as partes se interessem mutuamente.

Como uma tentativa de reparar injustiça cometidas nas transações voluntárias, Nozick formula o princípio de retificação, que exige a retomada ao ponto de partida do cometimento de qualquer injustiça nas transações voluntárias ou apropriação justa. Tal princípio toma proporções gigantescas na teoria. O que fazer com diversas injustiças cometidas nas fundações das sociedades capitalistas modernas? O autor descarta ignorar o período pretérito e eleger um marco zero para as transações, considerando seu caráter injusto.

Sendo assim, partindo desse pressuposto em nome da justiça, Nozick acaba por, de certa forma, legitimar um Estado de Bem-Estar Social, uma vez que ele admite que, embora um Estado socialista seja uma punição excessiva, as injustiças podem ser demasiadamente fortes ao ponto de justificar um estado Intervencionista temporário.

Esta resenha foi elaborada por Pedro César, um brilhante coordenador do SFLB. Contate Pedro pelo e-mail pcoliveira@studentsforliberty.org.

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