Adoção Internacional: demandas em declínio

A queda no número de pedidos de adoção internacional pode nos ensinar algo?

Cartas do Litoral
Palavras em Transe
5 min readSep 16, 2014

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Em agosto de 2014 o jornal O Globo publicou matéria em que apontava a queda do número de adoções internacionais no Brasil. Isto é, haveria a cada ano um número menor de requerentes estrangeiros dispostos a adotar aqui.

O jornal destaca que 416 crianças foram adotados por estrangeiros, sobretudo italianos, em 2009. Em 2013 esse número teria sido de 217 adoções.

O centro do argumento para entender esses números, segundo o jornal, seria a conjunção do custo do procedimento [deslocamento+permanência (relativa ao estágio de convivência)+pagamentos diversos para as agências+documentos] e da crise econômica europeia.

A matéria esclarece que a maior parte das adoções internacionais no Brasil ocorre em S. Paulo. Das 217 adoções em 2013, 79 foram ali realizadas.

Revela-se na matéria a preocupação de se ampliar as possibilidades de adoção para crianças acima de 7 anos, meta desejável e difícil de ser alcançada, no sentido de contemplar satisfatoriamente o número de crianças e adolescentes acima dessa idade em condições de serem adotados.

Mesmo os estrangeiros têm preferência por crianças de faixa etária anterior ao limite de 7 anos, como se deduz, por exemplo, da explicação apresentada por Domingos Abreu, em seu livro ‘No Bico da Cegonha’.

Todavia, é importante notar que a matéria sinaliza alguns motivos pelos quais os italianos estariam estimulados a adotar:

- 6 meses de licença remunerada para a adoção internacional;

- possibilidade de extensão para 1 ano de licença, com a metade da remuneração;

- possibilidade de 2 anos de licença, sem remuneração.

Um ponto igualmente interessante é a seguinte passagem: “Outro motivo da forte presença dos italianos nas adoções é a tolerância em relação à idade da criança”.

Mas, de onde viria essa tolerância?

Domingos Abreu apontou que a depender exclusivamente da espontaneidade, estrangeiros, e franceses em particular, que se constituíram como objeto de seu estudo, teriam demandas muito próximas daquelas dos brasileiros. Na adoção, isso significa privilegiar recém-nascidos ou crianças que se incluam na menor faixa etária possível. Contudo, é interessante saber que dados referentes a 2010 apontam que a média de idade de crianças adotadas por italianos girou em torno dos 6 anos. Cabe a ressalva que a média é uma variável que pode nos induzir a enganos, mas são os dados disponibilizados para o público.

Estariam os italianos propensos a adotar crianças mais velhas?

Essa pergunta encaminha-nos para que olhemos com mais atenção para os efeitos que injunções institucionais podem ter sobre as demandas na adoção. Se acima deu-se ênfase nas licenças oferecidas para os adotantes, é concebível que haja outros vetores a influenciar as demandas de adoção.

Nesse sentido, não é de menor importância saber que a legislação na Itália estabelece não apenas uma diferença mínima entre as idades do adotante e do adotando (18 anos), o que também ocorre no Brasil (16 anos), mas também uma idade máxima (45 anos para um dos cônjuges e 55 para o outro).

Esse limite, contudo, pode ser ignorado “se os cônjuges adotarem dois ou mais irmãos, e ainda se tiverem um filho menor de idade natural ou adotivo”.

As implicações práticas do balizamento acima pode ser extraído do sítio eletrônico da Comissão Italiana para Adoções Internacionais:

“Isso significa que se a futura mãe tem 47 anos e o futuro pai 56, o casal pode adotar somente uma criança com mais de 2 anos. Se a futura mãe tem 54 anos e o futuro pai 63, o casal pode adotar uma criança somente com mais de 8 anos. Se a futura mãe tem 50 anos e o futuro pai 68, o casal pode adotar um adolescente de 13 anos”.

Como se nota na matéria produzida pela BBC, as autorizações para adoção oriundas da Itália delimitam a idade dos adotandos com base também em outros parâmetros, não de todo claros, provavelmente oriundos dos estudos psicossociais. Desse modo, somos levados a entender que a faixa etária do adotando não é algo que esteja inteiramente sob o controle dos requerentes: há restrições legais e outras que advêm, provavelmente, dos estudos psicossociais.

A matéria da BBC a que fiz menção foi produzida em 2013, e, no geral, tem um tom bem distinto daquele que dominou a matéria mais recente, publicada em O Globo. A chamada da matéria da BBC é a seguinte:

“Casais italianos que tentam adotar crianças brasileiras enfrentam barreiras burocráticas adicionais em seu país. Isso acontece porque crianças disponíveis para adoção por estrangeiros no Brasil costumam ser mais velhas, e o sistema italiano favorece a adoção de crianças mais novas”.

Em que pese as ênfases distintas, ao lançarmos os olhos mais uma vez para o cerne da matéria publicada em O Globo em comparação com outras matérias produzidas no exterior, notamos que a queda do número de adoções internacionais não afeta exclusivamente o Brasil e não começou agora.

Existe um conjunto de variáveis que são bastante distintas entre si e que convergem para esse resultado. Para alguns, a própria Convenção de Haia e as exigências que derivam dela, também estariam incluídas nesse rol, bem como preocupações cada vez mais elevadas com corrupção e tráfico de seres humanos. Uma amostra pode ser vista abaixo:

US adoptions of foreign children plunge to 21-year low in part due to Russia ban

Economy blamed as international adoptions drop to lowest point in 15 years

Why are foreign adoptions in the US on the decline?

Ainda que haja muito o que avançar no tema adoção, a conjuntura forjada pelo declínio da adoção internacional e pelas dificuldades na colocação familiar de crianças e adolescentes, seja devido à idade ou à existência de irmãos, leva-nos ao importante passo de pensar o que pode e o que deve ser feito para esse público.

Esse passo implica, do mesmo modo, ou ao menos deveria implicar, o esforço de concepção de alternativas que talvez não venham a depender exclusivamente do instituto da adoção como via para a garantia do direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes.

Da mesma forma, a retomada da pergunta sobre os motivos que levam à institucionalização e à destituição do poder familiar é inevitável.

Mas isso já seria o início de um novo post.

[Atualizado em 21.4.15]

Sobre o declínio de pedidos de adoção internacional no Brasil, ver Desembargador Siro Darlan participa da XIX Reunião do Conselho das Autoridades Centrais Brasileiras.

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