Recomendações do CFP sobre a elaboração de documentos psicológicos para o Poder Judiciário no contexto da pandemia do novo coronavírus

Qual o lugar da Resolução CFP 06/2019 nas Recomendações do Conselho Federal de Psicologia?

Cartas do Litoral
Palavras em Transe
5 min readMay 28, 2020

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Desde a publicação das Recomendações tem sido comum ouvir de psicólogos que dúvidas restam de sua leitura. Elas acabariam por gerar certo imobilismo e apreensão diante da possibilidade de elaboração de documentos para o Poder Judiciário no cenário pandêmico atual. O que fazer? Como? Pode-se realizar avaliações e intervenções remotas?

Um ponto intrigante que merece análise é que as Recomendações em momento algum se reportam à Resolução CFP 06/2019, diretamente relacionada à elaboração de documentos. Os processos de trabalho ali delineados e, em certa medida, diferenciados, avaliação psicológica e intervenção psicológica, tampouco são invocados. Observe-se que a importância de se tratar dos documentos psicológicos é justamente o de salientar diferenças entre processos de trabalho a eles associados.

Uma saída do imobilismo mencionado pode ser visto no seguinte movimento: muitos psicólogos nomeiam os documentos que produzem de forma diversa daqueles indicados na Resolução 06/2019. Junta-se a dificuldade de entendimento da Resolução com algum temor infundido pelas Recomendações. Paralisia diante da possibilidade de utilizar ferramenta normativa que deveria ser importante em nossa prática, em particular agora. Mas, ao mesmo tempo, impulso para um fazer. Seria este o melhor caminho a ser adotado?

É devido à ausência de menção à Resolução que talvez as Recomendações misturem os dois processos indicados. Essa mescla é um primeiro aspecto a gerar dúvidas na interpretação da recente publicação. A própria Resolução não é de todo clara sobre os processos de trabalho e seus respectivos documentos, o que dificulta o seu uso agora. Isso pode ser notado a seguir. Dois ótimos conjuntos de comentários sobre os documentos psicológicos não se alinham integralmente na explicação quanto ao uso deles, um mesmo documento tendo descrição um pouco diferente de uma à outra apresentação:

Atenção à explicação em 41:34

Um aspecto das Recomendações é o de acentuar o caráter pericial do trabalho realizado no âmbito judicial. Mas, isso resume o horizonte da prática nesse campo? Uma série de trabalhos de caráter não pericial tem lugar no contexto judicial, encontrando expressão na forma de Relatório psicológico, conforme a nomenclatura da Resolução CFP 06/2019. Todavia, o item 9.2 das Recomendações quase que afirma que tudo é ‘avaliação psicológica’.

É importante não esquecer que o período iniciado com a pandemia da Covid-19 afetou globalmente e de modo radical as dinâmicas pessoais, profissionais e organizacionais. Ainda que já haja países e cidades retomando o funcionamento de serviços e indústrias de forma presencial, evidencia-se que o cenário não é equivalente ao de momento anterior. Procedimentos de segurança sanitária estão sendo adotados, modificados, ampliados; regimes de distanciamento social são estimulados; práticas de isolamento social circunstancialmente são retomadas. Muitos epidemiologistas defendem que dificilmente se escapará de contexto no qual gradações de isolamento social serão implementadas e suspensas, sucessivamente, conforme o espalhamento do vírus Sars-Cov-2 em dado momento. A Organização Mundial de Saúde adianta que esse quadro deverá persistir ainda por mais dois ou cinco anos, mesmo com o advento de uma vacina eficaz. Organizações multilaterais reúnem seus representados para pensar coletivamente ações para o porvir.

Diante do horizonte atual, o Supremo Tribunal Federal funcionará remotamente até pelo menos janeiro de 2021; o Conselho Nacional de Justiça determinou que os Tribunais estaduais reduzam o atendimento presencial ao estritamente necessário, suspendendo prazos processuais e fornecendo plataforma eletrônica para a realização de audiências remotas. O retorno, que está previsto, será paulatino e, espera-se, cauteloso.

É certo que o imobilismo invocado não captura por completo o contexto atual, como indicado. Grupos de psicólogos e assistentes sociais, conselhos regionais, tribunais, vêm se articulando para esclarecer o cenário, as normas, e discutir possibilidades de atuação. Todavia, pontos importantes ainda exigem atenção: a partilha do saber-fazer e dos conhecimentos adquiridos na lida com as dificuldades enfrentadas é importante. Isso deve anteceder qualquer posição de certeza.

Qual pode ser então agora e no futuro imediato a atuação das equipes técnicas no sistema judicial? Não há pistas de que as condições exatas de realização do trabalho anterior serão recuperadas, muito menos em curto prazo. Assim, não seria o caso de, desde logo, haver balizamentos éticos e técnicos claros que estimulem a experimentação relativamente segura de novas práticas e formas de atuação? A própria concepção do papel profissional na elaboração de documentos talvez possa ser retificada, em alguma medida. Não é neste momento, mais do que nunca, necessário aprender coletivamente? Na clínica, por exemplo, isso é uma realidade. Por que não poderia sê-lo na interface da Psicologia com o Sistema Judicial, em que pesem as dificuldades e especificidades existentes?

LEI Nº 14.022, DE 7 DE JULHO DE 2020

Altera a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e dispõe sobre medidas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher e de enfrentamento à violência contra crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência durante a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

[Atualizado em 08/07/2020]

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