Sequestro e tortura de crianças: disputas memoriais

Como crianças foram tratadas durante a ditadura brasileira?

Cartas do Litoral
Palavras em Transe
3 min readApr 2, 2021

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Eduardo Reina aponta em seu livro que segundo os registros oficiais há apenas uma criança sequestrada por motivos políticos durante o regime civil-militar: Lia Cecília da Silva Martins.

Ele aponta que esse quadro destoa do que foi corrente nos demais países sul-americanos que passaram pela experiência da ditadura. Contudo, diferentemente do discurso oficial, Reina levanta 19 casos de crianças sequestradas durante a ditadura civil-militar no Brasil que acabaram adotadas de forma irregular. Parte desse grupo ainda estaria a procura de sua família de origem. Experiência que se traduz no título do livro: cativeiro sem fim.

Ao serem entregues a família vinculadas à repressão ou a instituições onde depois foram adotadas de forma ilegal, perderam sua história, sua memória e, principalmente, sua identidade. [25]

Reina, E. (2019). Cativeiro sem fim: As histórias dos bebês, crianças e adolescentes sequestrados pela ditadura militar no Brasil. São Paulo: Alameda.

Mario Magalhães em sua biografia de Marighella aponta experiências de violência extrema que alcançaram filhos de engajados na luta armada.

[…] Na Oban, um murro quebrou os dentes frontais de Ilda, que provou do cardápio de pau de arara e barbárie. Os sádicos inquiriram sobre o paradeiro do marido morto. Para desespero da mãe, prometeram surrar as crianças, até o bebê, e doá-las. [525]

[…] Uma das maldades impostas a Ilda na Oban era anunciar Isabel, cuja amamentação fora interrompida, e em seguida dizer que a enganaram e que o bebê morreria de fome. O berçário do Juizado era iluminado por lâmpadas roxas. De madrugada, Vlademir e Virgilinho se esgueiravam até a cozinha, abasteciam a mamadeira com leite da geladeira e alimentavam a irmãzinha. Com medo de que fossem dados a famílias diferentes, os meninos passaram a dormir no chão, ao lado de Isabel. Um se amarrava ao outro, e cada um prendia uma parte da roupa no berço. Se sentissem qualquer movimento, acordariam para lutar e impedir a separação. [526]

Magalhães, M. (2012). Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo. São Paulo, SP: Companhia das Letras.

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Literatura e ditadura — Unb

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