O manual da subcelebridade

Em sua autobiografia, Solange Gomes compartilha detalhes de sua vasta experiência como personalidade da mídia

brille
resenhas
9 min readDec 17, 2021

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Há pessoas que nascem com vocação para a fama. Elas são autênticas, dão a cara a tapa, criam polêmicas, e não recuam mesmo sofrendo críticas e rejeições. Tudo para satisfazer um desejo visceral de estar sob os holofotes. Mas, curiosamente, grande parte do elenco d’A Fazenda 13 carece dessas características. Apesar de se denominarem personalidades da mídia, os peões deixaram o medo do cancelamento falar mais alto e desperdiçaram a grande vitrine que o reality show rural da Record TV representa para as subcelebridades.

Só que o público sabe reconhecer quem realmente quer estar ali. E é por isso que Solange Gomes, ex-musa da Banheira do Gugu, chegou à final d’A Fazenda 13.

Durante grande parte de sua passagem por Itapecerica da Serra, Solange esteve sem aliados. Mas Sol nunca esteve sozinha: os brasileiros lutaram para que ela permanecesse no programa até a grande final.

A autobiografia Solange Gomes: Sem Arrependimentos (2019) confirma tudo o que os telespectadores puderam observar na televisão durante os últimos três meses: Sol desde sempre lutou para realizar seu grande sonho de ser famosa, e nunca teve medo de julgamentos por ser ela mesma. Aliás, em uma análise mais metalinguística, o simples fato de Sol dividir tantos detalhes de sua vida pessoal na obra já mostra sua coragem de se expor.

Apesar do título, Solange Gomes admite que tem, sim, alguns arrependimentos.

Logo nas primeiras páginas do livro, Solange cala a boca daqueles que acharam que seu discurso em favor das mães solo & mulheres traumatizadas era parte de um personagem criado para o programa. Apesar dos participantes de realities estarem cada vez mais recorrendo às estratégias propostas por coaches, a militância de Sol é genuína e vem de longa data. Prova disso é que o livro é dedicado às “mães que criam seus filhos com a ausência paterna”.

A própria Sol lidou com um grande trauma por ter sido abandonada pelo pai. Mas essa foi apenas uma das diversas adversidades que ela enfrentou ainda na infância, vivida entre os bairros de Botafogo e Sepetiba, ambos no Rio de Janeiro. Os capítulos iniciais narram os sacrifícios da mãe para criá-la sozinha, a tentativa de abuso sexual que sofreu de uma pessoa próxima da família, a morte da avó seguida pelo suicídio do avô, e o bullying na escola.

Solange também relembra um amor platônico aparentemente inofensivo, que, ao longo dos capítulos, acaba evoluindo para um relacionamento problemático. Aos 12 anos, ela se apaixonou por Waltinho, um vizinho de 27 anos. A mãe, obviamente, nunca aceitou que os dois se aproximassem, mas Sol revela que, aos 14 anos, perdeu o BV com Waltinho. Depois, pouco antes de completar 16 anos, ela teve sua primeira relação sexual com o namorado em um hotel no Catete. A finalista d’A Fazenda 13 se limita a exclamar “que pobreza!” para descrever o momento no livro.

Fachada atual do hotel onde Solange Gomes foi desvirginada.

Ainda adolescente, Solange Gomes teve outro relacionamento controverso, dessa vez com um professor de matemática também mais velho – e casado. O professor chegou a se separar da esposa para ficar com Solange, mas, já enjoada da relação, ela reatou com Waltinho durante as férias. Desse romance de verão, Solange acabou engravidando e, levada pela mãe, fez um aborto em uma clínica clandestina. Ela tinha apenas 17 anos na época. Depois disso, ela até tentou, em suas próprias palavras, um “revival” com o professor de matemática, mas não deu certo. A saída foi focar na carreira artística.

Ironicamente, Solange Gomes foi aprovada em matemática na UERJ, mas largou o curso porque ficou muito envolvida na carreira de modelo. Ela fazia pequenas participações em eventos e feiras, e, por algum tempo, trabalhou atirando cartas para o alto junto com outras 50 meninas em sorteios do Caminhão do Faustão. Ela ainda fez outros bicos na TV, até que conseguiu engatar uma participação maior no programa humorístico Casseta & Planeta. Apesar de sequer ter falas, a visibilidade no horário nobre da Rede Globo ajudou Sol a se tornar uma coelhinha da Playboy.

Fausto Silva e Solange na época em que ela era uma das assistentes do Caminhão do Faustão.

Na sequência, veio o notório e polêmico relacionamento com Renato Gaúcho. Solange abre o coração sobre a paixão ardente que sentia pelo então jogador de futebol, e chega até a compartilhar intimidades do casal, como o fetiche de Renato por sexo em locais públicos:

O Renato gostava de transar em lugares exóticos. Uma vez aconteceu na Ponte Rio-Niterói. […] Quando estávamos no meio da ponte, ele encostou o carro no acostamento. Pensei: quebrou o carro! Que nada e acabou rolando ali mesmo!

Sol também relata um episódio em que Renato Gaúcho utilizou xampu ao invés de lubrificante para fazer sexo anal. Ela só descobriu quando sentiu ardência em sua região íntima, e se negou a prosseguir com a relação sexual. Apesar do desrespeito de Renato, Solange relembra o momento com leveza e bom-humor.

Daddy issues: assim como os outros ex-namorados de Solange, Renato Gaúcho era bastante mais velho que ela.

Entre as bimbadas automotivas e anais, Solange acabou engravidando. E, de novo, recorreu à clínica de aborto clandestina. Sol estava perdidamente apaixonada por Renato, e temia que ele se afastasse caso ela desse continuidade à gestação. Ela via a indiferença com a qual Renato tratava Carla Cavalcanti, mãe de sua filha Carol, e não queria passar pela mesma situação. Renato nunca soube da gravidez nem do aborto.

Apesar de todos os altos e baixos do relacionamento, Solange foi alçada ao status de subcelebridade como tanto sonhava: em junho de 1996, ela foi capa da revista Playboy sob o título de “morenaça carioca que seduziu Renato Gaúcho”. O ensaio de nudez na principal revista de entretenimento erótico do Brasil fez de Sol arrogante, e ela, hoje com mais experiência de vida, reconhece sua desumildade:

Na verdade eu estava muito metida na época da revista. Como eu fiquei nojenta! Tinha certeza que ia estrelar a próxima novela das oito! Tadinha! Eu tinha certeza de que fazer capa da Playboy era uma mudança. As pessoas vinham falar comigo e eu respondia entre os dentes. Fiquei bem convencida, me achava assim. Nem sei porque eu me achava tanto, mas que eu me achava, eu me achava.

Os convites para a novela das oito não vieram, mas vieram propostas indecentes de políticos, empresários e cafetinas. Uma das propostas, aliás, veio do dono de uma das maiores redes de eletrodomésticos do Brasil, o qual tinha o hábito de sair com todas as mulheres que eram capa da Playboy. Solange, mais focada na fama do que no dinheiro, rejeitou essa e todas as outras ofertas. Ela acreditava que se prostituir prejudicaria os rumos de sua carreira como artista.

Caso não tivesse abortado, Solange Gomes poderia receber uma pensão tão alta quanto a de Mileide Mihaile, ex-esposa de Wesley Safadão e também integrante do elenco d’A Fazenda 13. Por outro lado, Sol não teria sido capa de uma das mais emblemáticas edições da Playboy.

Ainda nessa fase desumilde, Sol conta que tinha Adriane Galisteu, atual apresentadora d’A Fazenda 13, como sua grande inspiração. Em seu delírio de megalomania, as duas tinham trajetórias semelhantes:

Escolhi um vestido muito curtinho e copiei o corte de cabelo da Adriane Galisteu. Estava me inspirando muito nela. Ela vinha de um relacionamento com o Ayrton Senna. Eu queria seguir os seus passos por ela ser a ex do Senna, e eu do Renato, pensava que nossos caminhos poderiam ser parecidos. Mas eu era muito ingênua, as situações eram completamente diferentes. Como eu viajava…

Felizmente, Solange manteve sua autenticidade e traçou seu próprio caminho. E, para isso, apoiou-se em seu amor pelo Carnaval. Em 1997, alguns meses depois da tão comentada capa da Playboy, Sol desfilou pela Porto da Pedra e foi centro das atenções por fazer topless. Nos dois anos seguintes, ela novamente dispensou a parte de cima do figurino, assim se estabelecendo como uma das principais personalidades do Carnaval do Rio de Janeiro.

Bem à vontade: à esquerda, Solange se prepara para o Carnaval tomando sol na praia; à direita, “batiza” sua recém-colocada prótese silicone no desfile da São Clemente em 1999. Toda a relação de Solange Gomes com o Carnaval é detalhada no livro.

A Banheira do Gugu, que consagrou de vez Solange Gomes, veio em 1998. Tudo começou com um convite para participar do Domingo Legal que Sol aceitou achando que seria uma das juradas junto com Viviane Araújo, a “Sombra” (inimiga de Sol que, ligando lé com cré, descobrimos se tratar de Nana Gouvêa), e outra modelo. Mas, ao chegar ao palco do programa, Solange notou que não havia cadeira disponível para ela entre as juradas. O motivo era simples: Sol não seria uma mera jurada, mas sim a musa da banheira, substituindo Luiza Ambiel. Ela passou a ser fixa no programa, e se tornou conhecida nacionalmente.

Luiza Ambiel e Solange Gomes: as duas, além de serem ex-musas da Banheira do Gugu, têm em comum o fato de terem causado muito bafafá no reality show A Fazenda.

Solange passou apenas seis meses como musa da Banheira do Gugu. No auge da carreira, ela engravidou de Waguinho, então integrante do grupo Os Morenos e hoje cantor gospel e pastor. Mesmo com as consequências que ter uma criança naquele momento traria para seu futuro, ela seguiu com a gestação. Depois de passar por dois abortos, Sol havia feito uma promessa para Jesus Cristo de que, caso ficasse grávida, jamais abortaria novamente.

Solange e Waguinho: o pagodeiro não deu suporte para Sol durante a gravidez e, como os telespectadores d’A Fazenda 13 já sabem bem, nunca pagou a pensão da filha.

A decisão fez com que Solange fosse pintada pela mídia como uma mulher aproveitadora interessada apenas no suposto dinheiro de Waguinho. Os comentários vieram inclusive de figuras muito influentes, como Hebe Camargo, que sugeriu que a modelo fosse “arrumar um emprego ao invés de arrumar barriga”. Até Sônia Abrão alfinetou Sol, a acusando de perseguir Waguinho. O apresentador Gugu Liberato, sempre muito generoso, tentou promover a reconciliação do casal no palco do Domingo Legal, mas não adiantou. Prestes a perder o corpo enxuto que era seu instrumento de trabalho, a alternativa que restou a Sol foi fazer shows como stripper nos primeiros meses da gravidez para ganhar dinheiro rápido e conseguir sobreviver fora da televisão.

Solange Gomes e a filha Stephanie, carinhosamente apelidada de Teff. O padrinho de Teff é ninguém mais ninguém menos do que o agitador cultural David Brazil. A madrinha é Tânia, uma amiga que Sol fez na hidroginástica.

Depois do nascimento da filha Stephanie, Solange caiu no anonimato, e só aparecia na mídia quando relacionada à pensão que Waguinho não pagava. Isso, no entanto, não torna a narrativa do livro menos interessante. Sol fala de suas dificuldades para sustentar a filha, do relacionamento abusivo que manteve com o empresário Marcos por nove anos, dos problemas de saúde mental que acumulou, e de sua luta para retornar ao showbiz.

Ao longo da obra, Solange também comenta sem pudores sobre affairs que teve com nomes conhecidos do cenário midiático brasileiro. Um dos pontos altos é, com certeza, sua breve relação com o jogador Romário, que, segundo Sol, era mão-de-vaca e não compareceu na hora h:

[…] acabamos indo para um motel na Barra da Tijuca, no meu carro. Chegamos lá, eu com vergonha porque estava ao volante, abaixei o vidro para pedir o quarto e tinha a tabuleta com a relação de apartamentos e valores. Tinha do mais barato ao mais caro. E o Romário pediu o mais barato! A suíte standard, que tinha banheira. Na época, foi divulgado nos jornais que ele estava tomando um remédio para calvície, então nesse dia as coisas não aconteceram como deveriam acontecer… Acabou não fazendo o gol.

Sol ainda revela que fez sexo a três com os irmãos Márcio e Marcelo Garcia, e engatou um romance de fachada com o ex-ator pornô e atual deputado federal Alexandre Frota na expectativa de aparecer no portal EGO. A ex-musa da Banheira do Gugu também fala dos relacionamentos que preferiu não ter: ela dispensou o ator Selton Mello e o cantor Latino.

Alexandre Frota e Solange Gomes conseguiram o que queriam e apareceram no portal EGO. Apesar de ter sido tudo armado, Sol confessa que curtiu a pegada de Frota, mas não quis assumir o relacionamento por conta do preconceito com o passado dele na pornografia.

Solange Gomes: Sem Arrependimentos é um marco no gênero literário das biografias de subcelebridades. Apesar de ser a obra de estreia de Solange, ela inova ao trazer capítulos de uma ou duas páginas capazes de prender leitores cujo limiar de atenção não ultrapassa os cinco minutos. Para tornar o livro ainda mais dinâmico, Sol alterna os capítulos com depoimentos de amigos, familiares, ex-colegas de trabalho e personalidades da mídia, e inclui muitas imagens para ilustrar cada período de sua vida. A sequência cronológica é confusa em alguns momentos e há muitos erros gramaticais que passaram despercebidos na revisão, mas isso não diminui a potência do que se propõe a ser o mais completo manual da subcelebridade.

Não sabemos quais serão os próximos passos de Sol depois d’A Fazenda 13, mas podemos ter certeza de que ela tem muitos planos em mente. E, mesmo que ela escolha investir no mercado editorial e escreva a biografia do companheiro de confinamento Arcrebiano Araújo como prometeu durante o programa, Solange Gomes vai continuar se destacando como a artista de alto calibre que nasceu para ser.

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