Sexo, drogas & pop rock nacional

Escrito por Sonia Abrão, “Rafael Ilha: as pedras no meu caminho” acompanha a luta do ex-Polegar contra o crack

brille
resenhas
4 min readJun 7, 2019

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Quando vi o polêmico Rafael Ilha na última edição do reality show A Fazenda, exibido pela RecordTV, eu não sabia ao certo quem ele era. Para ser sincera, a única informação que eu tinha sobre o participante era o apelido pejorativo “Rafael Pilha”, recebido após engolir uma pilha durante uma crise de abstinência. Mas, lendo “Rafael Ilha: as pedras no meu caminho” (2015), escrito pela jornalista Sonia Abrão, descobri que não foi apenas uma pilha, mas várias, engolidas em diversos momentos diferentes da vida. Além disso, ele também levou goela abaixo uma caneta Bic, três isqueiros (também da marca Bic) e uma escova de dentes.

Rafael Ilha, que venceu o reality show A Fazenda em 2018 e levou para casa o prêmio de R$1,5 milhão.

Assim como muitos participantes do programa A Fazenda, Rafael Ilha é uma personalidade da mídia cujos dias de fama e glória ficaram no passado. Ele foi um ídolo teen no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, quando fez parte da boyband brasileira de pop rock Polegar, sucesso estrondoso em todo o país, mas a popularidade e o dinheiro logo trouxeram problemas. Quando ainda integrante do grupo, Ilha acabou se afundando no mundo das drogas e, a partir daí, foram muitas internações, fugas, overdoses, prisões e decadência.

“Dá pra mim”, hit da boyband Polegar.

A biografia é de fácil leitura e ricamente ilustrada, além de contar com um prefácio de Gugu Liberato. Sonia Abrão, que é comadre de Rafael Ilha e o ajudou em seus piores momentos, narra a vida do artista desde o nascimento, com direito a detalhes como mapa astral –– nascido em março de 1973, o signo dele é peixes, com ascendente em virgem –– e curiosidades inusitadas da infância do ex-cantor, como o fato de que ele fez sua primeira tatuagem, o desenho de um sol e uma gaivota, aos nove anos de idade.

A tattoo feita em tenra idade permanece intacta.

Aliás, o livro revela que Rafael Ilha foi precoce em tudo. Ele tornou-se astro dos comerciais de TV antes mesmo de completar dez anos, estrelando campanhas publicitárias de marcas como Nestlé, Playmobil e Bic –– coincidentemente a mesma marca que o acompanhou nos períodos de crise ––, e ingressou no grupo Polegar aos treze. Com dezesseis anos, namorou Cristiana Oliveira, atriz e sex symbol da época, onze anos mais velha. O vício, claro, também veio cedo: aos doze, Ilha já cheirava cola de sapateiro com os amigos nas matinês paulistanas. Não demorou para que, ao som de New Order e Depeche Mode, o jovem conhecesse o pó.

Sonia Abrão relata toda a trajetória de Pilha com a cocaína e, mais tarde, com o crack. Por conta do vício, ele foi obrigado a abandonar a carreira artística e passou a entrar e sair de clínicas de reabilitação –– e, nos intervalos entre as internações, chegou a morar na rua e entrar para o tráfico. Na rehab, viveu momentos caóticos e intensos: seduziu e bimbou a psiquiatra responsável por seu tratamento, passou três meses amarrado à cama vestindo um capacete, virou evangélico em uma “comunidade terapêutica”, foi vítima de um médico charlatão que autorizava a entrada de garotas de programa no hospital psiquiátrico, tentou suicídio diversas vezes, e quase morreu ao engolir objetos –– maneira que o artista encontrou para escapar do esquema de segurança das clínicas e fugir para consumir drogas.

Alguns dos highlights do livro.

Depois de anos de luta, Rafael conseguiu vencer a dependência química, mas não a tendência de se envolver em confusão. Em 2014, ele e a esposa, Aline Kezh, foram presos em Foz do Iguaçu por tráfico internacional de armas. Foi mais uma das muitas prisões de Ilha –– a primeira foi em 1998, quando ficou atrás das grades sob acusação de ter roubado um real e um vale transporte ––, e ele alegou que a mulher não sabia que trazer armas do Paraguai configurava crime. Segundo o ex-cantor, Kezh escondeu munição e uma espingarda desmontada em um pacote de edredom porque queria fazer uma surpresa para o amado, entusiasta de armas. Sonia Abrão pagou a fiança dos dois, e eles foram liberados.

Rafael Ilha e Aline Kezh, que estão juntos desde 2013 e são pais da pequena Laura, afilhada de Sonia Abrão.

Obviamente, não se deve deixar de lado o olhar crítico: a autora e prima de Chorão não esconde que defende Ilha com unhas e dentes, e em muitos momentos o retrata como uma mera vítima de todos ao seu redor. Mas, apesar do sensacionalismo característico de Sonia Abrão e dos erros grosseiros que foram negligenciados na revisão do livro, “Rafael Ilha: as pedras no meu caminho” é uma leitura descontraída e muito envolvente. Ideal para quem quer dar um tempo nos títulos intelectualizados e mergulhar sem culpa no universo das subcelebridades brasileiras.

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