Supergonorreia

Amaury Jr. abre o jogo sobre seu histórico de ISTs em “A vida é uma festa”, de Bruno Meier

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5 min readOct 16, 2019

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A gonorreia, infecção bacteriana sexualmente transmissível, está deixando de responder aos tratamentos tradicionais. A chamada supergonorreia é resistente à grande parte antibióticos, e, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, já foram registrados casos em setenta e sete países. A situação preocupa os profissionais da saúde, que temem que a doença acabe se tornando incurável.

Em seu perfil no Twitter, o ator e cantor Fiuk alerta para os perigos da gonorreia e enfatiza a necessidade do uso de preservativo.

Na década de 1960, no entanto, o mundo vivia tempos mais simples. É o que indica A vida é uma festa (2015), biografia do apresentador Amaury Jr. escrita por Bruno Meier, ex-jornalista da Veja e ghostwriter dos livros da atriz mirim Larissa Manoela. Logo na abertura do segundo capítulo, o autor descreve de maneira escatológica uma corriqueira ida de Amaury Jr., então com dezessete anos, ao urologista. Era sua sétima gonorreia, mas nada que azitromicina não resolvesse. Situação tão banal quanto um resfriado.

A pergunta que não quer calar.

Grande parte dessas gonorreias foi contraída em São José do Rio Preto, cidade natal de Amaury Jr. Lá, ainda adolescente, se destacou com seu trabalho na “Coluna do estudante” do jornal local. A proposta inicial era que a coluna funcionasse como um informativo de eventos para pais e estudantes, mas Amaury Jr., com sua mente visionária, resolveu reformular o espaço: ao invés assuntos burocráticos, ele decidiu mostrar imagens do universo estudantil rio-pretense. Foi o começo de sua carreira como jornalista, que atribuía a ele certo status na região e ajudava na hora do flerte com as mulheres.

Amaury Jr. curtindo o Carnaval com a estimada amiga Ana Maria Braga, que na época estudava Ciências Biológicas na UNESP de São José do Rio Preto. Apesar da proximidade dos dois, ele nega ter bimbado a mãe de Louro José.

Mais tarde, o rapaz ambicioso migrou para o rádio e, depois, para a televisão, onde se consagrou com o programa “Flash”, que estreou em 1985 e foi pioneiro no formato do colunismo social eletrônico. De início, José Roberto Maluf, vice-presidente da TV Gazeta, não confiou na ideia do jovem jornalista e deu apenas cinco minutos na grade horária para o programa que pretendia exibir os highlights da noite de São Paulo. No entanto, em apenas dois meses, o retorno positivo do público –– principalmente da alta sociedade paulistana, que cobiçava a presença do apresentador Amaury Jr. em suas festas –– concedeu ao Flash meia hora de duração. Algum tempo depois, Maluf foi para a Band e fez questão de levar junto o jornalista de quem outrora havia desdenhado. Àquela altura, o desenvolto Amaury Jr. já havia se tornado uma espécie de curador de celebridades e eventos no Brasil.

Amaury Jr. acompanhado de Amaury Dumbo, paródia do programa Pânico na TV.

Ao longo dos mais de trinta e cinco anos trabalhando com o colunismo social eletrônico, o festeiro profissional trocou de emissora várias vezes, mas manteve seu prestígio por onde passasse. Não é para menos, afinal, Jr. já cobriu milhares de eventos e entrevistou personalidades dos principais jetsets nacionais e internacionais, como Tony Bennett, Celine Dion e Donald Trump, além de contar com um carisma que encanta uma audiência bastante diversa. Um exemplo é João Gilberto, que, depois de dez anos sem dar entrevistas, concordou em falar com Amaury Jr. em 1991. O motivo? O cantor e compositor era grande fã do programa de TV. A histórica entrevista é transcrita na íntegra na obra, assim como outros bate-papos marcantes, como é o caso da conversa com a socialite Narcisa Tamborindeguy já socialmente lubrificada por alguns drinks no Baile do Copacabana Palace de 2008.

Caindo na gandaia: nessa mesma noite, Narcisa Tamborindeguy foi flagrada com os seios de fora.

Mesclados aos fatos sobre a carreira de Amaury Jr., A vida é uma festa também se aprofunda na intimidade do jornalista e, além da gonorreia, é abordada a depressão que o apresentador enfrentou. Hoje curado, ele mantém a estabilidade mental com o antidepressivo Cymbalta e o benzodiazepínico Alprazolam, ao qual deve suas tranquilas seis horas de sono por noite. Medicamentos para outras finalidades também são tomados diariamente, totalizando um total trinta e cinco pílulas por dia, incluindo Cialis, remédio para disfunção erétil que Amaury Jr. confessa fazer uso. Quanto às drogas ilícitas, ele diz que, apesar do fácil acesso, nunca usou maconha nem cocaína. Segundo o colunista social, sua preferência sempre foi o lança-perfume. Para ilustrar essa paixão, é relatado um episódio da juventude no qual, irritado por não ter sido autorizado a dormir no mesmo quarto que a namorada durante uma viagem ao Paraguai, Jr. só de raiva comprou duzentas caixas de lança.

A polêmica envolvendo o rosto de Amaury Jr. é outro assunto trazido à tona no livro: contrariando os rumores sobre o excesso de intervenções cirúrgicas na face, ele esclarece que os únicos procedimentos estéticos que realizou foram lifting para corrigir o pescoço flácido e botox na testa e laterais dos olhos, que aplica duas vezes ao ano com a Dra. Ligia Kogos, badalada dermatologista paulistana e mãe do caricaturesco anarcocapitalista Paulo Kogos.

A narrativa não é linear, e ao longo da leitura ainda é possível se deparar com um capítulo com dicas de Amaury Jr. para promover uma festa de arromba –– especialista no tema, ele diz que bebida de qualidade, música agradável, lindas mulheres e gays simpáticos são essenciais ––, registros fotográficos de momentos emblemáticos da vida do colunista social e declarações de figuras da mídia como Faustão, Fernanda Young e João Dória sobre o amigo.

Amaury Jr. e Larissa Manoela na mansão da ex-Carrossel em Orlando: dois grandes nomes biografados por Bruno Meier.

A expertise de Meier, somada à personalidade irreverente de Amaury Jr., resulta em um livro dinâmico, sutilmente cômico e, por mais improvável que pareça, informativo, com explicações didáticas sobre a história da televisão brasileira num geral. Quanto à descrição da trajetória de Amaury Jr., condiga com a realidade ou não, ela é capaz de despertar no leitor um irresistível desejo de tomar Veuve Clicquot à beira da piscina do Copacabana Palace na companhia do elenco do reality show Mulheres Ricas, para assim, talvez, conseguir experimentar o glamour de um dia normal na vida do apresentador –– mas, claro, sem a parte da (super)gonorreia.

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