Entrevista: Alessandra Abe Pacini — Girls InSpace

Raphaele Godinho
Resgatando e Valorizando a Mulher
10 min readAug 2, 2018

Quando descubro histórias inspiradoras de mulheres mais inspiradoras ainda, sinto que é meu dever como feminista divulgar o máximo que posso essas descobertas! Por isso, hoje o blog do projeto Resgatando e Valorizando a Mulher, irá trazer para vocês um post que pode ser considerado utilidade pública. Estou falando de uma entrevista com ninguém menos que Alessandra Abe Pacini, uma física maravilhosa que rompeu fronteiras em sua carreira e é autora de uma série de livros incrível: Girls InSpace. Essa série literária tem por objetivo motivar mais meninas a seguirem carreira na ciência, não é genial?

Sem mais delongas de minha parte, com vocês, Alessandra:

-Qual é sua história com a ciência?

Eu me formei em Física (fiz licenciatura e bacharelado) na Universidade Mackenzie, em SP e engatei um mestrado e doutorado em Geofísica Espacial no INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, em SJCampos-SP). Entrei na Física pensando em seguir na área de Astronomia e fiz iniciação científica em Física Solar no CRAAM (Centro de Rádio Astronomia e Astrofísica Mackenzie) desde meu primeiro ano do curso. Sou apaixonada pelo Sol! Acabei me interessando em estudar os impactos da atividade solar na atmosfera da Terra e no meio interplanetário (fui até pra Estação Antártica Brasileira para coletar dados para essas pesquisas).

Bom, acabei migrando para a Física Espacial, que engloba tudo isso. Fiz um segundo doutorado na Finlândia, mais focado na modulação solar de raios-cósmicos e seus produtos na atmosfera da Terra e desde 2016 estou fora do Brasil, trabalhando como Física do Clima Espacial no Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins (APL/JHU, em Maryland, EUA) e no Observatório de Arecibo (em Porto Rico).

-Quando você começou a se interessar por ciência para meninas? Como esse fator se conecta com sua carreira?

Acho que depois que tive meu primeiro filho, em 2011, comecei a perceber as diferenças de gênero mais fortemente na ciência. Fui refletindo sobre minha trajetória e identificando momentos que foram decisivos para que, hoje, eu fosse uma pesquisadora. Também fui percebendo melhor meu papel enquanto Professora Pesquisadora na carreira de minhas alunas meninas nas áreas de STEM. A importância de termos modelos femininos na ciência ficou muito clara para mim nos últimos anos. No meu caso, por exemplo, foi apenas depois de assistir ao filme “Contato” (baseado no livro do Carl Sagan) e ver uma astrônoma mulher como personagem principal, que eu pensei em virar cientista espacial! Eu era adolescente, já amava ciência, mas nunca havia pensado em seguir carreira de pesquisa. Por isso também acho maravilhoso estar trabalhando no Observatório de Arecibo hoje, pois ter visto a pesquisadora do filme “Contato” trabalhando neste RadioTelescópio gigante me impressionou demais naquela época e marcou minha vida!

-Qual é a verdadeira importância de motivar meninas a entrarem no campo das ciências?

Hoje, embora sejamos a metade da população do planeta, não representamos nem 30% dos cientistas do mundo. Hoje, a ciência é moldada e comandada por mentes masculinas e isso é limitante demais, tanto para a vida das mulheres quanto para o desenvolvimento da ciência. São homens, em sua maioria, que definem as linhas de pesquisa que serão desenvolvidas nas Universidades. São homens que decidem para quais pesquisas irão as verbas federais. Os homens também são maioria na liderança de artigos científicos publicados nas áreas de Ciências da Terra e do Espaço. Os homens também ainda estão em maior número nas posições de chefia dos laboratórios de pesquisa da área. Isso tem que mudar! A ciência precisa das mentes femininas e a humanidade precisa da ciência.

-Como você acha que podemos incentivar mais meninas a participarem de iniciativas como Olimpíadas Científicas?

Acredito que as meninas devam ser envolvidas e estimuladas nas ciências desde o início do ensino fundamental. A escola pode, por exemplo, promover eventos de popularização de mulheres na ciência para que as estudantes parem de achar que ciência e matemática são “coisas de menino” e conheçam histórias de pesquisadoras maravilhosas que contribuíram e contribuem para o avanço da ciência em nosso país e no mundo.

-Você pode falar um pouco mais sobre a ideia do Girls InSpace? Qual a mensagem ele irá passar e como?

O meu projeto “Girls InSpace” tem como base uma coleção de 4 livros sobre as aventuras de um grupo de meninas que têm como pano de fundo a Física Espacial. Os livros têm como objetivo apresentar as maravilhas do espaço para as crianças, de uma forma divertida, estimulando o pensamento crítico e apresentando modelos femininos na ciência espacial. Queremos que este conteúdo seja disponibilizado para o maior número de crianças e chegue às mãos de meninas da América Latina e África. Por isso, como escrevi os livros em português, lancei essa campanha de financiamento coletivo, para que eu consiga pagar pelas traduções (para o Inglês, Espanhol, Francês e Árabe) e pelas ilustrações. Uma vez que os livros sejam disponibilizados nessas línguas, iremos pensar na segunda etapa do projeto, que contará com uma plataforma eletrônica, na qual as crianças terão acesso a imagens, vídeos e maiores informações sobre o espaço, além de entrevistas com pesquisadoras espaciais reais e outros conteúdos legais.

-Qual será o enredo da coleção de livros?

Nos livros, conto histórias de um grupo de meninas (Isabelle, Rafaela, Cecília, Letícia e Paola) que são vizinhas e vivem momentos de descobertas da vida e da natureza em paralelo. No primeiro livro, Isabelle ganha uma luneta de Natal de uma tia e não dá valor algum àquele presente esquisito. Mas para tentar deixar a tia feliz no próximo encontro, ela pede ajuda às amigas para descobrir o que fazer de legal com a luneta. Assim, elas começam a descobrir muitas coisas lindas no céu (a Lua, os planetas, o Sol, os cometas). No segundo livro, Cecília começa a passar pela transição da pré-adolescência ao mesmo tempo que as meninas descobrem algo esquisito no Sol: uma mancha solar. As meninas vão aprendendo a lidar com as explosões de humor da amiga mais velha ao mesmo tempo que descobrem as explosões solares e seus impactos na Terra. No terceiro livro, as irmãs Letícia e Paola descobrem uma carta de seu bisavô italiano e acabam conhecendo a história da sua família (parecida com a de tantos imigrantes que chegaram ao Brasil no início do século passado) e da descoberta de umas partículas que vêm do espaço e se chamam raios-cósmicos. No último livro, as meninas discutem os estereótipos de gênero por causa da pequena Aurora, a priminha bebê da Letícia e da Paola, que tem nome da Bela-Adormecida, é loirinha do olhinho azul mas nada tem a ver com o que se espera de uma princesa. Elas descobrem que Aurora é também o nome de um fenômeno lindo que acontece nas regiões polares (Auroras Boreais e Austrais) e acabam vendo que a magia maior está na natureza e não nos contos de fadas.

-Qual foi sua inspiração para escrever os livros?

Comecei a escrever o primeiro livro, “A luneta e Isabelle”, em 2010, inspirada pela história de duas alunas minhas (Isabelle e Rafaela) que, ao ganharem medalhas de ouro na Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica (OBA), receberam um pequeno telescópio da escola como prêmio. Escrevi os três primeiros e os dois capítulos e deixei o resto do livro estruturado. Uma outra menina, Cecília, que é filha de amigos meus e eu conheço desde bebê (a tenho como afilhada), estava crescendo e aprendendo a tocar violino naquela época. Ela me impressionava com sua personalidade doce e forte, e acabou entrando no livro também. Como eu estava em época de defesa da minha primeira tese de doutorado, não consegui terminar o livro naquele ano e o arquivo ficou lá, no meu computador, incompleto. A vida seguiu, tive meu primeiro filho, estava trabalhando como Professora Pesquisadora de uma Universidade de São José dos Campos (UNIVAP) e não tive muito tempo para retomar essa história. Em 2012, Rafaela faleceu em um acidente trágico e eu não consegui mais pensar em abrir o arquivo do livro, até que, em 2014, conversando com um aluno, falei do livro. Ele, que também escrevia, era artista e me contou que estava ilustrando os livros dele. Seu nome é Allan Max. Ele pediu para ler o meu livro, assim poderia tentar fazer uma ilustração. Tive que concluir a história para que ele lesse. Assim o primeiro livro nasceu, com uma linda capa e algumas ilustrações maravilhosas. Em 2014, outras crianças haviam entrado em minha vida e acabaram me inspirando a criar as outras personagens: minhas sobrinhas Letícia e Paola e meu filho Gabriel. Depois que me mudei para os Estados Unidos, já com minha segunda filha, Aurorinha, contei deste livro para um colega que trabalha na parte editorial dos jornais científicos publicados pela American Geophysical Union (AGU). Ele, africano (chamado Dawit Tegbaru), ficou empolgado em também disponibilizar o livro para os países de língua portuguesa da África e me incentivou a escrever outro livro, colocando como pano de fundo a Física Solar e o Clima Espacial (que são minhas áreas de pesquisa). Acabei me empolgando e escrevendo mais 3 livros, sobre os tópicos que me emocionam: Sol, raios-cósmicos e auroras.

-Como as pessoas podem colaborar com a publicação deles em diversos idiomas? Qual a importância dessa colaboração?

Com os livros apenas em Português, limitamos o impacto das histórias aos países que falam a nossa língua. Queremos incentivar o maior número possível de meninas dos países latino-americanos e africanos, por isso precisamos das traduções iniciais. Lancei essa campanha na plataforma Kickstarter para levantar os fundos necessários para cobrir esse custo.

https://www.kickstarter.com/projects/girlsinspace/girls-inspace-collection (Link da campanha lançada por Alessandra para levantamento de fundos destinados a publicação e tradução dos livros)

Tenho muitos colegas cientistas de outros lugares (da Grécia, Alemanha, Finlândia, etc) que estão muito empolgados com este projeto e querem levar os livros para seus países, por isso até se ofereceram a ajudar com as traduções. Por isso, vejo essas traduções como passo inicial, não iremos parar aí.

-Você e mais outras mulheres participaram da elaboração dos livros. Pode falar um pouco mais sobre suas colaboradoras?

Entendendo a importância de estabelecermos mais modelos femininos na ciência espacial, convidei 4 amigas pesquisadoras, de diferentes lugares do mundo, para escreverem os prefácios de cada um dos livros, contando um pouco de suas trajetórias e conectando suas histórias com as aventuras contadas no “Girls InSpace”. A primeira a ser convidada foi a Astrônoma Brasileira Adriana Válio, que foi minha professora no Mackenzie, e já foi presidente da Sociedade Astronômica Brasileira. Ela é maravilhosa, inspiradora, mãe de duas filhas lindas e sempre foi um grande exemplo pra mim. Para o segundo livro, eu queria convidar uma pesquisadora africana, e fui apresentada à Zama Katamzi-Joseph num congresso da AGU em Dezembro. Ela é pesquisadora do Clima Espacial no SANSA (a NASA da África do Sul), jovem, muito dinâmica e conhece bem as dificuldades encontradas por meninas do continente africano. Para o livro sobre as Auroras, eu pensei que seria interessante ter uma pesquisadora polar como inspiração, por isso convidei uma cientista norueguesa chamada Anja Stromme, que estuda os processos físicos da alta atmosfera polar e vive em observatórios em altas latitudes. Ela é uma pessoa incrível e tem a sorte de olhar para o céu e presenciar Auroras Boreais frequentemente! Quando eu me mudei para os Estados Unidos, trabalhei como pesquisadora visitante na NASA/Goddard (em Maryland) por muitos meses. Quem me abriu as portas da NASA e realizou este sonho foi a incrível Georgia de Nolfo, uma cientista que estuda partículas energéticas no espaço, desenvolve instrumentos e coordena missões espaciais. Ela é uma das pessoas mais generosas e otimistas que eu conheço, ela é mãe de dois filhos e sabe balancear bem a carreira incrível com a vida pessoal, me provando a cada dia que, sim, podemos tudo!

-Recentemente você participou de um evento das Nações Unidas sobre Igualdade de Gênero. Pode nos contar um pouco mais sobre suas percepções e experiências nessa solenidade?

Participei do Fórum para o Dia Internacional das Mulheres e Garotas na Ciência (que foi dia 11 de Fevereiro) e foi uma experiência incrível! Aprendi que precisamos fortalecer nossa auto-estima no ambiente acadêmico e profissional, para que possamos exigir nossos direitos e lutar por maiores oportunidades de promoção, reconhecimento e crescimento profissional. O Fórum foi muito inspirador! Conheci uma princesa iraquiana que também é cientista e luta pela igualdade de gênero na ciência. Ouvi depoimentos de pesquisadoras sírias refugiadas e percebi que além de tentar promover a ciência, devemos também promover a paz, para que meninas de todos os lugares possam investigar a natureza, sem se preocuparem com a guerra, a fome, a violência. Vi meninas de 10 anos apresentarem um documento as Nações Unidas com reivindicações para que o estímulo das garotas em STEM* seja efetivo. Tive o prazer de conhecer a Diretora da Academia Brasileira de Ciência, a física gaúcha Márcia Barbosa, que foi muito pragmática em suas intervenções, assinou o documento final do Encontro em nome do Brasil e me encheu de orgulho de ser brasileira.

(STEM: Science, Technology, Engineering, Math; Em português: Ciência, tecnologia, engenharia e matemática)

-Como você acha que as autoridades globais podem motivar e trazer mais meninas para seus respectivos campos científicos nacionais?

Precisamos expor mais nossas meninas a conteúdos científicos, mostrando que não é “coisa de menino”, e promover a popularização das mulheres na ciência. Isso pode se dar através de financiamento para o desenvolvimento de desenhos animados como o “Show da Luna” ou de projetos como o “Girls InSpace”. Acredito também que precisamos de programas específicos de financiamento à pesquisa para mulheres desde a iniciação científica até o pós-doutoramento (aumentando a retenção de talentos), criação de maior número de prêmios para mulheres na ciência (aumentando o reconhecimento entre nossos pares), além de políticas públicas que atendam melhor a pesquisadora que é mãe.

“Queria dizer para as meninas que não há limites para a nossa capacidade intelectual! Somos criativas, inteligentes e capazes de entender desde a física do núcleo de um átomo até o mais complexo processo que ocorre numa galáxia distante. Não acreditem em nada que te façam pensar diferente disso, busque proximidade de pessoas que te inspirem a crescer! A ciência precisa da mente feminina, meninas: nem o céu é o limite pra gente!”

-Alessandra Abe Pacini

Fiquei muito feliz em ter tido a oportunidade de entrevistar a Alessandra e em divulgar o trabalho dela. A ideia do Girls InSpace é maravilhosa, por isso, caso você não possa colaborar financeiramente, ajude a divulgar o link da campanha e o trabalho dela! Vamos ajudá-la a inspirar meninas ao redor do mundo!

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